É micro-história do cinema. E uma das mais assolapadas manifestações de cinefilia já vistas. Em 1982, um grupo de miúdos americanos naturais do Mississippi encabeçados por Chris Strompolos, Eric Zala e Jayson Lamb, todos com 12 anos, começaram a rodar “Raiders of the Lost Ark: The Adaptation”, uma versão caseira e plano por plano de “Os Salteadores da Arca Perdida”, de Steven Spielberg, que se havia estreado um ano antes. Foi um trabalho de fãs de carteirinha, de uma imensa paciência e de amor incomensurável a um filme, tanto mais que, dada a inexistência de uma edição em videocassete, a recriação teve que ser feita a partir de todo o tipo de material de imprensa e de promoção, desde revistas a fotografias, passando por uma gravação áudio clandestina feita durante uma sessão. O filme passa hoje no IndieLisboa (Secção Boca do Inferno, Cinema Ideal, 19.00).

https://youtu.be/bGhr0kjrU7s

Esta recriação prolongou-se por sete anos, sempre durante as férias de verão dos rapazes, e só se concluiu em 1988, quando Zala, o realizador, Strompolos, o intérprete de Indiana Jones, e Lamb, o diretor de fotografia e montador, já tinham acabado o liceu e iam entrar para a universidade. Custo final da aventura: cinco mil dólares, contra os 18 milhões de dólares do filme de Spielberg. Houve uma estreia pública em 1989 e depois cada qual seguiu o seu caminho. Até que em 2002, graças ao realizador Eli Roth, que tinha uma cópia,”Raiders of the Lost Ark: The Adaptation”, foi exibido no festival Butt-Numb-a-Thon do crítico de cinema Harry Knowles, onde teve um acolhimento triunfal.

Roth foi então tentar encontrar o trio responsável pelo filme e conseguiu juntá-lo em 2003, para uma projeção oficial em Austin, no Texas. Algum tempo depois, Steven Spielberg, que entretanto também já tinha visto “Raiders of the Lost Ark: The Adaptation” e enviado uma carta elogiosa aos autores, convidou Strompolos, Zala e Lamb para o visitar e recebeu-os no escritório da sua produtora Amblin. Entre outros, a revista “Vanity Fair” publicou um artigo sobre o filme e os rapazes. O título: “Raiders of the Lost Backyard”. Em 2014, o maior e melhor filme de fãs já feito ficou enfim completo, com a rodagem e acrescento de uma cena de luta num avião que não tinha sido feita originalmente por falta de dinheiro, meios técnicos e segurança. A soma necessária para a concretizar foi angariada na Internet. Mais “indie” do que isto, é impossível.

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