Em programa que ganha (mas não vinga), não se mexe. Em estratégia que ganha (mas não vinga) também não se mexe? Aparentemente não. Entre manter a tão afamada “coerência” ou mudar de registo, entre manter a passividade ou tornar-se agressivo, pensar na “geringonça” a médio prazo ou apostar as fichas todas no seu desmembramento, eis o estado de espírito das hostes sociais-democratas por estes dias que antecedem o congresso de Espinho: todos duvidam da eficácia da estratégia mas poucos ousam contestar o líder recém-eleito. “Temos um programa, ganhámos eleições, o programa é este e todos conhecem”, resume ao Observador um alto dirigente do partido. Tudo como dantes.

O momento é de reflexão. É para isso que servem os congressos: para delinear a orientação política do partido para os dois anos que se seguem. “O congresso é um período importante de transição da mensagem política”, explica ao Observador um vice-presidente social-democrata, sublinhando que o PSD “era Governo, ganhou as eleições, mas agora está a liderar a oposição” e, portanto, tem de se organizar enquanto tal. Outro vice, José de Matos Correia, alinha pela mesma ideia, mas todos recusam que essa necessária “transição” passe por uma “mudança de estratégia”.

“É lógico que se estamos no Governo a estratégia tem de estar em linha com o Governo, se estamos na oposição a estratégia tem de ser outra. É preciso fazer essa transição mas não não deve haver mudança de estratégia”, diz Matos Correia.

“O PSD ganhou as eleições e os portugueses sabem muito bem o que defendemos e o qual é a nossa estratégia para o país”, acrescenta ao Observador Hugo Soares, vice da bancada social-democrata. A verdade é que a moção global com que Passos se vai apresentar ao congresso – “Compromisso Reformista” -, e que vai ser eleita como a estratégia para os próximos dois anos, passa muito pouco por mudar e muito mais por manter o rumo que dizem ter sido interrompido quando a aliança da esquerda chegou ao Governo.

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A estratégia de que se fala é uma: evidenciar as diferenças entre o que está a ser feito pelo PS e aquilo que o PSD faria se ainda estivesse no Governo (estes “ses” preenchem, de resto, um capítulo inteiro da moção), chamando a atenção para os “erros” da governação. E esperar por eleições – antecipadas ou não. “Nós não concordamos com o modelo económico escolhido por este Governo, continuamos a defender o nosso modelo de crescimento com base nas exportações, no aumento do investimento privado, e no robustecimento do papel das empresas para criar emprego e riqueza de forma sustentada. Vamos manter-nos fiéis a esta linha”, insiste Matos Correia.

O mesmo defende o deputado Sérgio Azevedo, vice-presidente da bancada do PSD. “Devemos continuar a demonstrar que o acordo de esquerda não funciona e que não é bom para os portugueses”, diz ao Observador. É esta posição de não legitimar uma política que o PSD acredita ser má para o país que Passos tem mantido desde o dia um e que os seus mais próximos dizem não fazer sentido mudar. “É coerente” e “é responsável”, é o que mais se ouve pelos corredores laranja.

Não é mudança, é uma questão de eficácia

Há, no entanto, quem admita que é preciso afinar agulhas. Depois da chuva de críticas por o PSD se ter mantido “à margem” do debate do Orçamento do Estado, chumbando tudo de cruz, o deputado Sérgio Azevedo defende ao Observador que “o desafio agora é fazer com que as pessoas percebam o porquê de termos feito isso”. Ou seja, a mensagem não deve mudar, o que deve mudar é a “eficácia” na forma de a transmitir.

“Não podemos mudar o discurso, temos de ser coerentes, é preciso é apostar na eficácia da mensagem”, diz.

E isso passa por apostar em novas bandeiras ou vincar determinadas bandeiras como prioritárias? Nem por isso. É certo que do congresso sairão temas-chave que vão passar a fazer parte do discurso diário do PSD, mas mais do que propostas concretas o enfoque do PSD na oposição vai continuar a ser o caminho errado da “geringonça”. “Não vamos andar aos berros na rua ou fazer propostas diferentes só para dar um ar de mudança e agradar à comunicação social ou àqueles que dizem que o PSD se demitiu do debate político“, atira um dirigente.

Está tudo, portanto, dependente da “geringonça”. Ou, noutra perspetiva, de Bruxelas e da maior ou menor pressão que vá exercer. “Se a Europa mantiver a intransigência que tem tido para com o grupo de partidos onde Portugal se insere, então vai-lhes correr mal de certeza”, afirma um deputado ao Observador, defendendo que, se assim for, haverá um “crise política a curto prazo em Portugal”. Por outro lado, “se a Europa tirar o pé do acelerador, se arrepiar caminho, então isso jogará a favor do Governo”. Hipótese que é vista por esta fonte como pouco provável.

Os timings são analisados numa base quase semestral. Depois de passado o teste do Orçamento do Estado para 2016, há no PSD quem acredite seriamente na hipótese de eleições antecipadas em 2017. Isto porque vai haver a discussão sobre o Programa de Estabilidade, que poderá levar Bruxelas a pedir um plano B, que poderá levar a um orçamento retificativo, que por sua vez vai exigir ginástica redobrada à esquerda. Que pode não chegar. “Estes são os fatores desconhecidos que vão ter uma influência muito grande no futuro do Governo”, afirma ao Observador outro responsável social-democrata.

Passos isolado, PSD aos pulos na cadeira

Mas Passos sabe que as hostes já se mexem na cadeira, impacientes e irrequietas. Olham para o lado e veem um CDS em mudança, renovado, com novo discurso e agenda. Olham para cima e está lá um Presidente da República, que deveria ser seu (da direita) muito mais alinhado com o primeiro-ministro António Costa. E olham para dentro e tendem a ver o “passado”. Pelo menos é essa a imagem que está a passar para fora. Esta quarta-feira, durante o debate quinzenal no Parlamento, Passos teve de ouvir a crítica da boca do seu maior rival: “Sempre que falamos do futuro, o senhor vem-nos falar do passado. Em vez de falar sobre o que o país precisa, comporta-se como guardião das reformas que fez enquanto Governo”, disse Costa. Mais ou menos como o fantasma do passado que assombra Mr. Scrooge no Conto de Natal.

“Compromisso Reformista” é, de resto, o título da moção global de estratégia que Passos leva ao congresso.

Certo é que, desde o célebre episódio das duras críticas de Passos Coelho sobre a interferência do Governo nos negócios da banca, o líder do PSD tende a parecer uma voz isolada em público. Passos fez um brilharete, criticou publicamente a “interferência” do PM e do PR e pôs a bancada social-democrata a pôr por escrito oito perguntas para encostar o primeiro-ministro à parede – mas acabou a falar sozinho quando foi o próprio Marcelo Rebelo de Sousa que saiu em defesa de António Costa dando a cara contra a espanholização da banca.

Ainda com o pin da bandeira de Portugal na lapela e com o hábito de, por exemplo, enviar notas de condolências pelos imigrantes que morreram nas estradas de França, como fez esta semana, o ex-primeiro-ministro tem vindo nestes dias de pré-congresso a reduzir a agenda e as aparições públicas. Para a comunicação social saem poucas informações sobre quem vão ser os novos nomes da direção de Passos, e a palavra de ordem parece ser não levantar ondas até ao congresso. Daí, espera-se, sairá um líder entronizado, com uma direção renovada, bandeiras mais definidas e um partido unido (pelo menos nas aparências) para preparar o processo eleitoral autárquico que aí vem.

Esta terça-feira o PSD divulgou até, numa nota enviada aos jornalistas, alguns dados que se espera serem animadores para dentro: entre 4 de outubro de 2015, dia das últimas eleições, e 24 de março de 2016, o PSD recebeu 4 mil novos militantes. “Sobretudo jovens, os novos membros da família social-democrata reforçam a natureza interclassista e o caráter dinâmico do PSD. Um partido amplo e abrangente, que se renova a partir das bases e tem nos militantes a sua principal força”, lê-se na nota que o Observador teve acesso esta semana. O que prova, dizem os próprios, que “os portugueses continuam a confiar no projeto liderado por Pedro Passos Coelho”. Ou seja, está tudo bem como está, até estamos a crescer.

As sondagens, a que as máquinas dos partidos têm acesso numa base regular, também não fazem disparar os alarmes. Portanto, é manter a imagem de partido responsável e rezar por dias melhores. José de Matos Correia, vice-presidente, dá voz a esta ideia. “Não tem de haver mudança de estratégia. Temos a mesma liderança, que é uma liderança incontestada, os indicadores das sondagens também se mantém bons…Temos uma linha definida, um modelo económico que defendemos, não há razão para mudar”, diz ao Observador.

Certo é que, depois de ter sido eleito em diretas com 95,02% dos votos, dificilmente se pode dizer que Passos Coelho é um líder contestado. “Neste momento quem ousar contestar a liderança cai no ridículo”, diz ao Observador Hugo Soares. “Falar na comunicação social é uma coisa, mas mobilizar o partido é outra”, completa Sérgio Azevedo. Por isso não há adversários nem concorrentes. Para já. Seguem-se as autárquicas e o Orçamento do Estado para 2017 que muitos acreditam poder acabar com o acordo de Governo. Se assim for, Passos estará lá. Se não for, pode mesmo não sobreviver a mais dois anos de espera.