Catorze. Contavam-se catorze escassos segundos. Nem mais um.

Foi assim: o árbitro Rui Costa deitou o apito aos lábios, soprou-o, Vasco Costa tocou a bola curtinha para André Claro, este passou-a para trás, para fora do círculo de meio-campo, Paulo Tavares recebeu-a, desmarcou de pronto o croata Gorupec na direita, este ultrapassou Eliseu na velocidade, cruzou rasteiro para área, Nélson Semedo escorregou ao segundo poste e André Claro — que entretanto correu meio-campo do Benfica fora até à área — chutou cruzado para o golo.

A descrição do golo demorou mais tempo a ler do que aquele que o Vitória precisou para marcar.

1-0 na Luz, vencia o visitante Vitória de Setúbal. Surpreendentemente. Afinal, a última vez que o Benfica sofreu um golo na (velhinha) Luz com menos de um minuto de jogo foi nos idos de 1960, quando o argentino Diego Arizaga marcou para o rival Sporting.

O Benfica foi apanhado na curva. Mas reagiu. E reagiu logo. É que se um empate não seria bom, menos ainda seria a derrota. O Sporting era líder desde sábado e qualquer resultado que não a vitória serve aos verde-e-brancos (em vantagem de 3-1 nos confrontos diretos) na luta pelo título. Voltando ao jogo. Começou por ser Venâncio, central, a negar o golo ao Benfica. Lindelof, desde o seu meio-campo defensivo, desmarcou Pizzi nas costas do lateral Ruca, este cruzou à direita para o primeiro poste, Jonas surgiu lá a desviar, mas o desvio esbarrou no defesa do Vitória. Ricardo, o guarda-redes sadino, já estava batido.

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O Benfica ia sufocando o Vitória. Não há outro adjetivo a não ser “sufoco”. A pressão defensiva era logo à saída da área sadina — que era useira e vezeira do chutão para a frente –, o ataca combinava bem, em sucessivos passes que desmontavam a organização do Vitória. O que Mitroglou falhou aos 8′ não é hábito no grego. Não nas alturas, que são habitualmente território dele. Gaitán recebeu a bola à esquerda — o lateral Gorupec esqueceu-se do argentino e não estava lá –, cruzou-a cheia de efeitos e sem que esta tocasse sequer na relva, o ponta-de-lança grego do Benfica saltou mais alto que Frederico Venâncio, desviou a bola, mas desviou-a tanto que esta saiu um, dois palmos ao lado da baliza de Ricardo. O guarda-redes do Vitória seguiu o cabeceamento de Mitroglou com os olhos.

Dois ataques do Benfica e Ricardo nem à bola se fez. Mas haveria de fazer. E muito. 11′. Gaitán, de um canto à esquerda, cruzou para área, para o primeiro poste, Jardel atacou a bola mais veloz do que os defesas do Vitória e cabeceou. Violentamente. Com a força com que muitos não chutam com o pé. Valeu Ricardo a ir defender, rente, rente ao poste esquerdo da sua baliza. Pouco depois, aos 13′, foi novamente Ricardo a salvar o Vitória do empate. Agora, depois de um cruzamento de Pizzi à direita, Mitroglou subiu lá no alto, elevando-se mais (muito mais) do que os defesas do Vitória, cabeceou para golo, mas o guarda-redes sadino defendeu, por instinto e a punhos, para a frente. Uuufaaaaa, que sufoco!

Curiosamente, e enquanto o Benfica carregava e voltava a carregar no ataque, a defesa (dos laterais aos centrais) voltou a tremer que nem varas verdes. E não é que o Vitória ia fazendo o seu segundo golo? Aos 15′, Vasco Costa recebeu a bola na esquerda do ataque, esperou, esperou, não havia maneira de Ruca aparecer para o apoiar, e Vasco cruzou para área — quase por descargo de consciência, diga-se. Só lá estava o baixinho André Claro, no meio dos matulões Jardel e Lindelof. A altura não contou aqui, o que contou foi a velocidade, André Claro antecipou-se a Jardel, e o seu cabeceamento só não deu em golo por pouco, muito pouco. A bola entraria mesmo no canto superior esquerdo da baliza de Ederson, que ficou a vê-la passar ao lado.

O Benfica, de tanto insistir, lá chegaria ao golo. O do empate e o da reviravolta, quase em catadupa. Primeiro o de Jonas, aos 20′. Eliseu subiu no flanco, cruzou da esquerda para o primeiro poste, um cruzamento tenso, Gaitán desviou a bola de raspão, o suficiente para esta acabar a cair no poste contrário, onde o “pistolas” surgiu a desviar, furtivo. Jonas marcou o seu 31.º golo na Primeira Liga. E igualou Cristiano Ronaldo na liderança da Bota de Ouro. Logo a seguir, com o Vitória meia azamboado, Gaitán foi à esquerda para bater um canto, bateu-o para o primeiro poste, a bola caiu redondinha na cabeça de Jardel, que se antecipou a Tavares e virou o jogo do avesso. O canto de Gaitán é meio golo, a ratice na área de Jardel fez o outro “meio”.

Em cima do intervalo, aos 40′, Pizzi teve espaço para tudo. Era só ele e Ricardo, cara a cara. E Pizzi quis dar uma “chapelada” ao guarda-redes do Setúbal, depois de desmarcado nas costas da defesa sadina por Fejsa — que passe fez o sérvio, a mais de trinta metros. O “chapéu” saiu, o que Pizzi não contava é que Venâncio fosse tão rápido a recuperar do contra-pé e tirasse a bola mesmo em cima da linha de golo.

Que primeira parte. Ou melhor, que primeiros 25′ da primeira parte. O Benfica pressionou alto, sufocou o Vitória na defesa, tentou o golo de todas as maneiras e feitios, e Ricardo fez um par de defesas e tanto — quando não foi ele, foi Venâncio a cortar ou os avançados do Benfica a falhar. Mérito do Benfica na procura do empate e da reviravolta depois. Mas também demérito do Vitória, demasiado recolhido à defesa, a não aproveitar algum nervosismo do Benfica (por ter sofrido um golo cedo e por não conseguir empatar cedo), e sobretudo algum cansaço. É que depois do 2-1 o Benfica parou para respirar. E assim se manteve até ao intervalo. E depois dele.
O Benfica ia procurando controlar o jogo. E acelerando-o de quando em vez. Mas pouco, poucochinho. Se não era Renato Sanches a fazê-lo (e amiúde Pizzi), ninguém o fazia. O Vitória, por sua vez, contra-atacava. E o contra-ataque sadino tinha um nome: Arnold.

Avancemos até aos 54′ na Luz. Nélson Semedo não estava a ter uma noite feliz. Na primeira parte uma escorregadela sua deu em golo do Vitória. Agora, foi ultrapassado em velocidade pelo carrasco da primeira parte, André Claro, o avançado do Vitória cruzou para a área, um cruzamento que desviou em Semedo e quase deixou Arnold cara a cara com Ederson. Só não deixou porque Jardel cortou para canto no último instante. Arnold é uma flecha. Autenticamente.

Na defesa, sobretudo na defesa, o Benfica tinha autenticamente os bofes de fora. E estava de candeias às avessas nas marcações — o Vitória não tinha um ponta-de-lança fixo, e não é fácil marcar André Claro e Arnold. Aos 63′, Vasco Costa recebeu a bola na esquerda do ataque sadino, viu Ruca a esgueirar-se nas costas de Nélson Semedo, pôs lá a bola, e o cruzamento de Ruca só não chegou a André Claro no centro porque Ederson foi veloz a sair dos postes e defendeu para canto. A Luz não gostava do que via e a assobiava. Muito.

O Benfica só respondeu ao Vitória de livre. 64′. Até parece fácil. Mas não é. O Benfica só é tão perigoso nestes lances porque os treina vezes e vezes sem conta. E sobretudo porque nunca os bate da mesma maneira no decorrer de um jogo. Agora, Pizzi bateu um livre a trinta metros da área do Vitória, um livre ligeiramente descaído para a esquerda do ataque, encontrou Jardel lá longe, no poste mais distante da defesa sadina, o brasileiro amorteceu a bola para dentro e Fejsa surgiu a cabecear entre Ruca e Venâncio. Valeu Ricardo, como quase sempre neste jogo, a defender para canto.

O jogo na Luz aproximava-se do final. E não havia maneira de o Benfica sossegar os adeptos nas bancadas: não fazia o 3-1, nem controlava o Vitória. Aos 92′, mesmo, mesmo ao cair do pano, não houve adepto que não ficasse com o credo na boca. Arnold não conseguiu ultrapassar Ederson em contra-ataque — desmarcou-se nas costas de Jardel e Lindelof e estes ficaram a pedir fora-de-jogo do congolês –, o corte do guarda-redes do Benfica foi parar aos pés de Dani, que quase marcava desde o meio-campo.

O Benfica sofreu a bom sofrer, o jogo de quarta-feira com o Bayern (e que jogo foi) tinha que deixar mossa, as pernas já não respondem como antes, mas lá voltou à liderança. Faltam quatro “finais” até final. E nem o Sporting nem o Benfica dão o título por entregue. Vamos ver a quem se esgota primeira a botija de oxigénio.