“Se três romanos de toga, os romanos de há 2.000 anos, visitassem as nossas salinas, estavam em casa. Se visitassem os nossos armazéns, pensavam que era um outro mundo.” É desta forma que Inácio Oom do Valle, um dos administradores da Necton, descreve os diversos espaços de atividade da empresa.
Em Olhão, salinas e laboratórios produzem sal marinho e microalgas. São estes os produtos-chave de uma empresa com duas décadas de sucesso, que alia as práticas ancestrais da extração de sal com a modernidade da biotecnologia. Entre estes dois mundos, registam um volume de negócio crescente, com clientes nacionais e internacionais satisfeitos.
Um projeto universitário tornado negócio
Tudo começou em 1995, nos laboratórios da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica do Porto. Um projeto de investigação focou-se no potencial das microalgas e nas suas múltiplas utilidades. O mercado tinha procura, mas a oferta era limitada. Com o know-how laboratorial, jogaram as mãos a um produto que cresce “cerca de 100 vezes mais que uma planta comum”. Os dados estavam lançados.
Foi um processo longo para cimentar as bases. Inácio descreve esses dois anos de concretização: “Desde o início que somos três à frente da empresa. Eu, o João Navalho e o Vítor Verdelho. Entre 95 e 97 estivemos numa fase de amadurecimento da ideia. Assinámos o protocolo de investigação, criámos um projeto empresarial bem definido e, muito importante, procurámos um spot ótimo para o que queríamos fazer.”
Foi no sul do país que encontraram as condições ideais para a cultura intensiva de microalgas. As horas e cadência de luz da zona portuária de Olhão eram as mais indicadas. A empresa foi constituída nesse ano e a aquacultura começou a produzir.
Mão-de-obra local com pioneirismo global
Quando iniciaram a atividade, havia apenas mais uma empresa a trabalhar com microalgas a nível global. A concorrência norte-americana não assustava e o tempo validou a aposta neste nicho de mercado. Os clientes são principalmente empresas de extratos, cosmética ou de rações de animais (para aquacultura também), que têm nas microalgas uma matéria-prima importante. Segundo Inácio, exportam “cerca de 95% do total da produção para 15 destinos, incluindo França, Espanha, Bélgica e uma empresa que trabalha nas Filipinas”.
E há soluções para todos os gostos. “Eu costumo dizer que somos alfaiates das microalgas, porque produzimos à medida das necessidades dos clientes. Cada microalga é um indivíduo e temos o maior número de espécies em stock. Quem precisa de um tipo de microalga, entra em contacto e a Necton produz”, explica o empresário.
Mas como surgiu o sal marinho nesta equação? Segundo Inácio, “foi uma boa oportunidade. O espaço em que trabalhávamos era uma salinicultura abandonada”. Num país em que o sal tem procura constante e em que Olhão produz cerca de 90% do total nacional, a Necton resolveu entrar em campo.
“Foi mais um processo de aprendizagem. Analisámos muito bem o produto, contratámos mão-de-obra local e já exportamos 45% do sal que produzimos”, resume Inácio. A ideia foi levar a flor de sal ao grande retalho, colocando um produto considerado premium a preços mais acessíveis.
Hoje, com um mercado nacional de sal “que continua robusto” e conquistados os principais desafios, procuram atualizar o portefólio e explorar novas gamas de produtos. “Queremos sal com maturidade mais avançada e, assim, podemos olhar para o pequeno retalho, para o canal Horeca e ter produtos mais caros”, explica o empresário.
Desafios entre o mar e a terra
Num momento em que o tema “mar” continua a ser recuperado como uma prioridade para o setor empresarial português, a Necton já tem duas décadas de sucesso e as perspetivas são “muito positivas”. “Investimos com calma, com prudência. Desde o início, nunca quisemos depender da banca. Foi por isso que a crise não nos afetou”, revela Inácio. O empresário recorda quando foram ao banco apresentar o projeto de investimento na produção de microalgas: “O gerente bancário estranhou. Ele disse que se fosse uma residencial ou hotel era logo, mas algas?”
No entanto, Inácio é direto quando refere a importância do setor. “As empresas já compraram o mar. Há PME que já trabalham há muito e com sucesso neste setor. Os maiores desafios são burocráticos e são dificuldades que se estranham, como a nível da gestão da orla costeira. Cada caso é um caso, mas há empresas que esperam oito anos por uma resolução e acabam por perder clientes”, diz.
Mesmo perante as dificuldades, a empresa valoriza o impacto positivo que tem na região. “É um aspeto relevante. Requalificamos o ambiente, tanto biológico como socioeconómico. Hoje, empregamos 40 pessoas com estudos que vão da 4ª classe à investigação laboratorial mais inovadora”, explica Inácio.
“Temos uma aposta na qualidade desde a primeira fase de produção, com a rastreabilidade e a análise sistemática. Por exemplo, se um sueco comprar hoje uma microalga, daqui a quatro anos conseguimos dizer quem fez o quê, em que fase e como é que foi entregue ao cliente”, explica o empresário. Esta é uma vantagem competitiva que implica também uma equipa em constante atualização de conhecimentos.
Para Inácio, “a Necton é uma escola, um melting pot. Temos as áreas mais clássicas, mais tradicionais, como a produção de sal, e depois temos o trabalho de laboratório. Neste mercado, ninguém sai formado para trabalhar na Necton. É um conhecimento muito específico que vamos passando e em que vamos aprendendo com os erros. Há muitas soluções que nascem dos imprevistos e só temos é de aproveitá-las e aprender com elas.”