A sazonalidade do Algarve leva a fenómenos que podem soar estranhos ao resto do Mundo. Um deles, por exemplo, é um restaurante ganhar uma estrela Michelin em novembro e serem precisos mais de três meses até se poder visitá-lo, não devido a uma enorme lista de espera, mas antes por não compensar manter as portas abertas durante a época baixa. Foi o que aconteceu com o Bon Bon, onde se aproveitou o interregno para remodelar a sala de refeições, construir uma nova garrafeira e alargar a cozinha.

“É preciso trabalhar-se melhor o turismo no resto do ano”, lamenta Nuno Diogo, o empresário que, há três anos, juntou esta casa ao seu já considerável portfólio de estabelecimentos com o intuito de realizar um desejo antigo: ter um restaurante com estrela Michelin. “Era um sonho que sempre tive”, confessa, enquanto explica que apesar de ter feito carreira noutro tipo de restauração, o fine dining sempre lhe despertou interesse. E não apenas enquanto cliente: “Num espaço que tive no Carvoeiro, o Colina Village, que não tinha nada a ver com este tipo de restaurante, cheguei a fazer um jantar para 24 pessoas com um chef brasileiro que tinha estado no El Bulli“, recorda.

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A nova garrafeira climatizada do Bon Bon é o ex-líbris da sala.
(foto: © Tiago Pais / Observador)

O homem sonhou e a obra nasceu, como previu o poeta, mas a estrela podia até nunca ter chegado: os inspetores da Michelin são, à falta de melhor adjetivo, imprevisíveis. E muito mais o são no que diz respeito a Portugal. Mas isso dava outro artigo. A verdade é que com a boa nova cumpriu-se não só o sonho de Nuno Diogo como a promessa que Rui Silvestre, o chef, lhe fez ao telefone antes de assumir a cozinha do restaurante, em 2014: “Vamos ganhar a estrela Michelin”, disse-lhe na altura.

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Rui não é algarvio, mas quase. E por quase não se entenda que nasceu no Baixo Alentejo ou coisa parecida. É natural de Valongo, mas chegou à região com apenas nove anos. Já tinha trabalhado com Nuno, num dos outros restaurantes deste, o Pimenta Preta, antes de ter percebido, como diz, “que havia mais mundo”. Quando percebeu, fez por conhecê-lo. Enviou currículos para restaurantes com estrela Michelin e à primeira resposta fez as malas rumo à Normandia. Depois, ao longo de sete anos, passou por restaurantes noutros pontos de França, na Suiça e até na Hungria, no Costes, durante a fase em que Miguel Rocha Vieira esteve afastado do projeto.

A sua cozinha traz “um bocadinho de todos esses sítios, mas sempre com vontade de evoluir”, diz, sentado na mesa que vai partilhar com o Observador ao jantar. Afinal, é dia de folga mas só da jaleca. “Faço isto [experimentar o menu como se fosse cliente] muitas vezes, ou sozinho ou com o meu patrão. E eles lá dentro na cozinha já sabem que no dia seguinte vou sempre querer mudar qualquer coisa.

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Rui Silvestre, o chef do Bon Bon.
(foto: © Telmo Antunes)

A refeição começa com uma série de pequenas criações a que a carta chama surpresas. Vão surgindo em bom ritmo: ora chega uma terrina de coelho — “estufado muito lentamente com ras el hanout“, explica o chef — com avelã e crumble de frutos secos, ora uns rissóis de berbigão que são um tributo “a uma senhora de uns 95 anos que os fazia em Lagos e toda a gente conhecia.” E Rui também ou não se achasse ele “um fanático por rissóis”. Pouco depois chegam os pães, todos eles feitos dentro de portas: um branco, um de alperce e um bolo lêvedo.

Surpreendidos os convidados, apresentados os pães, começam então a desfilar os pratos da carta. Primeiro, um autêntico festival de marisco algarvio, com uma seleção de bivalves ladeados por algas apanhadas pelo chef e respetiva equipa, quase todos os dias, nas praias vizinhas do Carvoeiro. Depois, o lavagante com caviar, gema de ovo e gengibre, um prato que, segundo Rui “já vai na sua quinta versão”. Os sabores familiares regressam na tempura de choco com puré de ajo blanco, um choco frito refinado, antes de surgir aquele que é talvez, o prato mais fotogénico da ementa: um salmonete (arrepiado, com as escamas levantadas e crocantes) com lula e pimento piquillo. O ceviche que segue não é de peixe, é de flores, inspirado no do chef brasileiro Alex Atala (do paulista D.O.M, o 9º melhor restaurante do mundo na lista The World’s 50 Best), e faz a transição para os pratos de carne, que estão em minoria: “90% do que trabalhamos vem do mar”, confirma Rui.

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No capítulo carnívoro, ainda assim, destaque para um tártaro de entrecôte limousine, uma carne com um sabor ligeiramente iodado, ou para aquele que o chef revela ser o “prato mais consensual” que serve e que, dito isso, bem que lhe podia chamar o pato mais consensual: pato com alcachofras, cenouras e jus do assado. As duas sobremesas, a cargo da chef pasteleira Nádia Carrasco, aterram na mesa com motes diferentes — uma trabalha os citrinos algarvios, outra o chocolate — mas resultados semelhantes. E convincentes.

Nuno Diogo, o tal que sonhou ter o restaurante estrela Michelin, também tem uma quota parte nessa responsabilidade, além das outras quotas que detém: é ele que desempenha o papel de escanção e chefe de sala, responsável pelas harmonizações vínicas, algumas arrojadas, como o verde tinto apresentado na malga, à minhota. Uma mentalidade que se estende à cozinha. “A minha ideia é arriscar ainda mais, ir mais longe”, afirma Rui Silvestre. Um nome que veio para ficar.

Nome: Bon Bon
Morada: Urbanização Cabeço de Pias, Carvoeiro, Algarve
Telefone: 282 341 496
Horário: Das 18h30 às 22h30. Encerra à quarta-feira
Preço: De 73€ (menu de três pratos, sem vinhos) a 205€ (menu de sete pratos, com vinhos)
Site: www.bonbon.pt
Reservas: Aceitam