Os ilustradores e escritores portugueses estão na vanguarda do livro infantil. E não há como melhor medir o pulso a essa vanguarda do que a Feira do Livro Infantil e Juvenil de Bolonha (Portugal foi o país convidado da edição de 2012), que hoje começa naquela cidade italiana e se prolonga até quinta-feira. Este ano, a Pato Lógico está nomeada para o prémio de Melhor Editora Europeia do Ano.

Mas os prémios e as menções honrosas sucedem-se desde há muitos anos. Em 2014, o livro “Mar”, de Ricardo Henriques e com ilustração de André Letria, editado precisamente pela Pato Lógico, teve direito a uma menção honrosa na categoria “Não Ficção”. Foi também nesse ano que a ilustradora Catarina Sobral venceu o Prémio Internacional de Ilustração com o livro “O meu avô”, uma edição da Orfeu Negro. Mas não era tudo. Igualmente distinguidos no ano de 2014 foram os livros “Lá fora — Um guia para descobrir a natureza” (eleito o melhor livro na categoria “Primeira Obra”), das biólogas Maria Dias e Inês Rosário, e “Hoje sinto-me…”, de Madalena Moniz, que teve uma menção honrosa na mesma categoria.

Antes, em 2013, Bolonha atribuiu outra menção menção honrosa a Portugal, desta feita ao livro “A ilha”, de João Gomes de Abreu e Yara Kono, na categoria “Primeira Obra”. A edição é da Planeta Tangerina, que foi aí considerada a Melhor Editora Europeia do Ano.

O diretor-geral da Booktailors, Paulo Ferreira, desde há muito presença assídua em Bolonha — este ano estará na Feira Internacional do Livro de Bogotá, também este mês de abril –, não tem dúvidas: Portugal é do melhor que há lá fora quando o assunto é literatura infantil. “Faço aqui um desafio: que se encontre em Bolonha um país com tanta qualidade como Portugal. Não há. A Mafalda Milhões, a Catarina Sobral, o Bernardo Carvalho, o André Letria, o Afonso Cruz, o João Vaz de Carvalho, a Marta Madureira, entre outros, são uma geração de ouro do livro infantil. E o facto de eles serem tão bons, a mim facilita-me a vida como consultor editorial. Mal apresento o livro de um autor português que represento, vendo-o. Na hora. Portugal está na ‘pole position’ da ilustração e do livro infantil”, garante.

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Mas tempos houve em que não foi assim. E o livro infantil era visto como um livro menor. “Sim, chegou-se a pensar-se isso. Qualquer um escrevia um livro infantil. Mas esse paraquedismo — que realmente existia — não existe mais. Hoje, quem se mete na literatura infantil, sabe que esta tem um código muito próprio, que tem um publico muito exigente — tão ou mais exigente que o público adulto”, explica Paulo Ferreira, lembrando que estes são livros que servem tanto às crianças como aos adultos: “Tomemos o exemplo do Afonso Cruz e do livro ‘Assim, Mas Sem Ser Assim’ — que continua a ser um dos meus livros favoritos. É literatura infantil… e não é. É um livro que é um soco no estômago para os adultos e um ensinamento para as crianças. É a história, aparentemente simples, de um menino que vive num prédio e que tem muitos vizinhos. Um menino que anda descalço e que vive debaixo das estrelas. Ele não vive num prédio. O prédio é o mundo: o menino é sem-abrigo.”

Voltando a Bolonha. Esta não é só uma exposição. Não é só lugar onde se distingue em prémio o que de melhor se faz no livro infantil pelo mundo. Bolonha é um negócio também: é desde 1964 um dos principais espaços de compra e venda de direitos de livros.

Mafalda Milhões, a editora (é mais do que isso: é uma self-made woman) da O Bichinho de Conto, lembra na primeira pessoa como é a azáfama da feira para quem, como ela, edita os seus livros e os dos outros — e compra-os –, mas também está na feira para vender o que faz. “As feiras como a de Bolonha são muito violentas. Absorvem-te. Quando vou — e este ano também vamos a Bolonha –, sinto-me como naquela rábula da Ivone Silva, a “Olívia Patroa, Olívia Costureira”: tenho que vender o que faço e comprar o que quero editar. Costumo dizer que compro melhor do que aquilo que me vendo. [Risos] Não me sei vender. Mas sei o que quero. E vou atrás de coisas novas, coisas que não conheço. Claro que nem sempre há. Mas por vezes lá encontras um clássico que devia ter sido e não foi”, explica Mafalda. E lembra, gracejando: “O que há de mais engraçado nas feiras é que vês adultos, com livros infantis na mão, a contar histórias a outros adultos, estes últimos com um iPad ou uma máquina de calcular na mão. É belo. Mas também é assustador.”

A participação oficial portuguesa na Feira do Livro Infantil e Juvenil de Bolonha é responsabilidade da Direcção-Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas, que apresenta, num stand próprio, uma seleção de livros editados ao longo do último ano. O trabalho de Paulo Ferreira, em Bolonha ou noutra feira, é prévio. “Isto não é só chegar a Bolonha e vender, vender, vender. Ou comprar, comprar, comprar. O nosso trabalho prolonga-se por meses. Por exemplo: se há uma feira no Brasil, eu tenho que estudar as editoras brasileiras, fazer um trabalho de prospeção e perceber em quais de adequam os trabalhos dos meus escritores ou ilustradores. O trabalho do Paulo Galindro, mais analógico, é diferente do do Afonso Cruz, que é um ilustrador mais digital.” E lembra outro exemplo: “Na Colômbia um dos grandes problemas é a gravidez na adolescência. Ora, a Ana Saldanha tem um livro que fala precisamente sobre isso. Apresentei-o na feira de Bogotá e sete meses depois tínhamos uma edição da Ana na Colômbia.”

O maior medo de um editor (ou de um consultor editorial, como Paulo) numa feira como a de Bolonha é deixar escapar entre os dedos um livro que é uma galinha dos ovos de ouro. “Não, nem sempre se acerta. Por exemplo, quando a saga Harry Potter saiu, havia muitos ‘harry potters’ no mercado. E tinham um sucesso moderado. Quem é que podia imaginar que aqueles livros iam vender tanto? Ninguém. Ou melhor, alguém. Quem o fez, ficou rico. O que não falta são histórias de editores que perderam um sucesso editorial porque não tiveram o faro necessário.”

Mas então, como escolhe quem escolhe? “Em Bolonha há de tudo, livros bons e menos bons. Há livros que eu nunca ofereceria ao meu sobrinho, por exemplo. Lá porque um livro vendeu 40 mil exemplares, não quer dizer que vá ser um sucesso editorial em Portugal. É que vender 40 mil na China ou nos Estados Unidos, não é o mesmo que vender 40 mil aqui ao lado, em Espanha. Ou em França. O editor, quando vai a uma feira escolher livros, não vai escolher unicamente em função disso, das vendas. Há que escolher em função do seu público, que são as crianças. O editor conhece as cores, o traço e as narrativas que elas querem. E, claro, em paralelo, tem que escolher em função do seu gosto pessoal: eu lia isto?“, lembra o diretor-geral da Booktailors.