O Estoril Open arranca este sábado e há tantas histórias para lembrar. É certo que agora a organização é outra, o que o configura noutro torneio ATP 250, algo que acontece desde o ano passado, com a mudança também do Jamor para o Clube de Ténis do Estoril, mas a magia de tempos idos é inesquecível. A lengalenga começou em 1990 e tem tido vários momentos dignos de se alojarem na memória.
Thomas Muster, Novak Djokovic, Roger Federer e Rafael Nadal, por exemplo, passaram por cá e, mais tarde, seriam grandes campeões. Outro senhor que passou pela terra batida lusitana foi Guga, o brasileiro de quem toda a gente gostava, que apenas brilhou na competição de pares (1997). Depois, há histórias para todos os gostos, com o Tejo, pastéis de nata, Benfica e surf ao barulho. É só puxar para baixo, senhoras e senhores, sem medo do título do capítulo em baixo…
“I kill you”
Não, este capítulo não é sobre o esforçado trabalho do ventríloquo que fez nascer Achmed, o terrorista morto que não nasceu para aquilo. A ameaça chegou num inglês com sotaque russo. Esta história remonta a 2005, em pleno Estoril Open, altura em que Frederico Gil sonhava como sonham os garotos de 21 anos. O céu era o limite. Se os desejos não tinham teto, o mesmo não se pode dizer da paciência de Dmitry Tursunov. O tenista russo era do top-20 e não esperava certamente grandes dificuldades com o português, que tinha com ele a multidão nas bancadas do court.
Estoril Open 2016
↓ Mostrar
↑ Esconder
Datas: 23 de abril – 1 de maio
Local: Clube de Ténis do Estoril
Bilhetes entre €5 e €220
Transmissão: RTP2 e Eurosport
“Demorava muito tempo entre os pontos, na respiração, a ir à toalha”, contou ao Observador Gil, em novembro de 2011. O português lembrou então que recebeu vários avisos por parte do árbitro, enquanto o rival ia ficando sem ar (leia-se aziado). Jogavam-se os quartos-de-final, já cheirava a “meias”, não era brincadeira, e o homem da casa acabou por vencer mesmo. Na altura dos guerreiros encurtarem distâncias e selarem a coisa com um aperto de mão… “Nem percebi bem, mas ele disse-me qualquer coisa como: ‘I kill you [Eu mato-te]'”. Pelo sim, pelo não, Frederico Gil pediu a seguranças que o acompanhassem até ao balneário.
Quando não se tem juízo no surf, o ténis é que paga
Na edição do ano passado, havia sete jogadores do top-50, entre eles figuravam nomes interessantes como Feliciano López, Richard Gasquet — o francês da esquerda elegante — e Nick Kyrgios, que está de volta na edição deste ano. Esta história é sobre Feliciano, o espanhol bem-parecido, que começou a jogar ténis aos cinco anos com o pai e futuro treinador, também ele Feliciano. É louco pelo Real Madrid, mas nem foi o futebol a estar em destaque na sua visita em 2015. O espanhol foi antes experimentar surf com Marc López e alguns surfistas portugueses (Filipe Jervis, Miguel Blanco e Pedro Coelho).
Bom, a história é curta e com piada. Tinha 33 anos e ocupava o honroso 12.º lugar no ranking ATP, tornando-se assim no primeiro cabeça de série do torneio português. Ou seja, estava dispensado da primeira ronda. López lá foi até ao Guincho, em Cascais, sentir aquela aragem fresquinha e a água “quentinha” (muita ironia). O senhor natural de Toledo andou à bulha com o mar e acabou por ganhar, nem que seja porque conseguiu surfar uma onda. “Não roda tudo à volta do ténis, quero aproveitar este lugar maravilhoso”, disse, com os pés enfiados na areia.
Pior foi o que veio depois. Na segunda ronda, diante do holandês Robin Haase, as coisas até começaram bem, com uma vitória por 6-4. Depois é que foram elas: 6-7 (2-7) e 4-6. Ninguém pode assegurar que foi a aventura no surf a derrubar o espanhol, até porque há dias maus, mas não deixa de ser curioso. Haase estava no 101.º do ranking ATP. Já o Guincho…
“Pelo Tejo vai-se para o Mundo”
Stanislas Wawrinka tem apelido polaco e é filho de um alemão e de uma suíça. Em 2013, tocou-lhe a oportunidade de disputar o torneio português. “Stan the Man” é profissional desde 2002, por isso aquelas andanças pelo torneio mais famoso da Linha já não lhe tiravam o sono. Na véspera do arranque da competição, Wawrinka investiu num passeio pelo Tejo, com Elena Vesnina (29.ª), para desfrutar do sol ali tão perto da então capital portuguesa do ténis.
O veleiro chamava-se “Patrão Mor” e o passeio durou cerca de uma hora. Às vezes, o universo tem destas coisas, tanto o nome do veleiro como a palavra “passeio” sugeriam já uma espécie de prenúncio. É que Wawrinka seria o patrão mor desse Estoril Open, derrotando na final David Ferrer (6-1, 6-4).
O título deste capítulo anda a reboque de um poema de Fernando Pessoa por uma razão muito simples: em menos de um ano, Wawrinka saltaria para debaixo dos holofotes do campeonato dos grandes, com o terceiro posto do ranking ATP, batendo-se com gigantes como Djokovic, Nadal e Federer. Depois do Estoril Open, o tenista suíço venceu o Australia Open (2014), o Masters de Monte Carlo (2014) e Roland Garros (2015) — ao todo, meteu no bolso nove torneios após a vinda a Portugal.
Bolas com selo português
A edição anterior do Estoril Open inovou. Segundo o site Ténis Portugal, todas as bolas utilizadas foram estampadas no local, com uma tecnologia que permitia que a terra batida fosse expelida logo após a pancada da raquete. “Uma hora antes de cada jogo inicia-se um processo a quente numa máquina de estampagem, que garante que a bola não perde qualidade, ainda para mais quando a Dunlop apresenta uma tecnologia específica para a terra batida o que obriga ainda a mais cuidados”, escrevia então o Ténis Portugal.
E continuava: “A tecnologia utilizada faz com que a terra batida seja expelida da bola logo após a pancada, o que faz com que a bola não vá ganhando peso ao longo do jogo. Para cada encontro, a Dunlop prepara assim sete latas de bolas, que no caso de não serem utilizadas também não podem ser no dia seguinte, devido à perda de qualidade”. Diz o mesmo artigo que a Dropshot, a representante da Dunlop em Portugal, estampou 500 bolas por dia, para um evento que utilizaria oito mil bolas (apenas metade seria usada nos jogos oficiais).
Djokovic, Benfica e Eusébio
No dia 30 de abril de 2007, o court central do Estoril Open recebia uma das partidas mais aguardadas: Djokovic vs. Igor Andreev. Na véspera desse duelo, Djoko foi ao Estádio da Luz ver o Benfica-Sporting, que acabou 1-1 (Liedson; Miccoli). O sérvio adora futebol e escolhera o Benfica como o seu clube em Portugal. No dia seguinte, era altura de voltar a meter a cabeça no ténis, mas a surpresa foi como entrou no court: com a camisola 4 do Benfica vestida, com Djokovic escrito nas costas. No final, o sérvio ganhou ao russo e Miccoli, em destaque no dérbi lisboeta, deu-lhe os parabéns pessoalmente.
O Benfica até apostaria uns anos mais tarde no mercado sérvio, mas Djokovic foi o primeiro, como tantas vezes o seria na sua vida daí para a frente. Por isso, o conto de fadas não ficaria por aí. Nessa edição do Estoril Open, o jovem craque Djoko bateria Gasquet na final e receberia o troféu das mãos da lenda maior da sua recente paixão… Eusébio.
https://twitter.com/ToneDaBawz/status/692664038141075460
Guga, o gentleman com ar de surfista que continuou a ser campeão depois do ténis
Gustavo Kuerten foi rei em Roland Garros, com três vitórias (1997, 2000, 2001). A primeira delas, com 20 anos, coincidiu com a sua vinda ao Estoril Open. O tenista de Florianopolis até começou bem em solo português, com uma vitória sobre o compatriota Fernando Meligeni (6-4, 6-2). A seguir, na segunda ronda, caiu aos pés do espanhol Francisco Clavet, que chegaria à final.
O foco de Guga virou-se para a competição de pares, na qual jogava precisamente com Meligeni. A final e as “meias” foram um “passeio no parque”, expressão que sugere facilidade e que soa muito melhor em inglês, mas a vida não tinha sido assim tão fácil nos quartos-de-final. Culpa de quem? De uns filhos da terra: João Cunha e Silva e Nuno Marques, que até ganharam o primeiro set e obrigaram os brasileiros a jogarem a negra.
Guga era um tenista especial. Carismático, com energia e um ar cool, relaxado. Era um vencedor e talvez tenha vindo preencher um vazio no orgulho brasileiro após a morte de Ayrton Senna, em 1994. Gustavo Kuerten foi um vencedor também e, numa participação no último episódio da série sobre Senna, elogiou a atitude e a mentalidade do antigo campeão de Fórmula 1, a quem chama de “mestre”. Porquê? Simples, por ter tido duelos em que já sabia que ia vencer — “o outro também já sabia que ia perder, até imaginava pela cabeça do outro”.
Prémio Adhemar Ferreira da Silva
↓ Mostrar
↑ Esconder
Foi criado em 2001 e tem como objetivo homenagear atletas e ex-atletas que representem os valores que marcaram a carreira e a vida de Adhemar, bicampeão olímpico no salto triplo, nomeadamente a ética, eficiência técnica e física, desportivismo, respeito ao próximo, companheirismo e espírito coletivo
Em 2015, após vencer a importante distinção brasileira Adhemar Ferreira da Silva, um antigo campeão olímpico brasileiro, Guga emocionou-se e partilhou a forma como vê o desporto, talvez menos impiedosa da forma como o fez no vídeo em cima: “O esporte, para o brasileiro, precisa ir além do resultado. A gente fica muito marcado ainda por ganhar, mas para o esporte é muito pouco, esporte serve para a vida, esporte é educação. O esporte é muito”.
Em 2000, o brasileiro fundou o Instituto Guga Kuerten, para ajudar pessoas com deficiência, recorrendo ao desporto para promover a inclusão social, conta o Globo Esporte. O mesmo artigo diz que o trabalho da sua associação já ajudou mais de 60 mil pessoas em Santa Catarina.
Os pastéis de Davydenko e Lisicki
Era uma vez um russo e uma alemã na fábrica que esconde um dos segredos mais bem guardados da improvável e melancólica Lisboa. Long story short: Davydenko e Lisicki, em 2009, aprenderam a confecionar e a devorar os famosos pastéis de nata portugueses. Lisicki não se descaiu e disse que “o segredo iria manter-se um segredo”. Davydenko, mais comedido e sisudo, falava em minutos de satisfação. “Não diria que posso comer centenas, mas dois, três, quatro, não há problema”, admitia o tenista russo. Lisicki, sorridente, estava maravilhada com o sabor do que acabara de produzir.
“Não sou muito bom nisso [cozinhar]. Em casa, é minha mulher (Irina) quem cozinha e eu só como. Mas tenho de ensiná-la a fazer os Pastéis de Belém porque são realmente bons”, soltou Davydenko, aqui citado pelo Ténis Brasil.
Conclusão: os pastéis embalaram-nos para a vitória? No, sir. Davydenko ganhara a prova em 2003 (vs. Calleri) e perdera a final de 2008 (vs. Federer), mas em 2009 desiludiu ao cair na ronda inicial, contra o checo Radek Stepanek. A alemã caiu contra a russa Elena Bovina.
Este torneio não é para portugueses. Verdad, España?
Nadinha. Frederico Gil até esteve perto de fazer história em 2010, quando foi um osso muito duro de roer para Albert Montañés, que assim garantiu o bis na prova. O Estoril Open é, aliás, o salão de festas dos espanhóis, principalmente nos primeiros anos, o que pode ser justificável pela proximidade e pelo facto de ser um torneio recente. Desde 1990, foram 11 os campeões espanhóis no quadro masculino, enquanto no feminino somam-se cinco — a prova começou em 1990, mas esteve interrompida até 1998.
Entre os nuestros hermanos campeões, observam-se nomes como Emilio Sánchez (1990), Sergi Bruguera (1991), Carlos Costa (1992, 1994), Àlex Corretja (1997), Alberto Berasategui (1998), Albert Costa (1999), Carlos Moyà (2000), Juan Carlos Ferrero (2001) e Albert Montañés (2009, 2010). Nas mulheres veem-se nomes como Ángeles Montolio (2001), Magüi Serna (2002, 2003), Anabel Medina Garrigues (2011) e Carla Suárez Navarro (2014).
Curiosidade: No século XXI, são os argentinos que mais invadem o trono. David Nalbandian (2002, 2006), Juan Ignacio Chela (2004), Gastón Gaudio (2005), Juan Martín del Potro (2011, 2012) e Carlos Berlocq (2014).
Um chão sagrado para monstros do futuro
É à escolha do freguês. Thomas Muster foi bicampeão, em 1995 e 1996. Carlos Moyà e Marat Safin também pisaram a terra batida do Jamor, ambos seriam também número 1 do circuito. Rafael Nadal esteve por cá em 2004, mas teve de abandonar por lesão. David Nalbandian varreu do court central Davydenko (2006); Djoko, como já vimos, limpou Gasquet (2007). Um ano depois, foi a vez de Roger Federer espalhar magia com a sua esquerda a uma mão, imagem que deve estar em loop num qualquer Olimpo do ténis — o suíço bateu Davydenko, em 2008. O génio, que ainda está para as curvas em 2016, conduziu na altura um elétrico pelas ruas de Lisboa.
Juan Martín del Potro seria apenas o terceiro homem a conseguir ganhar dois Estoril Open consecutivos, em 2011 e 2012, imitando o feito de Thomas Muster e Albert Montañés. Sem ser consecutivo, também Carlos Costa, Gasquet e Nalbandian venceram a prova duas vezes.
Nas mulheres, os nomes são mais difíceis de associar a qualquer outra grande conquista (para quem não é um ás no ténis), mas há uma exceção: Li Na. A chinesa até perdeu duas vezes a final do Estoril Open (2005, 2006), mas chegaria ao topo do mundo cinco anos depois, quando venceu Roland Garros. Li Na tornou-se na primeira chinesa a ganhar um grand slam. Em 2014, voltaria a ser feliz, desta vez na Austrália. A carreira acabou com uma lesão no joelho.
Lembre a carreira dos craques que passaram pelo Estoril:
Quem são os tubarões desta edição?
Jo-Wilfried Tsonga era o cabeça de cartaz, mas o homem que parece Ali, número 7 do ranking ATP, e que até já passou pelos campos do Estoril Open (2011), anunciou a desistência na sexta-feira (problemas físicos), na véspera do torneio arrancar. A história do francês está marcada pelo que aconteceu antes da sua vinda ao Jamor, graças às lesões que o castigaram e à forma como se levantou. Uma prova: em fevereiro de 2007, o francês estava no 224.º lugar da lista, mas subiu para sexto (!) no ano e meio seguinte. A fibra e a experiência deste tenista com uma direita poderosa colocavam-no como o grande favorito à edição de 2016.
Gilles Simon (18º), Nick Kyrgios (20º), Benoit Paire (22º), João Sousa (34), Guillermo Garcia-Lopez (37), Borna Coric (41) e Gilles Muller (43) são os mais sérios candidatos agora, na teoria pelo menos. Kyrgios, por exemplo, volta ao Estoril para tentar corrigir o desvio da edição passada: derrota na final com Gasquet.
Vamos, então, a isto. First service…