O economista angolano Manuel Alves da Rocha considera que o empréstimo que Angola deverá pedir ao Fundo Monetário Internacional (FMI) pode ser maior do que os 1,4 mil milhões de dólares de 2009, “porque a situação é agora bem pior”.

“A situação é bem pior do que em 2009, e nessa altura o empréstimo, saudado como o maior a uma economia africana, foi de 1,4 mil milhões de dólares, portanto se pode servir de indicação, podemos apontar para pelo menos esse valor”, disse Alves da Rocha em declarações à Lusa a partir de Luanda.

O Produto Interno Bruto (PIB) de Angola deverá ter ficado, em 2015, nos 102 mil milhões de dólares, segundo o FMI, o que significa que, se o valor do empréstimo rondar os 1,4 mil milhões, representará menos de 1,5% da riqueza produzida anualmente pelo segundo maior produtor de petróleo da África subsaariana, e será quase igual à última emissão de dívida pública feita pelo país, no novembro do ano passado.

Para o conhecido economista da Universidade Católica de Luanda, o pedido de ajuda externa, hoje anunciado, “é o reconhecimento de que o país está em crise financeira e da perspetiva assustadora relativamente à dificuldade de fomentar o crescimento da economia com a queda do preço do petróleo e com as perspetivas do setor petrolífero em termos de produção” no país.

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O Ministério das Finanças de Angola justificou hoje o pedido de ajuda externa ao Fundo Monetário Internacional (FMI) com a necessidade de aplicar políticas macroeconómicas e reformas estruturais que diversifiquem a economia e respondam às necessidades financeiras do país.

“Com o objetivo de desenhar políticas macroeconómicas e reformas que restaurem o crescimento económico forte e sustentável, de fortalecer a moldura institucional que suporta as políticas económicas, de lidar com as necessidades da balança de pagamento, e manter um nível adequado de reservas internacionais, o Governo pediu o apoio do FMI para complementar a atempada resposta ao declínio dos preços do petróleo”, lê-se num comunicado do Ministério das Finanças.

O documento não anuncia qual o valor da assistência financeira, centrando-se antes na assunção de um conjunto de compromissos políticos que passam pelo aumento da transparência das contas públicas, maior diversificação económica e pela promessa de um reforço da aposta nas áreas da agricultura, pescas, minas, educação, serviços financeiros, água, serviços básicos e saúde.

Para Alves da Rocha, a questão essencial é saber como vão correr as negociações tendo em conta as contrapartidas que o FMI geralmente impõe ao Estados que solicitam essa ajuda, e que passa normalmente pela implementação de um pacote de austeridade.

“Resta saber qual a contrapartida que o FMI vai exigir, na medida em que nós já tivemos um acordo monitorizado pelo FMI em 2009 durante dois anos e teve muitos apertos na atividade do Estado, e nessa altura as expetativas de retoma do crescimento do petróleo eram evidentes, ao passo que agora não há esta base”.

O petróleo, responsável por mais de 95% das receitas de exportação de Angola e mais de 50% das receitas fiscais em 2015, segundo o Ministério das Finanças, tem “perspetivas de evolução do preço muito negativas, de apenas 35 dólares por barril”, salientou Alves da Rocha, vincando as dificuldades da população mesmo sem a austeridade tradicionalmente imposta pelo FMI.

“A população está saturada de impostos, o rendimento disponível das famílias está a diminuir e nota-se uma desvalorização dos salários da população devido à subida da inflação, portanto não sei muito bem qual a margem de manobra do FMI e também do Governo, que já retirou os subsídios quase todos ao preço do petróleo”, disse o economista, exemplificando as dificuldades com o panorama atual da Saúde.

“Os setores sociais em Angola estão desfeitos, basta olhar para o que aconteceu na Saúde, ninguém imaginava que o setor estivesse tão mau; todos nós pensávamos, mesmo com base nos relatórios do Governo, que a situação estava controlada, ninguém imaginava que estivesse tão mau, com o setor da Saúde praticamente em colapso”, disse o economista, notando que que o pedido de ajuda externa, ainda assim, “é uma boa notícia” porque ajudará à diversificação.

Questionado sobre se este pedido de ajuda externa resulta de um atraso na assunção das dificuldades resultantes da crise ou se de fatores internos que foram potenciados por uma gestão política deficiente, Alves da Rocha respondeu: “Remeto a minha resposta para um comunicado recente da conferência dos bispos de Angola e São Tomé e Príncipe, que disseram, e cito de memória, que a crise não se deve apenas à queda do preço do petróleo, mas sim à falta de ética, corrupção, tráfico de influências e má gestão”.