A Mossack Fonseca terá ajudado dezenas de empresas na lista negra dos Estados Unidos por relações com países sujeitos a sanções internacionais, como o Irão, Coreia do Norte, Síria e Zimbabué, a manter os seus negócios e em alguns casos a esconderem-se das autoridades, de acordo com o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação.

A saga dos Panama Papers, a investigação iniciada com o acesso do jornal alemão Suddeutsche Zeitung a mais de 11 milhões de documentos – partilhados então com o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação e trabalhados por mais de 370 jornalistas de 100 jornais (em Portugal o Expresso e a TVI são parceiros na investigação) – continua com mais revelações. Ao final da tarde de segunda-feira, o Consórcio libertou informação sobre a ligação da empresa do Panamá a empresas na lista negra dos Estados Unidos.

No total, são 33 empresas que trabalharam com a Mossack Fonseca que se encontram na lista negra do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos das empresas ligadas ao financiamento do terrorismo.

Nota prévia: destas 33 empresas, nem todas trabalharam com a Mossack Fonseca enquanto estavam nesta lista. Algumas deixaram de ser clientes antes de entrarem para a lista, com outras o escritório de advogados deixou de colaborar após isto acontecer. O Consórcio revela, no entanto, casos em que a firma de advogados não só tinha conhecimento, como ajudou a arrastar o processo e em alguns casos a encobrir o rasto do dinheiro destas empresas.

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A Mossack Fonseca cria e regista empresas em vários offshore no mundo inteiro, muitas delas sem qualquer atividade, e dá a possibilidade aos verdadeiros donos de não terem de revelar que detêm a empresa, ficando a administração em nome de um dos administradores da Mossack Fonseca. O verdadeiro dono teria, contudo, na sua posse uma procuração que lhe dava poder completo sobre os destinos da empresa e dos bens e património que lhes estavam associados.

A ligação ao programa nuclear da Coreia do Norte

O Consórcio lista, no entanto, vários casos em que o escritório continuou a negociar e a servir de gestor dos negócios de empresas da lista negra dos EUA. É o caso da DCB Finance, uma empresa criada em 2006, cujos donos e diretores fundaram a sede na capital da Coreia do Norte. A empresa foi colocada mais tarde na lista de sanções por, alegam as autoridades norte-americanas, ajudar o regime norte-coreano a angariar dinheiro e por ter ligações a um banco que ajudaria a financiar o programa nuclear norte-coreano.

A Mossack Fonseca terá ignorado que os donos desta empresa — Kim Chol Sam, um responsável norte-coreano, e Nigel Cowie, um banqueiro britânico e presidente executivo do também sancionado Daedong Credit Bank –, e os seus diretores estavam sedeados em Pyongyang. O que terá acontecido até serem contactados pelas autoridades das Ilhas Virgem em 2010, com questões sobre outra empresa criada pela firma de advogados do Panamá também com diretores da Coreia do Norte. Em setembro de 2010, a Mossack Fonseca cortou as ligações com a DCB Finance.

Em 2013 a firma do Panamá foi novamente contactada pelas autoridades das Ilhas Virgem, que questionaram a empresa sobre que tipo de controlo prévio e de investigação fizeram aos envolvidos antes de abrirem a DCB Finance em 2006. Numa resposta por email do seu departamento de compliance, a Mossack Fonseca admitiu que ainda não tinha investigado a razão pela qual a relação com a DCB Finance foi mantida já depois de saber que a Coreia do Norte estava na lista negra da administração norte-americana.

“Devíamos ter identificado desde o inicio que se tratava de uma empresa de alto risco”, admite. Em resposta, o britânico dono da empresa garante que esta foi criada para fins legítimos e que não tem conhecimento, “direta ou indiretamente”, de quaisquer transações que tenham sido realizadas com uma organização sancionada ou alvo de sanções.

O primo de Bashar al-Assad

Outro dos casos polémicos diz respeito às ligações a um primo do líder do regime da Síria Bashar al-Assad, alvo de sanções pelo Governo norte-americano por ser considerado próximo do regime e alguém que “manipula o sistema judicial sírio e usou agentes dos serviços secretos sírios para intimidar os seus rivais” nos negócios.

Rami Makhlouf, que com uma fortuna avaliada em 5 mil milhões de dólares é considerado um dos mais ricos empresários da Síria, terá criado com a ajuda da Mossack Fonseca seis empresas, pelos quais a firma do Panamá dava a cara, já depois das restrições americanas terem sido impostos. Um negócio que tinha a assistência financeira do braço suíço do banco HSBC.

Entre as empresas criadas estava também a Drex Technologies, uma empresa que o HSBC afiançou ser uma empresa em boa situação. Segundo o Consórcio, um email interno sugere que tanto a Mossack Fonseca como o HSBC sabiam que Rami Makhlouf era o verdadeiro dono da empresa e quem era Rami Makhlouf: “Contactámos o HSBC que afirmaram estar muito cientes que o Sr. Makhlouf é primo do Presidente da Síria”, diz um email do departamento de compliance da firma do Panamá, citado pelo Consórcio. No mesmo email é dito que também os responsáveis na sede do banco em Londres sabiam quem era Rami Makhlouf e confirmavam estar “muito confortáveis em relação a ele”.

Os laços da Mossack Fonseca com o primo de Bashar al-Assad foram cortados em setembro de 2011, nove meses depois de lhe ter sido recomendado fazê-lo, mas os documentos sugerem que a empresa continuou a dar apoio a uma outra empresa na lista de sanções em 2014. A empresa, Pangates International, é acusada pelo Departamento do Tesouro de fornecer combustível para aviões militares operados pelo Governo sírio usados para ataques à população durante a guerra civil.

Nove meses depois de as sanções estarem em vigor, a firma de advogados ainda tratava dos negócios da Pangates International e certificou que era uma empresa sólida e com sede nas Seicheles. Só em agosto de 2015 é que a Mossack Fonseca reconheceu que se tratava de uma empresa da lista negra dos EUA e reportou esse facto aos reguladores das Ilhas Seicheles.

Em resposta, a firma do Panamá garante que nunca, tendo conhecimento disso, permitiu o uso das suas empresas em negócios com os regimes da Coreia do Norte e da Síria. “Temos os nossos próprios procedimentos para identificar este tipo de indivíduos, até ao limite do razoável”.

O petróleo do Irão

Outra das relações reveladas é com a Petropars Limited, uma empresa controlada pelo governo do Irão que servia de intermediária entre empresas estrangeiras e o Ministério do Petróleo do Irão, alvo de sanções em junho de 2010. A relação com a firma de advogados do Panamá é de 1998, quando a Mossack Fonseca integrou a Petropars no offshore da Ilhas Virgem.

Esta empresa, com escritórios no Dubai e em Londres, ficou numa situação mais delicada quando Bill Clinton, citando o apoio do regime iraniano ao terrorismo e a sua eterna busca por armas de destruição massiva, proibiu negócios entre empresas norte-americanas com o petróleo iraniano. A empresa chegou a ser investigada em 2001 pelo regime iraniano, mas só em 2010 é que deixou de ser cliente da Mossack Fonseca após o sócio Jürgen Mossack, um dos fundadores da firma, ter descoberto que a morada, (um apartado) nas Ilhas Virgem da Petropars que estava na lista de sanções, ser a mesma que a da sua própria empresa.

“É uma decisão se calhar com doze anos de atraso, mas uma que tem de ser tomada à luz das circunstâncias”, segundo um email de uma trabalhadora da firma do Panamá, que teve o acordo do fundador da firma: “Isto é perigoso. Toda a gente sabe que há sanções das Nações Unidas contra o Irão e nós certamente não queremos negócios com regimes ou indivíduos destes sítios! Não por causa da OFAC, mas por princípio. Qualquer pessoa que tenha tido alguma coisa a ver com esta empresa, a todos os níveis, tinha de perceber imediatamente que todos os nomes associados eram nomes eram iranianos. Devia ter soado um alarme imediatamente”, disse num email, citado pelo Consórcio.