Fizeram-lhe uma pergunta e o homem reagiu mal. Suspeitou que havia ali desconhecimento, ignorância alheia. Respondeu questionando, inverteu os papéis com uma surpresa e quis ensinar algo ao jornalista.

“Quantos jogos é que viste do Benfica?”

“Não muitos…”

“Nenhum, certo? Nenhum. Eles não são nada defensivos. Eles jogam 20 metros à frente da área.”

Pep Guardiola é um treinador sobre quem uma vez disseram que “ficou careca de pensar em futebol”. É alguém que, antes dos jogos, se fecha numa sala com um computador e uma televisão para ver o que o adversário andou a fazer nas partidas anteriores. É aí, a matutar para ele próprio, a puxar pelos neurónios, que tenta chegar ao minuto, minuto e vinte, que já admitiu ser a melhor sensação que pode ter no futebol — o momento em que acredita ter descoberto a melhor forma de ganhar ao adversário. Uma espécie de momento eureka.

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Terá sido nesse laivo de iluminação que, reparando como Renato Sanches, sem bola, não costuma ocupar os espaços que deve, viu como um médio a entrar a rasgar na área, vindo bem detrás, podia fazer mal ao Benfica. Porque Guardiola viu os jogos dos encarnados contra o Zenit, o Sporting e o Braga e terá visto como os Fejsa se encosta à área se os dois centrais tiverem um avançado para marcar. E depois terá imaginado que, com Jardel e Lindelöf presos numa marcação, o melhor seria mandar o médio, o que eles menos esperassem que podia aparecer ali, desmarcar-se nas costas do lateral que estivesse do lado contrário ao da bola. Se foi essa a visão, demorou minuto e meio a concretizar-se.

Tudo isto se juntou quando Ribéry recebeu a bola à esquerda, partiu para cima de um André Almeida sem apoio para o anular e, com as atenções do lateral atraídas, passou a bola a Lewandowski. O polaco correu de dentro para fora da área enquanto o francês fez o movimento contrário e, depois, tocou a bola para Juan Bernat, à esquerda. O espanhol tirou um cruzamento tenso e encontrou a cabeça de Arturo Vidal, o trinco que entrou pelas costas de Eliseu, o lateral que adormeceu a olhar para a bola. Rui Vitória não teria imaginado um começo de jogo pior. O Benfica começava a sofrer.

Bayern Munich's Chilean midfielder Arturo Vidal (R) and Benfica's Brazilian forward Jonas vie for the ball during the Champions League quarter-final, first-leg football match between Bayern Munich and Benfica Lisbon in Munich, southern Germany, on April 5, 2016. / AFP / CHRISTOF STACHE (Photo credit should read CHRISTOF STACHE/AFP/Getty Images)

Foto: CHRISTOF STACHE/AFP/Getty Images

Demorou minutos e minutos até se habituar à forma como Lahm e Bernat, que no papel eram laterais, se tornavam em médios no campo, quando o Bayern tinha a bola. Como os alemães tinham sempre três ou quatro homens na frente, como hipóteses para receber a bola. Como Douglas Costa e Frank Ribéry, encostados às linhas, davam largura às trocas de passes e conseguiam, uma e outra vez, trocar passes longos entre eles para deixarem o outro em posição de rematar à baliza — que outras equipas no mundo fazem isto?

Viu-se o extremo brasileiro a rematar contra Ederson (10’), antes de Vidal voltar a correr para a área e cabecear a bola por cima da barra (37’) e de Thiago Alcântara ter dois golpes de artista. Um para picar um passe para as costas de Eliseu, onde Müller rematou para Ederson defender. O outro para picar de novo uma bola, esse por cima da barreira, num livre em que fingiu rematar e tentou passar ao mesmo avançado alemão. Quatro oportunidades, três obrigados devidos a Ederson.

Só que, mais ou menos aos 20’, os encarnados começaram a conseguir fazer o que Guardiola lhes reconheceu antes do jogo. A linha dos quatro defesas fugiu da área, deixou metros nas costas enquanto Jonas e Mitroglou se mantinham uns metros atrás da linha do meio campo. A equipa arriscava em deixar espaço entre os centrais e a baliza para obrigar o Bayern a arriscar nos passes. Aproximavam os jogadores e reduziam o campo por onde os alemães tinham que tentar jogar. Os fora-de-jogo de Müller e Lewandowski foram aparecendo e as bolas que o Benfica recuperava, mesmo sendo poucas, já apareciam mais perto da linha do meio campo.

Depois era uma questão de quem as recuperava ser rápido a dar um passe curto para quem estivesse mais livre de espaço. E, de preferência, ser mais rápido do que o Bayern, que pressionava à maluco nos dois ou três segundos que passavam depois de ficar sem a bola. Jonas foi tão pronto a fazê-lo aos 29’ com um toque de primeira que lançou Gaitán na esquerda, onde o argentino convidou Lahm para dançar. Bailou diante do alemão, puxou a bola para o lado, fê-lo cair num carrinho para evitar o cruzamento, que saiu contra o braço com que Lahm se apoiou na relva. Gaitán levantou os seus, aos gritos, a pedir um penálti quando do árbitro não se ouvia qualquer apito.

Benfica's coach Rui Vitoria (C) reacts during the Champions League quarter-final, first-leg football match between Bayern Munich and Benfica Lisbon in Munich, southern Germany, on April 5, 2016. Bayern Munich won the match 1-0. / AFP / ODD ANDERSEN (Photo credit should read ODD ANDERSEN/AFP/Getty Images)

Foto: ODD ANDERSEN/AFP/Getty Images

O intervalo só apareceu depois de o pé esquerdo de Gaitán, na área, rematar a bola contra um adversário após vários ressaltos. Foi uma quase oportunidade. As hipóteses a sério que o Benfica teve para marcar vieram depois. E vieram nos 20 minutos em que quem atacava no Bayern ficou amigo do fora-de-jogo, porque o risco de o Benfica defender longe da área ia compensando mais vezes.

O tino que cada jogador tinha sem a bola dava aos encarnados confiança para os momentos em que cada um a tinha, que continuavam a ser poucos. Foi assim que Renato Sanches, que se fartou de correr para não deixar os laterais sozinhos à frente de Ribéry ou Douglas Costas, inventou o passe que picou a bola para a área. E foi assim que Jonas a dominou com o peito na área (57’), aguentou Alaba nas costas, virou-se e rematou. Só faltou bater Manuel Neuer.

Aí e aos 65’, quando o brasileiro rematou de primeira a bola cruzada rasteira por André Almeida, mas com pontaria para o corpo de Javi Martínez. O Benfica inventava duas jogadas em que quase marcou até Frank Ribéry, só aos 82’, ziguezaguear por entre Renato e André Almeida e ver Ederson parar-lhe o remate. Antes, só Vidal e Lewandowski tinham ficado na cara do guarda-redes encarnado e com a bola no meio, mas com uma bandeira levantada na linha a fazê-los suspirar. O Benfica defendia da forma que Guardiola lhe reconhecera, mas isso não o impediu de sofrer. Porque Jardel e Lindelöf fartaram-se de cortar bolas, Fejsa e Renato foram mais destruidores que criadores de jogo e a equipa de Rui Vitória foi falhando quatro em cada 10 passes que fazia enquanto o Bayern acertava 90% dos que tentava.

O Bayern jogou como se o jogo fosse uma “rabia” gigante, teve quase 70% de posse de bola, fez centenas de passes, falhou muito poucos e fartou-se de rematar a bola à baliza (fê-lo 16 vezes). Era o retrato do que Gary Lineker uma vez disse e desde então passou a ser cliché: “O futebol é um jogo simples. 22 homens correm atrás da bola e, no fim, ganham as alemães”. Sim, o Benfica cheirou a bola e teve pouco tempo para a provar, mas jogou esse jogo para mostrar como é importante que os jogadores saibam o que fazer nos 87, 88 minutos que, em média, não tocam na bola. Depois teve o engenho de Ederson na baliza, a sorte a aparecer aqui e ali e não se livrou do azar de ver Jonas sair de Munique com o cartão amarelo que não o deixará jogar na partida da segunda mão, a 13 de abril. Mas, se jogar como jogou e se marcar como não marcou, haverá esperança.