Em “Konono Meets Batida”, o novo disco da banda congolesa Konono Nº1, o produtor Pedro Coquenão, mais conhecido pelo projeto Batida, foi buscar propositadamente a letra de uma música do seu primeiro disco, “Cuka”, escrita por Ikonoklasta (o rapper e ativista Luaty Beirão), para continuar a chamar a atenção para o que se passa em Angola. “Imaginei que quando o disco saísse isso ainda estivesse neste estado de indefinição”, conta-nos.

A música em causa, “Nzonzig Familia”, que até o fez “desafinar”, significa no calão de Kinshasa qualquer coisa como “jam em família” e é pretexto para uma conversa sobre a situação do país onde nasceu. O luso-angolano, amigo de Luaty e de outros dos 17 ativistas presos, foi um dos organizadores das várias concentrações em Lisboa que pedem “Liberdade, Já!”, agora com esperança nos recursos depois da condenação.

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A capa do novo disco dos Konono Nº1 com Batida

Na verdade, “parece que qualquer coisa em Angola é uma condenação”, começa. “A condenação existe desde o momento em que não existem processos democráticos eleitorais concretos. Há montes de relatórios de ONGs a reportar irregularidades no processo eleitoral desde sempre. E esta é a condenação. A condenação a não ter água, a condenação à taxa de mortalidade infantil aumentar e a condenação específica destas pessoas e de todas as que estão relacionadas com elas que possam pensar em manifestar-se, seja de que maneira for.”

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“Isso é o que eles querem… Isso é o que eles querem”, repete-se em “Nzonzig Familia”, a faixa seis de “Konono Meets Batida”, lançado a 1 de Abril. Eles, o regime angolano, entenda-se.

Quando se chega a uma situação como a de Nuno Dala, há quase 30 dias em greve de fome [desde 10 de Março] por lhe negarem o acesso aos cartões bancários para a família ter dinheiro para poder comer, é uma condenação a tudo o que são questões do senso comum, dos valores humanos, de tudo e mais alguma coisa”, continua.

Para o produtor, o pedido de ajuda ao FMI quando há uns anos o país se assumia como uma economia emergente também foi só “mais um sintoma” de tudo o que se está a passar há muitos anos. “Nem a ninguém é permitido fazer tanta asneira e tanta agressão a pessoas durante tanto tempo. Não conheço muitas pessoas que o tenham feito, mesmo que vá buscar os meus livros de história. E certamente não tinham o nome de líderes democráticos…”

Chocolate quente e aquecedor no máximo

As letras de Konono nº1, escritas por Augustin, filho do criador do grupo nos anos 60 — que se tornou lendário por eletrificar o likembé, um instrumento tradicional do Congo — de alguma maneira, e “com provocação”, relacionam-se com as do projeto Batida, que começou como um programa de rádio. Aliás, Pedro já tinha feito “algumas experiências com músicas deles no início do programa que tinha na Antena 3” e a única condição que impôs antes de aceitar o convite para produzir o disco foi conhecer a banda primeiro.

E perceber as letras. “Fiquei satisfeito com a história de algumas, algumas eram muito cómicas, outras eram quase de gozo e chacota com a condição da própria industrial musical, como é o caso do ‘Bom Dia’, ou ‘Nlele Kalumsibiko’, de crítica social mas da maneira mais fixe possível, que fala de como o casaco te faz ter um tratamento diferente em sociedade.”

Depois de alguns encontros em festivais para se conhecerem melhor, há um ano a banda aparecia em Lisboa para gravar o disco, cansada da digressão de inverno e cheia de frio, e acabava por se instalar na garagem/estúdio de Pedro, na Ajuda. Os planos eram outros e havia uma sala alugada especialmente para o efeito, mas todos se sentiram confortáveis ali. “Ou por eu ter o aquecedor no máximo, como tenho sempre nessa altura, um aquecedor que parece uma torradeira grande, ou pelo espaço em si, eles entraram e passados poucos minutos o Augustin, sentado no sofá, disse-me que era aqui que íamos gravar.”

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Pedro Coquenão, à esquerda, com os Konono Nº1, à porta da garagem/estúdio do músico | Foto: Vera Marmelo

O disco, sucessor de “Assume Crash Position”, de 2010, e doze anos depois de “Congotronics”, o mais popular da banda, surgiu “entre chocolates quentes” e num ambiente tão informal que de vez em quando, quando estavam cansados, “as pessoas encostavam a cabeça à coluna e adormeciam”, recorda Pedro. “E eu ficava à espera que eles acordassem. Foi uma sala/quarto que todos partilhavam.”

Quando o sol voltou e já não se sentia “aquela dor no osso”, e sem aquecedor e de porta aberta, voltaram a repetir a maior parte das canções e tudo ficou “mais natural”.

De volta ao assunto Angola, Pedro diz-se “curioso” também para ver como isso pode influenciar a música e o que vai aparecer por aí. “A música em Angola ainda tem um papel muito importante que não é obviamente o do Anselmo Ralph, que é um entertainer”, distingue.

“Há alguns artistas que têm assumido uma posição corajosa e há necessidade de haver mais música ainda. Estou curioso para ver o que vai sair daqui e o que vai ser dito. Espero que alguém se inspire nisto duma maneira boa e transformadora.”

O disco “Konono Nº1 meets Batida” é editado pela Crammed e já está à venda. Este sábado, dia 9, o grupo congolês inicia uma digressão americana. Os Batida vão participar em algumas datas.