Em dia de comemoração da liberdade fala-se de “pluralismo”. E de convergência na diversidade. Com o Parlamento muito dividido entre a direita e a nova maioria de esquerda, a sessão solene dos 42 anos da revolução dos cravos teve discursos políticos para todos os gostos. Se a esquerda apareceu alinhada no elogio ao “regresso de Abril” com a mudança de políticas protagonizada pelo atual Governo, foi ao PSD que coube fazer o contraponto, com Paula Teixeira da Cruz a dar voz ao descontentamento: criticou as “atitudes persecutórias” e “revanche pessoal” da nova maioria, que, acusou, tem rasgos de “salazarismo bafiento”.

O discurso em tom duro e foi talvez o único momento que causou alguma tensão na sala. Com um cravo na lapela, gesto que é raro aparecer associado aos deputados mais à direita, a ex-ministra da Justiça apareceu na tribuna da Assembleia da República pronta a chamar a si os valores de Abril, tão “banalizados” pela esquerda. Criticou a “demagogia”, a “infantilidade”, os “moralismos e os radicalismos de qualquer espécie”, o “discurso pueril e histriónico” e os “deslumbrados com o poder”, que, segundo Teixeira da Cruz, caracterizam a nova maioria de esquerda. O tom foi ainda mais grave quando a deputada social-democrata apontou o dedo àqueles que acusam o PSD e o CDS de serem “traidores da pátria” por apenas discordarem do modelo económico-financeiro seguido pelo atual Governo.

“Quando as discordâncias em matéria financeira levam a acusações de que os partidos da oposição se bandearam com as instituições europeias e que são os novos traidores à pátria, o odor a salazarismo mais bafiento e o ridículo mais agudo abatem-se sobre quem faz tais afirmações, que são uma negação de uma democracia convivial, tolerante e inclusiva”, disse, sob exclamações entusiásticas de Teresa Leal Coelho que, da bancada, dizia “muito bem!” sucessivamente.

Ainda assim, Paula Teixeira da Cruz reafirmou que o PSD não vai deixar de fazer “oposição forte, mas responsável“. Uma postura que foi reafirmada mais tarde pelo líder parlamentar Luís Montenegro, que disse estar aberto ao diálogo, acusando o PS de não o querer fazer.

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Do lado do CDS, o tom foi diferente. Menos crítico da “geringonça”, Nuno Magalhães até deixou recados ao PSD, que, ao contrário do CDS, não quis levar o Programa de Estabilidade a votos no Parlamento. “Não sei se ficaremos sozinhos ou acompanhados, nesta proposta e neste pedido de votação dos planos de estabilidade e reformas, mas sei que hoje, como então, muitos portugueses nos compreendem”, disse, lembrando que há 40 anos, quando foi aprovado o texto da Constituição o CDS foi o único que votou contra.

Criticando as projeções “pouco credíveis” do Programa de Estabilidade do Governo, o CDS foi o único que tocou neste ponto nas intervenções políticas da sessão solene do 25 de abril. No final, foi aplaudido apenas pela sua bancada.

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25 de abril: sessão solene comemorativa do 42º aniversário

Em vez do líder da bancada, Carlos César, como estava inicialmente previsto, o PS escolheu para fazer a intervenção o líder da JS, João Torres, que se estreou nos discursos do 25 de abril. Falando em nome da sua geração, que não viveu a revolução mas que herdou os seus feitos, o deputado socialista sugeriu outros três “D’s”, diferentes nos D’s de 1974: Defender, Dinamizar e Desafiar.

“Defender a nossa história, a nossa cultura, a língua, o território e o capital humano, dinamizar a economia, as instituições e os movimentos sociais, e desafiar os preconceitos, o conservadorismo, a cartilha neoliberal e os cidadãos a serem mais participativos”, disse.

Num discurso pouco político, o PS focou-se nas desigualdades que ainda persistem na sociedade e criticou os paraísos fiscais. “Não é fácil aceitar que o salário de uns seja pouco superior a 500 euros e o de outros superior a 50 mil”, disse, acrescentando também que “não é fácil aceitar que uma elite avolume fortunas imorais em paraísos fiscais quando o cidadão comum mal consegue pagar as despesas do dia-a-dia”.

O tema dos paraísos fiscais — os offshores —, foi referido por toda a esquerda. Apesar dos apelos que viriam depois do presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, para haver “uma só voz na Europa”, PCP, BE e Verdes uniram-se para criticar as “elites” e aqueles que, sem terem mandato legítimo para o fazer, procurar comandar os destinos de Portugal.

“Quarenta anos depois, a nossa democracia encolhe-se sob a pressão de uma UE nascida nas elites, imposta, tratado após tratado, ignorando os povos”, disse o deputado bloquista Jorge Costa, acusando o Banco Central Europeu de querer que Portugal mude a Constituição e a lei eleitoral sem ter poder nem legitimidade para isso. A crítica, mais do que à Europa, foi também para as “elites fracassadas” que persistem em Portugal: a família Espírito Santo, Mello, Champalimaud, Queiroz Pereira, são alguns exemplos.

Também a deputada do PCP, Rita Rato, tinha condenado “veementemente” as “tentativas deliberadas” vindas de Bruxelas para impedir a “recuperação de direitos e rendimentos”. Um dos exemplos que deu foi, precisamente, a recente “chantagem” da Comissão Europeia para o Governo português não aumentar o salário mínimo nacional.

O PCP centrou-se sobretudo na defesa da Constituição, sugerindo que “a derrota do PSD e do CDS” nas legislativas do ano passado reflete-se também “numa vitória da Constituição no caminho da reposição de valores essenciais que a política de direita tão profundamente desprezou”. Para a deputada comunista, a oportunidade é agora.

Foi também essa a mensagem deixada pelo deputado ecologista José Luís Ferreira: Sem PSD e CDS no governo deu-se “um regresso à normalidade democrática” e “a Constituição voltou a ser respeitada”. “Os orçamentos do Estado inconstitucionais são coisa do passado”. É o “regresso de Abril”, afirmou.

Seis anos depois, Capitães de Abril de volta à Assembleia e aplaudidos de pé

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Começou por ser o deputado d’Os Verdes, José Luís Ferreira, a apontar para a galeria onde se encontravam Otelo Saraiva de Carvalho e Vasco Lourenço. A esquerda virou-se para trás e aplaudiu. Foi a primeira vez em seis anos que os Capitães de Abril marcaram presença na sessão solene da Assembleia da República, depois de se terem ausentado durante a governação de Passos Coelho, por protesto contra as políticas de austeridade.

Mas o elogio maior viria de Eduardo Ferro Rodrigues. “Que bom que é ter-vos de volta a esta casa que é também a vossa casa, a casa da democracia”, disse, evocando também a memória de Salgueiro Maia, Melo Antunes e Marques Júnior, e motivando o momento de maiores aplausos de pé por parte das bancadas da esquerda. CDS e PSD foram os únicos que não aplaudiram. Mas o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, não lhes seguiu o exemplo, tendo depois feito também uma saudação aos militares. “Bem hajam senhores capitães de abril”, disse.

No primeiro aniversário do 25 de abril do novo ciclo político, o dia foi de estreias. Não só Marcelo fez o seu primeiro grande discurso enquanto PR, como também Eduardo Ferro Rodrigues se estreou nos discursos de abril na qualidade de Presidente da Assembleia da República. “Uma dupla honra”, começou por dizer. E pediu aos agentes políticos que colocassem os valores acima das divergências, para que Portugal fale “a uma só voz”, nomeadamente na Europa.

É este espírito que, “hoje mais do que nunca”, Ferro diz que é preciso recuperar. Numa altura em que o Parlamento está profundamente dividido entre dois blocos, a esquerda e a direita, “é preciso identificar o chão comum que pisamos, os valores que nos unem e os objetivos estratégicos que nos mobilizam. Debatemos tudo mas tentemos nunca perder de vista as mudanças que precisamos de fazer para devolver a esperança a Portugal”, disse.

Ou seja, debate sim, mas, no fim, deve haver “uma só voz”. “Uma só voz na Europa, em nome da Europa que queremos, uma Europa mais centrada na solidariedade social do que nas décimas das finanças públicas”. Num recado aos partidos da esquerda que são críticos da relação de Portugal com as instituições europeias, Ferro pediu mesmo que, então, lutassem pela mudança. “Se queremos mais Europa e se exigimos mais da Europa, não nos deixemos tolher pelo medo ou pelo cinismo. Lutemos para que a nossa Europa volte a ser para o resto do mundo o farol dos Direitos Humanos”, disse, citando Sophia de Mello Breyner: “Não devemos temer os perigos da liberdade”.

Ferro Rodrigues considerou ainda que era essencial para a democracia um poder judicial “respeitado” e “prestigiado” e uma comunicação social “pluralista” e respeitadora das regras deontológicas. Porque “não se pode esperar dos portugueses respeito por quem não se dê ao respeito ou por quem não respeite as regras e as normas do Estado de Direito democrático. A democracia é acima de tudo um regime de regras e de valores”, disse o atual número dois da República e ex-secretário-geral do PS.