Assunção Cristas, presidente do CDS-PP, quis falar de consensos e de futuro, mas a esquerda carregou nas feridas do passado. 16 dos 25 projetos de lei para promover a natalidade, votados esta quinta-feira na Assembleia da República, foram rejeitados pelo PS, BE e PCP. Os restantes baixaram à comissão da especialidade, sem votação, mas com poucas hipóteses de virem a ser viabilizados — a principal razão será cumprir o pró-forma do regulamento parlamentar.

A ideia dos populares era marcar a semana e cumprir o pedido do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa: contribuir para a produção de consensos sobre matérias estruturais. O assunto marcou a agenda, mas o debate foi uma desilusão para Cristas.

A líder do CDS-PP abriu o debate com um discurso que escapava às picardias com a oposição e punha a tónica nas medidas do CDS para enfrentar a pirâmide demográfica invertida que ameaça a sustentabilidade do país.

Acredito, genuinamente, no trabalho profundo, na vantagem da concertação de pontos de vista, nas cedências em benefício de soluções mais estáveis”, disse a líder do CDS-PP.

Assunção Cristas ainda reconheceu que o resultado do trabalho legislativo até “poderá não coincidir totalmente com todas” as suas propostas, “é natural que assim seja”, reconheceu, “mas o trabalho de equipa de todas as forças partidárias, ouvidos os parceiros sociais e demais entidades com relevância na matéria, resultará”, estava certa, “num pacote legislativo mais aperfeiçoado, mais sólido e mais durável”.

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Contudo, PS, BE e PCP não deixaram escapar o facto de o tema não ser território natural do CDS. E socorreram-se das medidas de austeridade implementadas durante a legislatura do anterior Governo, do qual os democratas-cristãos fizeram parte e cuja pasta do Trabalho, Segurança Social e Solidariedade pertencia ao democrata-cristão Pedro Mota Soares.

“As medidas que foram tomadas fizeram tudo, menos proteger as famílias”, acusou Rita Rato, deputada do PCP, a primeira deputada a falar à esquerda.

A comunista aproveitou para vincar que, no passado, o CDS já chumbou por diversas vezes iniciativas legislativas da esquerda que iam no mesmo sentido que os conservadores querem agora imprimir ao tema. Rita Rato deu o exemplo do alargamento da licença de maternidade para o caso de bebés prematuros, uma proposta trazida esta tarde pelo CDS, mas que já tinha sido chumbada quatro vezes pelo partido de direita no passado.

PS e BE fizeram coro com os comunistas: as propostas em causa mal foram discutidas; em vez disso, o debate foi inundado de acusações sobre as medidas do tempo da troika, desde o corte de prestações sociais ao de salários, passando pela precarização do trabalho e aumento dos impostos.

Dos 25 projetos-lei do CDS-PP, 16 foram chumbados com os votos contra do PS, BE e PCP. Só os que implicavam alterações ao Código do Trabalho baixaram à comissão da especialidade, sem votação. Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do Bloco, explicou no final do debate ao Observador que o entendimento da esquerda é que estes diplomas devem cumprir o período mínimo de discussão pública antes de qualquer votação. Ou seja, a diferença de votação no plenário não significa uma diferença significativa na apreciação da maior parte daquelas propostas. Será pouco provável que passem.

Até a criação de uma comissão eventual para o acompanhamento das iniciativas sobre a família e a natalidade foi chumbada.

Cristas só recebeu apoio do PSD, mas mesmo aí não foi incondicional. Teresa Morais, deputada do PSD e ex-secretária de Estado para a Igualdade, fez questão de assumir que concordava com “quase” todas as propostas do CDS. Mas chamou a si a responsabilidade de trazer a natalidade para a discussão, apesar de o debate ter sido um agendamento potestativo do CDS:

Na oposição contribuiremos para esse debate com o desassombro de quem soube colocar o tema no centro do debate político”, disse Teresa Morais.

A vice-presidente do PSD até arriscou corrigir a deputada comunista, Diana Ferreira: “Não gostamos de ser tratados como ‘a direita’. Se nos tratar genericamente assim, teremos de vos tratar como a extrema-esquerda.” Cristas pareceu incrédula com o reparo da sua companheira de lista, por Leiria, nas últimas legislativas. Teresa Morais era a cabeça-de-lista.

No final da primeira ronda, Mota Soares desceu umas bancadas e sentou-se ao lado direito da líder, Assunção Cristas. Do seu lado esquerdo estava Nuno Magalhães. Os dois estiveram vários minutos a trocar impressões com Cristas, que se mostrava entre o desiludido e o indignado. Cristas decidiu, nesse momento, que faria uma intervenção para os jornalistas, assim que terminasse o debate.

“É escandaloso, incompreensível” a atitude “das esquerdas”, disse Cristas, já nos Passos Perdidos. “Perdeu-se uma oportunidade de gerar consenso; têm de ficar hoje muito envergonhados com o que se passou”, acusou a líder democrata-cristã.