Não é de hoje. O Panamá é desde há muito, desde meados do século XVI, uma rota importante do comércio mundial. E onde há comércio em larga escala, há (quase sempre) corrupção e fuga ao fisco. Um grupo internacional de investigadores estudou por esta altura (começaram muito antes do escândalo da Mossak Fonseca se dar a conhecer) o Arquivo das Índias, em Sevilha, e a história do comércio ilícito no istmo do Panamá, onde a economia convive com a fraude desde a primeira globalização.
Há quem compare esta investigação à do Consórcio Internacional de Jornalistas. Servirá pelo menos para compreender, a cinco séculos de distância, a importância daquele país na história da corrupção. Era por ali, pelo Panamá, que transitavam a maior parte das mercadorias do império espanhol, incluindo os metais preciosos. E as primeiras queixas de corrupção remontam a meados de 1533. Nessa altura, o bispo Tomás da Berlanga escrevia ao rei Carlos I e utilizava expressões como “caverna de ladrões”, “sepultura de peregrinos”, “extorsões e injustiças” para descrever o comércio no Panamá.
Existem dois projetos de investigação em curso, ambos coordenados pela historiadora Bethany Aram, “An ARTery of EMPIRE. Conquest, Commerce, Crisis, Culture and the Panamanian Junction (1513-1671)”, financiado com fundos europeus, e “Comercio, Conflicto y Cultura en el Istmo de Panamá”, com fundos do Ministério de Economia espanhol. Contabilizando todos os documentos estudados (em Sevilha, também no Arquivo da Guatemala e noutros arquivos das Américas), Bethany Aram garante que estes ultrapassam, em número, os “Panama Papers”. Estamos a falar de documentos dos séculos XVI, XVII e até do século XVIII.
E muitos dos crimes que lá se arrolam são semelhantes aos da atual economia global. Na cidade Nombre de Dios — por onde Cristóvão Colombo passou em tempos idos –, fundada em 1510 e considerada o “cordão umbilical” das rotas de comércio espanholas daquele tempo, comercializava-se de tudo, desde o que vinha da metrópole até ao que para lá seguiria vindo das Américas. Outros portos comerciais havia, como Veracruz, Lima, Buenos Aires, Havana ou mesmo Cádiz, mas nenhum com a importância do panamiano para o Império.
Bethany Aram explicou ao jornal espanhol ABC que “com aquele volume de comércio, era frequente a evasão fiscal”. Mas como é que se operava? As armadas que faziam a “Carreira da Índia” chegavam e partiam sobrecarregadas, o que dificultava até as manobras no porto de Nombre de Dios, em Colón. Os carregamentos de mercadorias (e até de escravos) eram realizados à frente de todos. E a evasão também. “Os castigos eram severos, mas só no papel. Muitas vezes os próprios capitães dos navios faziam subornos para que se fizesse vista grossa aos carregamentos. Muitos funcionários portuários enriqueceram assim, a desviar o olhar”, explicou a investigadora.