Novo capítulo na polémica que envolve a Federação Distrital de Coimbra do Partido Socialista. A comissão nacional do partido vai suspender preventivamente os 18 socialistas que terão participado no esquema de falsificação dos cadernos eleitorais. A decisão vai ser conhecida esta segunda-feira, durante a reunião da Comissão Nacional do partido, como conseguiu apurar o Observador.

Nesta reunião ficará também agendada a data das próximas eleições para a distrital do PS/Coimbra. O processo eleitoral tinha sido suspenso por decisão da direção socialista depois de o Ministério Público (MP) ter comprovado a existência de centenas de fichas irregulares.

Enquanto não é conhecida a data dessa eleições, há, para já, uma certeza: Pedro Coimbra, líder da distrital do PS/Coimbra, antigo apoiante de António José Seguro, vai enfrentar a oposição de António Manuel Arnaut, filho do histórico socialista António Arnaut e próximo de António Costa. São as primeiras eleições para a distrital do PS/Coimbra desde que o MP confirmou a existência de centenas de militantes ilegalmente inscritos nos cadernos eleitorais do partido no distrito.

O início da polémica

O caso remonta a 2012, quando Cristina Martins, antiga líder da secção socialista da Sé Nova de Coimbra, entregou uma denúncia documentada ao MP onde expunha um alegado esquema de falsificação dos cadernos eleitorais para favorecer a lista de Pedro Coimbra nessas eleições. Perante a denúncia, a direção do PS, então liderada por Seguro, nunca se pronunciou politicamente sobre o caso, e, em 2014, decidiu-se mesmo pela expulsão de Cristina Martins — uma decisão posteriormente anulada pelo Tribunal Constitucional.

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Quatro anos depois da denúncia, em 2016, o Ministério Público deu razão à queixosa e concluiu que havia pelo menos 261 fichas de militantes “em situação ilícita” — ou seja, com dados falsificados. Acabariam por ser constituídos 18 arguidos, alguns deles dirigentes locais do PS, na maior investigação judicial a uma fraude interna de um partido.

O MP, no entanto, optou pela suspensão provisória do processo. Em troca de um futuro arquivamento, atendendo ao facto de a moldura penal prevista para estes crimes ser reduzida e os envolvidos não terem cadastro, os arguidos apoiavam financeiramente instituições de solidariedade social ou cumpriam trabalho comunitário.

Pedro Coimbra, por sua vez, nunca foi formalmente acusado pelas autoridades portuguesas, que alegaram “falta de indícios”. A investigação concluiu que o facto de o dirigente e deputado socialista ter sido beneficiado pelas ilegalidades não significava “que estivesse a par do que apoiantes da sua candidatura foram fazendo e, muito menos, que tivesse sido o mentor da ideia”, como se podia ler no despacho do MP.

Entretanto, e já na posse desta informação, a direção socialista decidiu suspender as eleições para a liderança do PS/Coimbra, inicialmente marcadas para 5 de março, para “passar a pente fino” os cadernos eleitorais da distrital.

Ao Observador, Hugo Pires, secretário nacional do PS para a organização, garante que o caso foi analisado e que há condições para retomar o processo eleitoral. Não sem antes uma medida de segurança: “os mais de 200 militantes” cujas fichas continham irregularidades “vão ser notificados por carta” e “convidados a refiliarem-se no partido”.

Eleições estavam nas mãos de Pedro Coimbra

Com a decisão da direção do PS, as eleições para a liderança do PS/Coimbra foram adiadas. Ainda assim, todos os prazos que estavam vencidos, vencidos estavam. Ou seja, na altura em que o processo eleitoral foi suspenso, o prazo para apresentação candidaturas e de listas alternativas à de Pedro Coimbra (então lista única) já estava ultrapassado. Na prática, o deputado ia correr sozinho para a reeleição e António Manuel Arnaut não podia concorrer.

A candidatura de António Manuel Arnaut só poderia ser formalizada se os prazos voltassem a contar do zero. Era preciso reiniciar o processo eleitoral e isso dependia da luz verde de Pedro Coimbra – como confirmou o Observador junto de António Manuel Arnaut e de Hugo Pires.

Ao Observador, Pedro Coimbra confirma: a corrida vai ser aberta a quem se quiser apresentar. O líder do PS/Coimbra decidiu entregar um requerimento à direção nacional do partido para que “o processo eleitoral fosse reaberto” e para que fossem “definidos novos prazos”.

“Não quero que ninguém se sinta limitado a ser candidato por uma questão administrativa de prazos. Maior abertura, maior transparência e maior democracia era impossível. Aqueles que, nos últimos anos, não têm conseguido resolver os seus intentos nas urnas” têm aqui mais uma oportunidade, justifica Pedro Coimbra. “Este ato eleitoral vai ser como todos os outros: digno, democrático e esclarecedor“, garante.

Sobre a decisão da direção nacional do partido – de afastar os 18 militantes envolvidos no caso -, Pedro Coimbra prefere não se pronunciar, assim como raramente o fez desde o início do processo. Exceção feita a uma nota enviada à agência Lusa em que manifestou “o mais veemente repúdio pelo comportamento de alguns,­ poucos felizmente, que, deturpando os factos e a realidade, vão tentando atirar lama para cima de outros, como forma de descarregar as suas próprias frustrações pela simples razão de serem incapazes de nas urnas recolherem o reconhecimento que procuram obter de outras formas”.

Pedro Coimbra vs. António Manuel Arnaut. Novo round entre Costa e Seguro?

Quando António Costa decidiu avançar para a liderança do PS, Pedro Coimbra, próximo de Seguro, descreveu a manobra do agora primeiro-ministro de “alta traição”. Com as novas eleições no horizonte, e na perspetiva de vir a enfrentar António Manuel Arnaut – próximo de António Costa -, podia dar-se o caso de esta ser uma reedição do combate “Costa vs. Seguro”. Mais: entre os apoiantes de Coimbra há a convicção de que esta candidatura de Arnaut é apoiada por António Costa.

Pedro Coimbra não quer ir por aí. Essa tese, diz, “está ferida de bom senso. A direção nacional não se intromete nas eleições para os órgãos locais”, insiste. E afasta lutas fratricidas. “O PS tem um secretário-geral e um primeiro-ministro de que eu sou um empenhado apoiante”.

Ao Observador, António Manuel Arnaut, o adversário, garante o mesmo: esta candidatura não é promovida por António Costa. “É uma candidatura que nasce com a equidistância e isenção de quem está afastado da política há muito tempo”.

Advogado de profissão, amigo de António Costa desde os tempos da JS, mas sem participação política há 30 anos, Arnaut explica que decidiu avançar para a liderança do PS/Coimbra depois de ser convencido pelo um grupo de amigos dos tempos da “jota”. Ultrapassada a “renitência inicial”, acabou por quebrar uma promessa feita há muito.

A minha mãe sofreu muito com a ausência do meu pai e eu não queria repetir a experiência. Quebrei uma promessa que tinha feito à minha família de nunca mais voltar à política”.

Voltou, ou quer voltar, para “unir o partido, recuperar os militantes e reabilitar o PS”, explica. E não confirma o “apoio formal de António Costa”, enquanto secretário-geral do partido, mesmo admitindo que são amigos. “Tenho o apoio de toda gente que eventualmente não apoia o engenheiro Pedro Coimbra. Mas não tenha dúvidas: nos próximos tempos vão dizer muita coisa sobre mim”.

Sobre Pedro Coimbra, garante que não há “anticorpos”. “Ando há 30 anos fora disto. Não tenho nada contra ele. Tenho é contra a forma como o partido foi subsistindo ao longo dos últimos anos. E acho que Coimbra precisa de uma pessoa que alterasse alguns dos métodos que foram utilizados” nos últimos anos.

Críticos de Pedro Coimbra confiantes no virar de página. “O aparelho foi ao ar”

Com António Manuel Arnaut na corrida, os críticos da atual liderança ganham uma nova esperança. O socialista António Campos, apoiante de Arnaut, garante que o advogado vai trazer três coisas: “credibilidade”, “democracia” e novos militantes. Três coisas que o “caso das fichas falsas” tirou ao PS/Coimbra.

Desafiado a comentar sobre se este era ou não um golpe num dos últimos redutos do segurismo no PS, António Campos, pai do deputado socialista Paulo Campos, rebate: estas eleições não servem “para acabar com os seguristas. Servem para acabar com os vigaristas” e para provar que “a maioria dos socialistas são pessoas sérias”.

Ainda assim, Campos admite: António Manuel Arnaut, um “apoiante desde o início de António Costa”, “nunca avançaria se tivesse oposição” do líder socialista. “Isso é clarinho como a água”. Assim como é “clarinho”, acrescenta, que a direção do PS/Coimbra “foi protegida por Seguro” na altura das fichas falsas. “Como é que o Largo do Rato era tão conivente e aceitava fichas de militantes que não passavam pelas secções?”, interroga-se.

Sobre as reais hipóteses de Arnaut contra o homem do aparelho socialista conimbricense, Campos deixa um apelo: Arnaut tem “todas as condições desde que as fichas falsas sejam retiradas”. E o aparelho? “Os principais tipos que do aparelho e os que estiveram envolvidos na falsificação das fichas vão ser suspensos. O aparelho foi ao ar“.

Cristina Martins, a militante socialista que esteve na origem da denúncia, também se confessa apoiante de António Manuel Arnaut, um “nome antigo, sem vícios”, que vai trazer uma nova vida à distrital do PS/Coimbra. E tem condições para vencer as eleições? “Acho que sim. Acho que as pessoas estão cansadas de serem peões“.

Em contraciclo, segue Rui Duarte, apoiante de Pedro Coimbra e um dos visados no caso. O presidente da concelhia de Coimbra do PS decidiu deixar o partido por entre críticas à direção do partido. “Deixo a vida partidária, essencialmente por sentir que estar no PS significa, hoje, maior dedicação às lutas de poder interno do que ao propósito maior de servir pessoas e contribuir para aquilo que verdadeiramente interessa aos portugueses, e em particular aos conimbricenses”, explica Rui Duarte, na “declaração de desfiliação” do partido.

Mais, acrescentou numa declaração enviada no fim de semana ao secretário-geral, ao presidente e à secretária-geral-adjunta do PS e a que a agência Lusa teve acesso: “Sempre fui contra um debate intrapartidário nos tribunais e jamais, mesmo com prejuízo para o meu bom nome, sob a minha liderança, o PS/Coimbra levaria a ‘guerra aberta de militantes’ que vive para o tribunal, isto é, para a praça pública”.

Além dele, também Mário Jorge (presidente da Câmara de Soure), Francisco Reigota (presidente da Junta de Freguesia de Praia de Mira), António João Paredes (ex-líder do PS-Figueira da Foz), André Oliveira e Manuel Milagre (ex-líderes da JS-Coimbra) foram visados no processo de falsificação de fichas de militantes.