Se pensa que recorrer ao crowdfunding (financiamento coletivo) é a forma mais fácil de conseguir investimento, pense duas vezes. “Nada poderia estar mais longe da verdade. O crowdfunding não é dinheiro fácil e não há nenhuma multidão à espera de investir no teu projeto”, disse ao Observador Marije Lutgendorff, coautora do livro ‘Crowdfunding, Beyond the Hype’ e colaboradora do centro de conhecimento em finanças alternativas Crowdfundinghub. E é por isso que é tão importante “criar uma comunidade” de utilizadores antes de lançar uma campanha, explicou.

Marije Lutgendorff está esta segunda e terça-feira no Porto e em Lisboa a dar um seminário sobre crowdfunding. Primeiro, na Porto Business School. Depois, na Startup Lisboa. Antes de viajar para Portugal, explicou ao Observador que, antes de colocar qualquer campanha online, é preciso criar uma comunidade que fique motivada e disponível para fazer parte do crowdfunding. O primeiro trabalho do promotor é sempre offline.

E se partir para uma campanha online sem comunidade é o primeiro erro dos empreendedores, o segundo passa por subestimar o trabalho que dá organizá-la, dependendo do estágio em que a empresa se encontra. A preparação de uma campanha pode demorar entre três semanas a seis ou mais meses, explicou Marije Lutgendorff.

“O terceiro erro que os empreendedores cometem é que eles pensam no crowdfunding como uma forma de angariar investimento. E não percebem nem beneficiam das mais-valias que representa em termos de marketing”, afirmou a especialista.

Para que a campanha tenha sucesso, é importante que os empreendedores ofereçam “grandes recompensas” aos futuros investidores. E que estabeleçam um “objetivo concreto e específico, fácil de entender”. Marije Lutgendorff conta que existe muita competição pelas campanhas e que, por isso, é importante, explicar às pessoas porque é que elas se devem envolver naquela campanha em particular ou porque é que aquele produto é especial.

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“É preciso um vídeo muito bom, que explique o produto e, os empreendedores não se podem esquecer de fazer um plano para a campanha. Outra coisa que não deve ser esquecida é que muito do crowdfunding acontece offline. Entre telefonemas, eventos com investidores, etc”, disse a Marije Lutgendorff.

E qual é a melhor forma de envolver a comunidade? “Fazer com que sintam que fazem parte de algo”, diz a especialista. “Eles são os teus embaixadores e o seu entusiasmo vai fazer com que mais pessoas se interessem”, acrescenta.

1,5 milhões investidos em Portugal desde 2011

Exemplos de campanhas de sucesso? Há dois, explica Marije Lutgendorff. O da empresa de cerveja britânica Brewdog, que através do programa Equity For Punks, começou, em 2009, a permitir que qualquer pessoa adquirisse ações da empresa. Quatro campanhas de crowdfunding depois, contam com mais de 32 mil acionistas. Em 2015, lançaram a maior operação de financiamento coletivo da história: cerca de 25 milhões de libras (31 milhões de euros).

“Eles são muito bons a criar e a expandir a sua comunidade. O sentimento que transmitem é o de que a sua cerveja é para pessoas comuns e que, por isso, também as suas ações são para pessoas comuns”, explica Lutgendorff.

O segundo exemplo é o da empresa holandesa de partilha de boleias Snappcar. Em 2014, a empresa organizou a campanha com mais sucesso da Holanda: as 500 pessoas que investiram receberam uma recompensa convertível, no valor total de 500 mil euros. Depois de terem sido comprados por uma empresa dinamarquesa, esses empréstimos foram convertidos em ações. “A estratégia da Snappcar foi muito forte. Eles pensaram no valor que poderiam angariar e não no que precisavam”, disse a especialista.

Em Portugal, o enquadramento legal para que se possa investir em empresas através de plataformas de financiamento coletivo – equity crowdfunding – esteve em consulta pública depois de regulador, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), ter proposto um limite ao investimento, de 3.000 euros por oferta. No total, as campanhas não podem exceder um milhão de euros. As conclusões ainda não são conhecidas.

De acordo com o relatório publicado pelo CrowfundingHub sobre o estado do financiamento coletivo na Europa, perto de 500 projetos portugueses angariaram 1,5 milhões de euros em plataformas de financiamento coletivo que operam em Portugal, desde 2011. “Existe espaço para que este número cresça, quando o público geral estiver confortável com o conceito de crowdfunding e pagamentos online“, lê-se no relatório.

No Reino Unido, por exemplo, os números não são claros e mudam consoante a entidade que os anuncia, mas em 2015 ter-se-á investido 12 milhões de libras (14,9 milhões de euros) em projetos, sem obter recompensa pelo investimento feito. Os investimentos feitos em troco de uma recompensa chegam a 42 milhões de libras (52 milhões de euros). Na Alemanha, as campanhas de financiamento coletivo com recompensa atingiram 9,8 milhões de euros em 2015.