Pode até haver diversidade de opiniões e de modelos económicos em Portugal mas é preciso convergência e o “máximo consenso”, nomeadamente no que diz respeito ao sistema financeiro, que deve ter um entendimento “mais duradouro”. Foi esta mensagem que o Presidente da República quis sublinhar, esta terça-feira, acabado de aterrar em Estrasburgo para um jantar com os eurodeputados portugueses na residência oficial do embaixador de Portugal junto do Conselho da Europa, que na quinta-feira vai ser empossado em Belém como ministro da Cultura.

“O clima pode não ser crispado apesar de haver diversidade de opiniões”, disse Marcelo Rebelo de Sousa. Ou seja, é preciso conciliar “o plano dos consensos” com o “plano das divergências” para haver convergência. Mas convergência onde? Em quase tudo, como tem dito recorrentemente. Desde a política externa à defesa nacional, passando pela reforma do sistema político, pela saúde e, sobretudo, pelo sistema financeiro. Este sim um setor mais “sensível”. Porque “enquanto os Orçamentos do Estado são objeto de apreciação ano a ano, variando conforme quem está no Governo”, o sistema financeiro não pode ter a mesma volatilidade. “Tem de ser bem mais duradouro”, disse, em mais um apelo ao consenso perante uma plateia de eurodeputados – como Paulo Rangel, Carlos Zorrinho, Nuno Melo, Elisa Ferreira, Ana Gomes, Marisa Matias, João Ferreira ou Marinho e Pinto – mas cujo recado se esperava ser ouvido em Lisboa.

O pretexto era uma receção aos eurodeputados portugueses a propósito do discurso que Marcelo fará esta quarta-feira no Parlamento Europeu, mas o recado que quis transmitir foi direto para Lisboa, nomeadamente para São Bento e para a São Caetano à Lapa. Segundo o Presidente da República, é na estabilidade do sistema financeiro que está a chave para o crescimento económico. “Não há crescimento económico se não houver financiamento da economia e este passa pelo sistema financeiro português com o contributo do investimento externo”, disse, acrescentando que “o máximo que se puder consensualizar no sistema financeiro” tanto melhor.

A propósito do sistema financeiro – que é “uma matéria sensível, que preocupa” – Marcelo recuperou entrelinhas o tema do encontro de António Costa com a empresária angolana Isabel dos Santos, que muito reboliço causou no PSD com críticas face à suposta interferência do primeiro-ministro nos negócios privados da banca. Para Marcelo, “há setores do sistema financeiro em que o grau de intervenção pública é maior e outros em que o privado é mais apetecível”, sendo que se confessou “satisfeito”, “por mais estranho que pareça”, pelo desfecho do caso mais recente, numa alusão ao acordo alcançado entre o espanhol CaixaBank e a empresária angolana Isabel dos Santos para resolver o problema da exposição do BPI a Angola.

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“Acabei por ficar satisfeito por uma das peças de um puzzle complexo ter podido resolver-se sem consequências que podiam ser complexas em termos institucionais e com virtuais incidências públicas globais que assim não existiram”, disse.

Um convite ao futuro ministro para ver Molière

Num registo mais informal, falando aos jornalistas e aos eurodeputados numa sala apertada da residência do embaixador (e futuro ministro) Luís Filipe Castro Mendes, Marcelo desdobrou-se em elogios aos eurodeputados, “que têm funções e tarefas muito importantes, mesmo que algumas delas não cheguem a Portugal” em termos de visibilidade mediática, e que são figuras prestigiadas da sociedade portuguesa: ora “ex-candidatos à Presidência da República”, leia-se Marisa Matias, ora “ex-líderes partidários” ora “futuros líderes partidários ou futuros primeiros-ministros”, disse, num exercício de adivinhação.

Mas, além dos eurodeputados que acompanharam depois Marcelo num jantar à porta fechada, a atenção do Presidente da República virou-se para o anfitrião do jantar, o embaixador de Portugal junto do Conselho da Europa. E fez-lhe, mesmo, uma espécie de convite para sair em direto: uma ida ao teatro, para ver Molière, que foi aceite de imediato.

“Eu tencionava ir na quinta-feira ao Teatro Nacional D. Maria II ver a estreia de ‘O Impromptu de Versalhes’, de Molière, e gostava muito de ter a sua companhia, mas com a tomada de posse…”, começou por dizer o Presidente, a que recebeu de imediato uma resposta afirmativa. “O convite já foi aceite”, disse Castro Mendes do fundo da sala.

Já sobre a sua nova pasta, o diplomata e também poeta não se quis alongar. Questionado pelos jornalistas sobre as suas expectativas e sobre as vantagens de ter um diplomata na Cultura, Castro Mendes limitou-se a dizer que “a diplomacia é precisa para tudo”, acrescentando que é “funcionário público, conhecedor da administração pública e servidor do Estado”, pelo que, juntando-se a isso o facto de estar “de acordo com o programa de Governo e as suas metas”, pode muito bem ser o homem certo para o lugar deixado vago por João Soares.

Marcelo, o europeísta convicto

Antes, na primeira declaração do Presidente da República, feita num microfone montado para o efeito na sala da residência do embaixador, Marcelo já tinha antecipado o seu discurso de amanhã no Parlamento Europeu, mostrando-se empenhado na defesa da “construção europeia”. Segundo Marcelo, a alocução que vai fazer esta quarta-feira no hemiciclo é “uma intervenção simbólica, e como intervenção simbólica o que interessa é afirmar a posição do Estado português, ao mesmo tempo explicar a realidade portuguesa, recordando o processo democrático vivido ao longo destas décadas, e que foi paralelo ao processo de integração europeia”.

“É natural que depois mencione alguns dos desafios que se colocam hoje à Europa, que são desafios que se colocam a Portugal. Não há uma realidade Europa de um lado, Portugal do outro. Nós e eles somos todos nós”, acrescentou.

Na quarta-feira, o Presidente da República vai estar no Parlamento Europeu, onde será recebido pelo respetivo presidente, Martin Schulz, antes de discursar no hemiciclo, tornando-se o quinto chefe de Estado português a fazê-lo, depois de Ramalho Eanes (1978), Mário Soares (1986), Jorge Sampaio (1998) e Cavaco Silva (por duas ocasiões, em 2007 e 2013).