O Mecanismo Único de Supervisão (Banco Central Europeu) recusou autorizar a criação de um banco de transição, proposta pelo Banco de Portugal, por não acreditar na viabilidade do Banif, nem mesmo depois de uma resolução.

A explicação foi dada pelo presidente do Fundo de Resolução, José Berberán Ramalho, na comissão parlamentar de inquérito ao Banif.

“Achavam que o banco não era viável, portanto ter mais tempo só prejudicaria ainda mais o resultado da venda”. O responsável admitiu que a situação de degradação da liquidez do banco, depois da notícia da TVI, pode ter sido relevante, mas acredita que os responsáveis do Mecanismo Único de Supervisão terão “ficado mais persuadidos pela DG Comp”. Se o Banif era inviável, como era convicção da direção geral da concorrência da Comissão Europeia, então o banco de transição seria também inviável.

Para José Ramalho, que também é vice-governador do Banco de Portugal, a DG Com “conseguiu convencer” o organismo de supervisão do BCE de que o banco “não era viável”.

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Considerando “lamentável” que o BCE não tenha autorizado a divulgação das ata da reunião do conselho de governadores que tomou decisões determinantes para o fim do Banif, José Ramalho sublinhou que o organismo de supervisão (que reúne o BCE e as autoridades de supervisão nacionais) era “muito pessimista e desfavorável” à ideia, lembrando que o banco tinha recebido uma ajuda de Estado e não tinha conseguido voltar a a ter lucros. E achavam que no final do prazo (para alienar o banco de transição — a solução adotada no BES –) a venda seria feita em condições piores.

O otimismo português e a intransigência de Bruxelas

O vice-governador reconheceu ainda que do lado português, governo, Banif e mesmo Banco de Portugal, houve algum otimismo em relação ao último plano de reestruturação, apresentado em setembro, porque este previa o destaque dos ativos, que tinha sido exigido por Bruxelas, tornando o banco mais atrativo. Mas à medida que o tempo foi passando, as ofertas não apareceram e “a possibilidade de sucesso foi diminuindo”.

José Berberán Ramalho não confirma a leitura feita pela ex-ministra das Finanças, segundo a qual a Comissão Europeia terá comprimido o prazo para encontrar uma solução para o Banif até ao final de 2015. Uma vez que a resolução poderia ter passado para o ano seguinte. Mas admite, em resposta ao deputado Marques Guedes do PSD, que Bruxelas se tornou mais inflexível,

“Não sei se houve um volteface, mas a partir da investigação aprofundada (tomada em agosto de 2015), a DG Com tornou-se mais “incisiva e intransigente” em relação à possibilidade de viabilização do Banif. E realça que foi notória a objeção feita por Bruxelas a 17 de novembro de 2015 ao plano de reestruturação e venda defendido por Portugal (anterior governo), na tal reunião em que o ministério ainda tutelado por Maria Luís Albuquerque esteve representado por teleconferência. Nesta altura, o governo (em transição política) estava menos presente.

Na sua intervenção inicial, o presidente do Fundo de Resolução voltou a apontar na direção das instituições europeias quando estão em causa as responsabilidades pela solução final aplicada ao Banif e para qual só exigia uma alternativa, a liquidação.

Solução proposta por Portugal. Barrada por Bruxelas, bloqueada pelo BCE

O vice-governador do Banco de Portugal, considerou “profundamente questionável o papel predominante que as considerações sobre a concorrência assumem nestes processos, em detrimento das considerações que deveriam ser prioritárias, que são a preservação da estabilidade financeira e a proteção do erário público.”

E alertou ainda que as “preocupações com a concorrência neste contexto são consideradas na perspetiva limitada de evitar distorções da concorrência resultantes de ajudas de Estado, desconsiderando (ou só considerando de forma secundária) o potencial de distorção mais geral à concorrência que resulta do processo de concentração”.

Em respostas ao deputado do CDS, João Almeida, José Ramalho explica que a interação do Banco de Portugal com a DG Comp (direção-geral da concorrência europeia) era incontornável porque havia uma ajuda de Estado e, lembra, nesses casos tem de haver resolução bancária, o que envolve a autoridade nacional de resolução.

O vice-governador concluiu ainda que a solução defendida pelas autoridades portuguesas “foi barrada” por Bruxelas, no que diz respeito à recapitalização pública com integração na Caixa Geral de Depósitos. Outra solução que foi bloqueada foi o banco de transição. Era uma solução de recurso que nos daria mais força negocial. Foi inviabilizada na prática pelo Mecanismo Único de Supervisão.”

Na sua intervenção inicial, José Ramalho já tinha explicado que o Mecanismo Único de Supervisão (SSM na sigla inglesa) do BCE colocou objeções à constituição dum banco de transição.

“A hipótese de constituição de um banco de transição ficou dependente da constatação da impossibilidade de uma venda. Isto inviabilizou, na prática, a possibilidade de constituição dum banco de transição como solução de recurso, no horizonte temporal exigido, e a disponibilidade dessa solução de recurso como elemento de reforço da capacidade negocial no processo de venda. Deste modo, em consequência das sucessivas restrições introduzidas, a alternativa de resolução ficou limitada à venda da atividade, caso contrário o banco entraria em liquidação”.

Resolução poderia ter sido em 2016? Podia, mas teria sido muito pior

A resolução do Banif poderia ter ocorrido em 2016, mas teria sido concretizada “num quadro muito mais desfavorável para Portugal”, defendeu esta terça-feira, o presidente do Fundo de Resolução, na comissão parlamentar de inquérito. José Berberán Ramalho considera mesmo provável que o cenário escolhido pela autoridade europeia de resolução fosse o da “liquidação” do Banif, por considerar que não era um banco sistémico.

“Para Portugal, o Banif era sistémico, por causa das quotas enormes nas ilhas. Do ponto de vista de Bruxelas, a perspetiva não é a mesma. O banco era periférico, muito possivelmente considerariam que não era sistémico, e não sendo, seria provavelmente liquidado”, afirmou o também vice-governador do Banco de Portugal.

Se ainda assim, acrescenta, considerassem que o banco era sistémico, José Ramalho está seguro que nesse caso “não iriam envolver o Fundo de Resolução europeu”, mas forçar o bail-in, ou seja, imputar perdas aos credores, o que incluiria depositantes acima dos 100 mil euros, pequenas empresas e Estado. “Teria sido uma solução muito pior para nós. Acho que pagávamos mais” do que com a resolução, concluiu em resposta ao deputado socialista João Galamba.

O responsável adiantou que a resolução feita em 2015 custou cerca de 3,3 mil milhões de euros. O custo para os contribuintes poderá chegar aos três mil milhões de euros.

Berberán Ramalho confirmou ainda que eventuais mais-valias que venham a resultar da venda de ativos da Oitante, sociedade que ficou com os ativos que o Santander não quis, ficam no Fundo de Resolução, e beneficiam o sistema bancário, e não vão para o Estado. Admitiu que o banco espanhol pode vir a comprar os ativos com os quais não quis ficar na venda por resolução.