Olha, o João Sousa está a jogar. O “olha” não é de quem é apanhado de surpresa pelo jogo, é mais pela forma como o português entre nele. Nota-se a léguas que está calmo e confiante, duas qualidades que fazem maravilhas a quem joga sozinho. Ajudam a impedir que um tenista jogue contra ele próprio além de jogar contra quem está do outro lado da rede. E o português não joga contra Jack Sock, o grandalhão de 1.91 metros e 82 quilos vindo da América, dos que gosta de servir e bater a bola com estrondo. Não, o tenista de Guimarães atropela-o.

O primeiro set passa num instante, em 33 minutos. João Sousa está soltinho, mexe-se rápido, não acusa o court mais pesado devido ao pó de tijolo molhado pela chuva, que chega a cair. Sock também não gosta disto, chega a refilar com o árbitro, reclama pelo fecho da cobertura do estádio. Leva uma nega.“Jack, o court está ótimo. Mas sei que não é agradável”, diz-lhe quem está sentado na cadeira — “Não se torcer o meu tornozelo”, responde o queixoso norte-americano. O jogo não para e o português tão pouco abranda.

Quebra três vezes o serviço a Sock e, os que não quebra, fica sempre lá perto. É dono da linha de fundo do court e abre os ângulos das pancadas que dá. Obriga o matulão americano a correr e ganha-lhe pontos atrás de pontos. Fecha o set com um 6-1 e 93% dos pontos ganhos quando acerta o primeiro serviço. São números de vitória, de quem tem quilos de confiança na pancada de direita que parece colocar a bola onde quer. Foge à esquerda, sim, porque tem do outro lado uma mira que puxa sempre a bola para as linhas.

O atropelamento do português abana o ego do norte-americano. Sentam-se durante uns minutos, descansam, e Jack Sock volta ferido. João Sousa mexe-lhe no orgulho que não vê com bons olhos ser tocado por quem está abaixo no ranking. Tenta reagir e consegue-o. O serviço com potência começa a entrar mais vezes, dispara mais bolas para a esquerda do português, obriga-o a recuar uns metros lá no fundo do court. Sousa defende mais atrás, e não evita que Sock lhe quebre pela primeira vez o serviço para chegar ao 3-3. É o momento da verdade.

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João Sousa sabe-o e depois de sentir (por uns minutos) o que é estar em desvantagem num set (3-4), nem cinco minutos demora a igualar de novo o marcador. É a pressão do tu cá, tu lá, do vou-te fazer aquilo que me fazes a mim, e este embalo que ambos os tenistas levam faz com que errem mais do que estavam a errar. Ou melhor, que o português passe a errar tanto como o norte-americano. Sousa tenta reagir e reage, não dá hipótese no jogo de serviço seguinte, mas não respira quando é Jack Sock a disparar. A tensão no ar dá para ser cortada por uma faca, como dizem no país de Jack Sock, quando aparece o 6-6 que leva o segundo set até ao tie break.

Só que aí chegamos à altura em que um texto que deveria ser curto começa a ficar longo, porque o norte-americano abre o baú dos serviços e destrói o português para ficar com o segundo set (7-6(3)) e empatar o encontro. Parece que João Sousa treme, mas as aparências iludem e aqui enganaram-nos.

O terceiro set arranca com o português mais confiante nas pancadas e no julgamento. Desiste do ponto decisivo do seu primeiro jogo de serviço, vê a bola bate fora do seu campo, chama o árbitro e ele confirma-o. Jack Sock ri-se. Como se ri quando o português lhe atira um passing shot para o corpo (até lhe aponta o polegar para cima), talvez já antevendo o que, mesmo a custo, lhe ia acontecer — João Sousa quebra-lhe o serviço com uma bola que o norte-americano bate para fora, o português vê fora, o árbitro também e só ele não. Por isso refila e protesta e, por uma coisa leva à outra, desconcentra-se. O português chega ao 3-0 e Sock continua a protestar sempre que se aproxima do juiz de cadeira.

A cabeça do norte-americano já não puxa pelo corpo e até duplas faltas se veem. Jack Sock murcha enquanto João Sousa continua a florescer e tudo o que o matulão consegue é ganhar dois jogos de serviço. São formalidades até o português, que se mantém sempre calmo, a correr muito e a segurar os pontos mais longos, gritar de alívio. O encontro é de João Sousa e a alegria também — chega pela primeira vez aos quartos-de-final de um torneio Masters 1000 (os mais importantes, antes dos quatro do Grand Slam) e iguala o feito de Frederico Gil, que já o conseguira em 2011, em Monte Carlo. A vitória obriga-nos a escrever o óbvio, que se divide em dois. Primeiro, João Sousa está à beira de entrar no top-30 dos melhores tenistas do mundo. Segundo, que bem jogado, João.

E agora vem aí Rafael Nadal.