Não é como no antigamente. As coisas mudaram, para bem, porque houve um português que andou entre os melhores durante sete anos, a viajar pelo mundo e a parar onde as ondas mandavam. Mas quando a idade e a paternidade fizeram Tiago Pires, em março, dizer basta à competição internacional, já outros portugueses andavam decididos a surfar mundo fora, para lhe seguirem o exemplo. Frederico Morais é um deles e está bem encaminhado para dar a Portugal outro representante no circuito mundial de surf (Championship Tour, ou CT), porque acabou de fazer o que enche de confiança um atleta que só depende dele próprio: ganhar.

Aos 24 anos, Kikas, como é apelidado, foi à Martinica vencer (no domingo) a prova que lhe deu 3.000 pontos para o ranking do circuito por onde se entra no CT — e que se chama Qualifying Series, ou QS. O português, que para já apenas surfou em duas provas, está no 13.º lugar, e o que se espera daqui a uns meses é vê-lo a festejar a entrada na elite, onde moram os melhores. “Sei o que quero e o que tenho trabalhado para o alcançar, que é qualificar-me para o CT. O que posso dizer é que vou dar o tudo por tudo para que seja este ano, sem dúvida alguma”, garante ao Observador, pelo telefone, já regressado das Caraíbas. Não falámos com Vasco Ribeiro, mas não será mentira escrever que ele também o fará. Porque Frederico e Vasco são amigos, puxam um pelo outro, fazem o circuito juntos e, na Martinica, até surfaram um contra o outro.

Uma vitória destas sobe-te à cabeça?

Acho que não. É a minha primeira vitória num QS, é um ótimo resultado, são pontos importantes no início do ano e que podem ser ainda mais importantes no final do circuito. Acho que há ainda muito trabalho a fazer. Isto não me sobe à cabeça, de todo. Claro que foi bom, foi um dia e uma vitória especial, mas há mais trabalho a fazer. Para alcançar o objetivo que quero alcançar, uma vitória destas, aliás, qualquer uma, não pode chegar-me à cabeça. Já estou de volta a casa, a trabalhar, a treinar, pronto para mais.

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Quando estavas na água, olhaste para o relógio e te apercebeste que a final tinha acabado, o que sentiste?

Não estava a acreditar. É um sentimento indescritível. Todas as derrotas valem a pena para uma pessoa conseguir alcançar uma vitória destas. Ainda por cima em boas ondas, com bons surfistas e boas notas. É difícil de explicar. Quase que não acreditava, só me vinham as lágrimas aos olhos.

Depois tinhas o Vasco Ribeiro à tua espera, na praia.

Sim, demos logo um grande abraço. Ainda foi melhor.

Ficaram abraçados durante uns segundos. Ele disse-te alguma coisa ao ouvido?

Só me deu os parabéns. Não há muito a dizer ali, um abraço basta. Sabemos que estamos nesta caminhada juntos, apoiamo-nos um ao outro e surfamos juntos muitas vezes. Somos bons amigos e pronto, tanto eu como ele vibramos com o sucesso do outro. Isso é importantíssimo para uma rivalidade saudável.

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Foto: WSL/Poullenot/Aquashot

Já surfaram várias vezes um contra o outro. Até aconteceu lá na Martinica, nos quartos-de-final. Isso torna-vos mais amigos?

Sinceramente, quando entro para um heat com ele, encaro-o como apenas mais uma surfada que vamos fazer, de meia hora, de 25 minutos ou o tempo que seja. Vou para me divertir, para mostrar bom surf, fazer o que sei fazer melhor. E depois, que ganhe o melhor e quem se der melhor naquele mar. Acho que é mais uma surfada e mais uns minutos de felicidade que temos.

Ajuda o facto de serem companheiros de viagem no circuito de qualificação?

Sim. O Vasco é uma ótima companhia, é fácil de viajar com ele. Damo-nos bem e temos feitios que encaixam. Não nos chateamos nem temos discussões. Acaba por ser tudo fácil e isso torna as viagens mais divertidas.

Estás em 13.º do ranking com duas provas feitas. E agora, o que vem aí?

Espero continuar com este momento e conseguir mais pontos. A próxima etapa é no Japão, um evento de 6.000 pontos, uma prova importante. Agora é trabalhar e lutar por mais um bom resultado.

E depois do Japão?

Hmm, devo ir a todas as provas de 6.000 pontos. Depois há uma de 10.000, na África do Sul. Não sei se não há outra prova de 3.000 nos EUA. Tinha que estar a olhar para o calendário, onde está tudo planeado e tenho definido quase todas as provas que vou fazer. Mas sim, as prioritárias são as provas do Japão [23-30 de maio] e da África do Sul [27 de junho-3 de julho].

É este ano que sucedes ao Saca?

Não posso dizer que tenho a certeza se é este ano, ou não. Sei o que quero e o que tenho trabalhado para o alcançar, que é qualificar-me para o CT. O que posso dizer é que vou dar o tudo por tudo para que seja este ano, sem dúvida alguma. Sinto que estou a surfar bem, que estou em forma, tanto psicológica como fisicamente, e pronto, agora é trabalhar e deixar as coisas acontecerem.

Achas que a herança que o Tiago Pires deixou é muito pesada, por ainda ser o único português a ter conseguir entrar no circuito mundial?

Não sinto peso para chegar ao Saca. Cada um tem a sua trajetória, o seu caminho e a sua carreira. As portas que o Saca nos abriu são, sem dúvida, gigantes, além do apoio que ele nos dá. Só o facto de termos o Saca a surfar entre nós é uma ajuda enorme. Uma pessoa tem que lhe tirar o chapéu pelo que já deu ao surf português.