Podíamos ir pelo lado histórico da coisa, contar os anos e mostrar-lhe há quanto tempo isto não acontecia. Podíamos ler os jornais espanhóis e pegar no que os jogadores e os treinadores disseram para realçar as voltas que isto deu. Até podíamos ir buscar o que se passou na última jornada. E a verdade é que sim, já lá vamos a isso tudo. Mas antes há que escrevê-lo: madre mia, os deuses do futebol que tomam conta da bola em Espanha devem estar perdidos da cabeça e resolveram brincar com a ordem instalada. De repente, a equipa que nunca perdia parece que já não consegue ganhar.

Rebobinada, a cassete mostra que entre 3 de outubro de 2015 e 20 de março de 2016 o Barcelona teve 39 jogos em que a derrota não apareceu. A equipa entrava em campo, a bola rolava, era passada mil e uma vezes e, no final, a amizade entre Lionel Messi, Luis Suárez e Neymar rendia golos. A 2 de abril, antes de pisar a relva de Camp Nou, os catalães tinham nove pontos de avanço sobre o segundo lugar e 10 a mais que o terceiro classificado, que era o Real Madrid. O problema, para o Barça, é que nesse dia quem ganhou foi a equipa que apanha boleia dos golos de Cristiano Ronaldo.

Aí houve um clique e o problema para o Barça é que não foi um clique dos normais, que dão a cola que falta para ligar tudo e a equipa começar a funcionar. Aconteceu ao contrário, porque desde esse dia que já lá vão quatro jornadas em que a equipa não ganhou. Pior, perdeu sempre (após o 1-2 com o Real, seguiu-se 1-0 com a Real Sociedad, o 2-0 com o Atlético de Madrid e o 1-2 com o Valência). E o trono confortável do campeonato passou ao desconforto de uma equipa que está a deixar fugir uma liderança que parecia intocável. É como a lógica da bola de neve que, à medida que rola montanha abaixo, vai aumentando de volume com a neve que acumula.

Parte do problema veio dos cinco jogos que Lionel Messi contou sem marcar um golo ou fazer uma assistência. Dos golos fáceis que Luis Suárez marcava e passou a falhar. Do muito pouco que Neymar passou a jogar. Ou dos contra-ataques rápidos e a um toque que já não saem, dos espaços que a equipa dá a defender quando perde a bola e da forma como o treinador não parece ver no banco algum suplente que possa fazer melhor que um titular — no último encontro, com o Valência, não fez qualquer substituição. “Eu gosto da adversidade. Sou assim, idiota. Se no futebol ganhasse sempre quem tem melhores jogadores, isto seria mais aborrecido que dançares com a tua irmã”, disse Luis Enrique.

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Mas, pior do que olhar para dentro e ver os seus a mirrarem, será ver como, lá fora, quem persegue vai ganhando confiança. O Atlético está com os mesmos pontos que o Barcelona e o Real tem menos um. Diego Simeone, o argentino que manda no lado vermelho e branco de Madrid, acredita que a equipa “só depende de si”, embora precise de pelo menos mais um ponto perdido pelos catalães, caso queira ser campeã (o Barça tem vantagem no confronto direto, se terminarem empatados). “Não sou adivinho. É muito difícil adivinhar o que se vai passar”, resumiu. Já Zinedine Zidane, o careca genial que toma conta dos merengues, preferiu ser ainda mais cauteloso. “Ainda não ganhámos nada. Estamos numa boa situação, mas não gosto nada disto, de que se fale que vamos ganhar tudo”, criticou, sabendo da euforia impressa pelos jornais que piscam o olho aos madrilenos.

O otimismo que agora mora na capital espanhola veio do único ponto que o Barcelona conquistou dos 12 possíveis. O problema do Real de Zidane, que é amigo dos jogadores e lidera pela mística, e do Atlético de Simeone, para quem “o esforço é inegociável”, é que já não vão defrontar a equipa de Luis Enrique — os colchoneros, entretanto, até conseguiram eliminar o Barça nos quartos-de-final da Liga dos Campeões. O melhor que podem fazer é ganhar os cinco jogos que faltam e esperar que aos catalães lhes continue a falhar um pé de vez em quando.

GETAFE, SPAIN - APRIL 16: Coach Zinedine Zidane of Real Madrid CF encourages his team during the La Liga match between Getafe CF and Real Madrid CF at Coliseum Alfonso Perez on April 16, 2016 in Getafe, Spain. (Photo by Gonzalo Arroyo Moreno/Getty Images)

Zinedine Zidane vai arrancar o sprint de cinco jogos contra a equipa frente à qual se despediu do Santiago Bernabéu, como jogador. Foto: Gonzalo Arroyo Moreno/Getty Images

Faltam cinco jornada para a liga espanhola terminar e, de repente, o campeão será decidido ao sprint. E não à maratona. A última vez que, à 31.ª jornada, os três da frente estavam tão perto foi em 2002/03. O Deportivo La Coruña, nos tempos de Jorge Andrade a central e Roy Makaay a caçar golos, liderava com os mesmos pontos que a Real Sociedad de um Xabi Alonso ainda sem barba na cara. Em terceiro ia o Real Madrid de Luís Figo e já com Zinedine Zidane (e Ronaldo e Raúl e Roberto Carlos e McManaman) na rampa de lançamento para a era dos Galáticos. Cinco jornadas depois, o título caía no colo dos merengues.

Agora vai começar outra corrida. Em quatro horas desta quarta-feira os três da frente vão jogar. O Barcelona visita o Deportivo (19h) e o Atlético viaja até San Mamés para defrontar o Athletic (19h45). O Real é o único que joga em casa e recebe o Villarreal (21h), o mesmo rival que, há 10 anos, serviu para Zidane se despedir do Santiago Bernabéu — na altura, houve um empate a três, com o francês a marcar um dos golos e a sair aos 91’ com uma chuva de aplausos no estádio e lágrimas na cara da lenda. “A equipa que ganhar o campeonato é a que for melhor nas 38 jornadas, não nos últimos cinco jogos”, defendeu Luis Enrique. Se calhar vai ser mais ao contrário.