Rui Vitória é um tipo inteligente. Tem mesmo que ser. Porque, nesta vida, não se é treinador e se diz a vinte a tal homens o que devem fazer em campo quando há lá uma bola no meio se não se é capaz de ver coisas que os outros não veem. Não foi nos livros ou nas enciclopédias de futebol que ele terá percebido que, como estiveram na primeira parte, os seus jogadores não seriam capazes de dar a volta a um Rio Ave que já se habituara a lidar com eles. É a história do puzzle e de como é difícil desencaixar peças depois de estas arranjarem maneira de se encaixarem. Ou a de como às vezes é preciso puxar pela cabeça.

Não lhe terá sido difícil ver que, durante 45 minutos, o miúdo das tranças não existiu. Era uma sombra de si próprio porque havia sempre alguém a fazer-lhe sombra. Quase sempre houve um vila-condense atrás de Renato Sanches, a dar-lhe encostos quando tocava na bola e a pressioná-lo assim que estivesse quase a recebê-la. E aí se viu como o Renato que costuma meter uma mudança acima no jogo do Benfica também (ainda) é o Renato miúdo que, sozinho, não sabe livrar-se de uma vigilância destas. E a equipa sofreu na primeira parte, mostrou o quão depende da genica que os 19 anos do médio lhe dão ao jogo.

Além da cabeçada de Jardel, ao primeiro minuto, que não entra porque Pedrinho fez de terceiro poste na baliza, e do pontapé de Gaitán à entrada da área (32’) que falhou o poste por pouco, o Benfica não produz. Ederson farta-se de tocar na bola com os pés, a recebê-la e a devolvê-la aos centrais. O Rio Ave não pressiona muito, mas defende lá em cima, encostado à área encarnada e com Guedes a chatear Jardel e Lindelöf. Como Renato está quase sempre à sombra de Pedro Moreira a equipa tem de se virar para Fejsa, mas as bolas que saem do sérvio não são as mesmas que podiam ser distribuídas por Sanches. A equipa sofre porque a bola que tem a mais que o Rio Ave de nada lhe serve por não chegar a quem interessa, que é Gaitán, Mitroglou e Jonas.

Rui Vitória deve ter percebido porquê. Os vila-condenses recuperam muitas bolas, são ladrões, mas não criam perigo. Atacam com poucos e os muitos com que defendem habituam-se à forma como os encarnados tentam atacar. Controlam as fugas de Pizzi, da linha para o meio, para pedir a bola. Nunca deixam Jonas virar-se com a bola para a baliza. Sabem que Mitroglou é um amante da área e prendem-no por lá. Não entram à queima a Gaitán e retiram-lhe as hipóteses para ziguezaguear com a bola. O Benfica é anulado e o treinador tem que puxar pela cabeça. O intervalo dá-lhe tempo para pensar e dizer o que pensa aos jogadores.

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I Liga: Rio Ave FC vs SL Benfica

Foto: Ivan Del Val / Global Imagens

Diz muita coisa a Renato Sanches, quando regressam ao campo. Puxa-o, explica-lhe coisas ao ouvido, e há gente que o imita. Até Rui Costa lhe dá um pedaço de pensamento. Jonas também. Porque o brasileiro também é um tipo inteligente e sabe que não é por saber a solução que o novato médio consegue aplicá-la sozinho. A bola tem que estar mais com o miúdo e ele precisa de espaço. Por isso Jonas começa a ser matreiro, a jogar o jogo das atenções. Começa a fugir aos centrais de repente e a por-se colado a um dos médios do Rio Ave, até sentir que Wakaso ou Tarantini o veem. Quando entra no radar de um deles, foge dali, arrasta-os.

É com a inteligência de Rui Vitória no banco e com a de Jonas na relva que Renato Sanches passa a ter mais tempo e espaço com a bola no pé. O médio joga mais e o Benfica vai à boleia. Jonas chama-o quando ele tem a bola, diz-lhe para avançar com ele, fixar adversários e depois largar passes. A equipa cresce por começar a fazer coisas diferentes. Renato fixa um, passa a André Almeida, o cruzamento sai e Gaitán remate frouxo depois de Jonas lhe endereçar a bola que apanha num ressalto. Outro cruzamento, de Pizzi, põe a bola no argentino que, na área, dá a Jonas para o brasileiro ser um malandro que finge que remata para dominar e só depois disparar. São duas oportunidades boas que dão remates frouxos. Mas o Benfica cresce.

Continua a crescer quando Rui Vitória percebe que faltam mais coisas diferente. E de um médio disfarçado de extremo que tem alergia à linha e de um avançado-tanque que serve para ser referência na área, o treinador dá ao Rio Ave um extremo que se cola à linha e um avançado para “fazer diagonais nas costas dos centrais”. Não é a mesma coisa ter que parar Pizzi e Mitroglou ou Salvio e Rául Jiménez e os vila-condenses baralham-se. Passam a defender pior e a dar mais espaço aos encarnados. O Rio Ave mal ataca, tem muito com que se preocupar na defesa, tem de se aguentar e habituar ao que é novo.

O Benfica passa a morar mais tempo na metade do campo alheia. Cruza mais bolas, vê Renato a tentar mais coisas, Jonas a pedir mais a bola, Gaitán a desmarcar-se mais. Só que Marcelo e Villas Boas, os centrais, anulam tudo até o capitão do Rio Ave ter azar, aos 74’. Parece armar a perna direita tarde demais para chutar na bola que André Almeida cruza e faz bater mesmo à sua frente. Toca-lhe, mas desvia-a para a própria baliza. A bola bate na barra enquanto Cássio cai pelo relvado a tentar evitá-lo. Deixa de haver guarda-redes para fazer frente à recarga que Raúl Jiménez faz do ressalto. É o quinto golo do avançado mexicano (décimo na época) após sair do banco.

E o jogo acaba ali, no azar de Villas Boas e na “pura estrelinha” — como diz Tarantini, no final — que foi bater na barra. Depois de ser o tipo inteligente que viu o que estava mal e foi deu à equipa tipos de jogador diferentes para obrigar o adversário a defender de maneira diferente, Rui Vitória conseguiu ser um tipo com sorte. O treinador agarrou-se ao 0-1 e juntou a equipa. Renato Sanches colou-se a Fejsa, a bola soldou-se aos pés de Gaitán e de Renato, até ao fim, e a equipa abrandou o jogo que o Rio Ave, atrás do prejuízo, já não tinha capacidade de acelerar.

Aquela vantagem era preciosa e Rui Vitória não precisava de pensar muito para o perceber. Ganhar em Vila do Conde era fazer mais do que meio caminho em direção ao título, pois a teoria dizia que este seria o jogo mais difícil para o Benfica até ao fim do campeonato e a prática tê-lo-á confirmado. Agora, falta-lhe o Vitória de Guimarães (casa), o Marítimo (fora) e o Nacional da Madeira (casa). Quanto ao resto, o treinador encarnado já o percebeu há muito: na próxima jornada há um FC Porto-Sporting e tremer antes do clássico era a melhor coisa que podia dar aos leões, que assim continuam a dois pontos de distância.

Benfica's Mexican forward Raul Jimenez (L) celebrates with teammates after scoring a goal during the Portuguese league football match Rio Ave FC vs SL Benfica at the Dos Arcos stadium in Vila do Conde on April 24, 2016. / AFP / FRANCISCO LEONG (Photo credit should read FRANCISCO LEONG/AFP/Getty Images)