Foi um dos que fez o “som de Bakersfield” e ficou para sempre associado ao grupo de “Outlaw” da country, que procurava ir contra a corrente comercial que saía de Nashville, a capital do género. Compositor frenético e intérprete único, Merle Haggard morreu esta quarta-feira aos 79 anos.

Haggard tinha regressado aos concertos em fevereiro, poucas semanas depois de ter passado 11 dias no hospital com uma grave pneumonia. Numa recente entrevista à Rolling Stone, o músico dizia: “Tenho sorte em estar vivo. Podia ter ido para o outro lado se tivesse abusado um pouco mais. Espero apenas estar plenamente capaz.”

[Okie From Muskogee, um dos temas de maior sucesso de Merle Haggard, de 1969]

Na mesma conversa, Merle confessava que continuava com ideias, continuava a querer fazer música e nunca tinha deixado de ver notícias e de acompanhar o que se passava na América. Especialmente preocupado com as primárias de democratas e republicanos. Sobre Donald Trump, disse: “Ele não é um político. Acho que ele não compreende como as coisas funcionam em Washington e é isso que me preocupa. Não me parece que ele perceba que não pode simplesmente mandar alguém fazer alguma coisa.”

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[a mensagem de Ben Haggard no Twitter, esta quarta; Ben era filho e guitarrista de Merle Haggard]

Haggard era um reconhecido republicano e, ao mesmo tempo, um verdadeiro fora-da-lei. Defendia os seus pontos de vista através das canções, as mesmas que lhe serviam a necessidade de contar a história do próprio percurso. Esteve quase três anos preso em San Quentin, a prisão que acolheu um concerto de Johnny Cash (de quem era amigo) em 1969 (um ano depois de uma atuação semelhante na prisão de Folsom, também transformada em disco). “Mama Tried”, canção clássica desse mesmo ano, é o relato de um cowboy pronto a não guardar segredos sobre como sempre se desviou do percurso certo — ou aquele que muitos tinham como certo, muitos mas não Merle:

Merle Ronald Haggard nasceu a 6 de Abril de 1937, na Califórnia. Teve a country como banda sonora de uma juventude rebelde e levou essa ideia de contestação para a música que fez desde cedo, a partir de Bakersfield. Contra a linha polida e educada de Nashville, que domava o honky tonk para o encaixar no perfil que construía as audiência das rádios, Merle — em conjunto com outros revoltosos da country como Willie Nelson, Johnny Cash, Waylon Jennings ou Kris Kristoferson — liderou o movimento Outlaw, que acabou por ganhar adeptos e transformar a música americana.

Mais eletricidade, menos cuidado e pudor nas letras, nem por isso preocupados com o romance e a namorada deixada para trás entre viagens com o gado, estes rufias transformaram a country numa música de transformação. A mesma que haveria de, anos mais tarde, influenciar gente como os Grateful Dead, os Byrds, Gram Parsons ou os Rolling Stones. Um legado que chega até hoje, visível sobretudo através de gente como Sturgill Simpson.

Estreou-se nos discos com o álbum “Strangers”, de 1965, título que era também o mesmo nome da banda que o acompanhava — e que integrava o lendário Norm Hamlet, gigante da steel guitar que marcou sempre as canções de Haggard. Foi um dos mais produtivos e bem sucedidos músicos da história da country, com edições regulares até ao final dos anos 80. A década de 90 foi de fraca memória para Merle Haggard, que haveria de protagonizar um regresso no início do século XXI, para nunca mais deixar os palcos. Em 2011 editou o seu último álbum, “Working On Tennessee”.