O esquema montado através da empresa Mossack Fonseca, com sede no Panamá e divulgado pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação, revela como líderes mundiais, personalidades das artes e do desporto, familiares de ditadores e criminosos (de grupos terroristas a traficantes de droga) criavam uma rede paralela de circulação de dinheiro, longe do alcance das autoridades de cada país. Muitas vezes, como indicam os documentos revelados pelo escândalo Panamá Papers, o objetivo é “esconder dinheiro” para não pagar impostos ou porque o mesmo provém de atividades ilegais.

Mas final, como é possível esconder verbas, por vezes, astronómicas? Seja qual for a origem do dinheiro, os métodos utilizados para o esconder são muito semelhantes. A BBC Mundo compilou seis formas de “esconder dinheiro” das autoridades, da criação de empresas de fachada ao contorno da legislação criada para evitar a evasão fiscal.

De referir que o recurso a offshores de forma a obter melhores condições de tributação fiscal não é uma prática ilegal. “Muitos offshores são utilizados com o objetivo de reduzir a carga fiscal de forma legal, não por ocultação de capitais”, explicou ao Observador o fiscalista Tiago Caiado Guerreiro.

A legalidade da utilização de um paraíso fiscal depende, por um lado, da origem do dinheiro que para aí é transferido e, por outro, do fim para que é utilizado.

Criar uma empresa fantasma

Uma das formas mais comuns de esconder dinheiro é através da criação de uma “empresa fantasma”. Uma empresa deste tipo aparenta ser um negócio legítimo – seja de que ramo for, mas com frequência é um negócio que não tem produção “visível”, como uma empresa financeira, porque é mais fácil de “esconder” o que realmente faz. Este tipo de empresa é criada com o objetivo principal de gerir o próprio capital, de forma a ocultar o seu verdadeiro dono ou donos.

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A direção deste tipo de empresas é normalmente composta por advogados ou contabilistas profissionais que dão a “cara pela empresa” (testas de ferro) e assinam os documentos, mas pode ter outros funcionários que ajudam a empresa a parecer “real”, como empregados de limpeza ou secretárias, por exemplo. Aos olhos da lei estas empresas são geridas pelo conselho de administração (que muitas vezes é composto por “funcionários” dos donos do dinheiro que tentam ocultar das autoridades). Em alguns casos, estas empresas fantasmas pertencem a ex-esposas e não são mais do que uma “caixa do correio”.

Sobre este tipo particular de empresas, o fiscalista Tiago Caiado Guerreiro, explicou ao Observador que “muitas empresas ‘caixa do correio’ são criadas com o propósito de fazer negócios noutras regiões como África ou Ásia” e que a sua existência não é ilegal. Este tipo de empresas podem “ser criadas com toda a legalidade, desde que declarem os rendimentos e paguem os respetivos impostos”.

Recorrer a um centro financeiro offshore

Muitas empresas “caixa do correio” estão sediadas em paraísos fiscais, também conhecidos como offshores. Muitos destes paraísos fiscais situam-se em países ou arquipélagos que vivem sobretudo do turismo e dos serviços financeiros – como as Ilhas Virgens, as Bahamas, as Ilhas Caimão, ou o Panamá nas Caraíbas. Muitos destes países cobram impostos muito baixos (ou nulos) sobre as transações financeiras e a sua legislação permite o segredo bancário.

A maioria dos serviços financeiros oferecidos por estes países são legais, mas o secretismo que envolve muitas das transações, a par com entidades reguladoras frágeis ou pouco funcionais tornam os offshores (termo que significa literalmente “fora do território”) muito atrativos para quem pretende esconder dinheiro.

Mas quem não quer ocultar dinheiro tem algum benefício em recorrer a um offshore? “Em Portugal e para pessoas individuais não existem vantagens em termos legais de recorrer a um paraíso fiscal, mas em relação a bancos ou seguradoras é diferente”, explicou Tiago Caiado Guerreiro.

“O princípio dos impostos em Portugal diz que a pessoa é tributada sobre o seu rendimento mundial, por isso ter o rendimento a render numa conta bancária numa zona offshore, não tem qualquer tipo de vantagem fiscal. Tem inclusive um agravamento: em vez de pagar 28% de imposto, paga 35% sobre os rendimentos de depósitos bancários, como juros, dividendos ou mais-valias” reforça o fiscalista.

Recorrer a uma offshore traz mais benefícios a bancos, seguradoras e outras entidades “que podem fazer emissões de dívida e certo tipo de operações de baixa tributação no mercado internacional”.

Uma operação comum é a emissão de dívida: “uma grande empresa a nível internacional emite dívida nas Bahamas, por exemplo, aí não há imposto. Ou seja, os grandes fundos de pensões – que são os maiores investidores do mundo – compram essa dívida com uma rentabilidade mais elevada”, disse Tiago Caiado Guerreiro, que aprofundou a explicação com um exemplo prático.

Imaginemos um projeto de construção de uma ponte. A construtora emite dívida com o objetivo de financiar a empreitada, mas a dívida não é toda igual, depende do perfil dos investidores. Uma parte da dívida pode ser emitida com um juro de 3%, com um grau de segurança grande. Outra parte pode estar associada ao número de carros que possam vir a passar na ponte. Cada parcela da dívida está associada a um risco maior ou menor. Algumas dessas parcela da dívida são calculadas de forma tão complexa que têm que ser colocadas em mercados que não tenham regulação, ou esta seja muito fraca, como por exemplo, em alguns paraísos fiscais. Esse tipo de produto financeiro muito complexo é impossível de emitir em “praças financeiras normais”.

Este tipo de operações financeiras é “normal em muitos países, todos fazem isso”. Segundo frisou Tiago Caiado Guerreiro, “as praças offshore não são más em si, a sua utilização com intuitos fraudulentos é que é o problema.”

Comprar ações e recorrer aos “cheques ou vales ao portador”

Outra forma de ocultar dinheiro é recorrer à compra de ações – que podem ser de uma empresa fantasma – ou passar cheques ao portador. Este tipo de cheques não identifica quem recebe a verba assinalada e permite a troca de somas elevadas entre duas entidades ou pessoas. Segundo a BBC Mundo, um dos valores correntes para este tipo de cheques são 14 mil dólares (cerca de 12 mil euros) e são úteis a quem não quer ser identificado como dono da soma indicada. Se estes “vales ao portador” estiverem guardados num cofre de um banco ou instituição sediada num paraíso fiscal é ainda mais difícil identificar a quem pertencem realmente.

A União Europeia deixou de permitir a emissão de “vales ao portador” em 1982 precisamente pela facilidade em poderem ser usados para atividades ilegais.

Lavar dinheiro

O processo de “lavagem de dinheiro” implica arranjar uma forma de transformar dinheiro ganho de forma ilegal – quer represente lucros do crime organizado, como a venda de armas ou droga, quer seja o pagamento por atos de corrupção – em dinheiro que pareça ter sido ganho de forma legítima. Para isso é muitas vezes contabilizado como proveitos dessas empresas fantasma, enviado para offshores ou transformado em “vales ao portador”.

A lavagem de dinheiro é necessária quando as verbas “auferidas” atingem valores difíceis de explicar como tendo origem em negócios ou atividades legais.

Violar sanções internacionais

Uma forma de tentar limitar o poder financeiro de determinados regimes ditatoriais, cujos líderes acumulam muitas vezes verbas provenientes da exploração abusiva de recursos naturais (diamantes ou petróleo, por exemplo) é recorrer a sanções internacionais. Este tipo de sanções impede também a esses países a importação de armamento e pode incluir o congelamento de contas bancárias e bens dos líderes em questão, seus familiares e/ou membros do governo.

No entanto, quanto mais duras são as sanções impostas a um regime mais dinheiro “ilegal” gera a quebra dessas sanções. O negócio paralelo de ocultação de contas bancárias desses líderes, muitos deles ditadores, ou o fornecimento de armas a esses regimes cresce e torna-o ainda mais rentável.

Escapar às diretivas internacionais relativas à tributação dos rendimentos bancários, como a EUSD (European Union Savings Directive)

A União Europeia criou em 2003 um diretiva que impede que os cidadãos europeus escondam dinheiro do Fisco e recorram à evasão fiscal. Esta diretiva pretende acabar com as diferentes tributações existentes aos rendimentos da poupança sob a forma de juros. Em termos práticos, permite que qualquer país da UE possa cobrar impostos sobre as contas bancárias que os seus cidadãos tenham noutros países europeus.

Ou seja, “um residente em Portugal pode ter um depósito não declarado na Grã-Bretanha e esse país tem a obrigação de coletar esse imposto e entregá-lo a Portugal”, clarificou o fiscalista Tiago Caiado Ribeiro ao Observador.

Esta diretiva aplica-se a depósitos bancários que tenham rendimento e “a ideia é que os rendimentos não declarados noutro país sejam sujeitos a imposto, que é coletado por esse país e é entregue ao país de residência da pessoa”.

Com a entrada em vigor desta diretiva passou a ser mais difícil “esconder” dinheiro na Europa, mas isso não impede que muitas empresas de determinado país europeu tenham sede fiscal noutro país da Europa, com um regime fiscal mais vantajoso (falou-se bastante na Jerónimo Martins, por exemplo).

“Para além desta diretiva europeia, existem outras diretivas de troca de informação muito eficazes, que até são bem mais importantes porque permitem trocar informação entre os Estados e saber a origem do dinheiro,” disse Tiago Caiado Guerreiro.

Quando se discutiu a entrada em vigor desta legislação registou-se um aumento súbito de abertura de contas fora da Europa, em especial no Panamá e nas Ilhas Virgens, segundo a BBC Mundo.