Há um novo recorde no mundo da ciência. Muito polémico. Um grupo de investigadores manteve, em laboratório, embriões humanos vivos e viáveis durante catorze dias, escreve a revista Nature. Embora este número de dias signifique um progresso para os estudos científicos, entra em conflito com as leis que proíbem os embriões doados de crescerem em laboratório durante mais do que duas semanas. Estas leis estão em vigor em vários países do mundo, como o Reino Unido e os Estados Unidos, mas não em Portugal.

Magdalena Zernicka-Goetz, investigadora da Universidade de Cambridge, explicou à Nature que “podemos agora, pela primeira vez, estudar o desenvolvimento humano nesta fase muito crítica da nossa vida, que é a implantação”. Com catorze dias para estudar os embriões em laboratório pode ser possível explorar a fundo os primeiros tempos do desenvolvimento humano, perceber com precisão o processo de fecundação e compreender como se formam os tecidos humanos.

Há ainda grandes vantagens para as técnicas de procriação medicamente assistida, explica ao Observador a diretora do Instituto de Bioética da Universidade Católica do Porto, Ana Sofia Carvalho: “Como as taxas de sucesso com estes métodos são relativamente baixas, estudar os embriões humanos nos primeiros dias de existência pode ajudar a perceber quais são as causas dos abortos nestes casos”. Além disso, podemos descobrir o efeito de determinadas substâncias – como medicamentos, por exemplo – na saúde dos embriões.

A Lei dos 14 dias

Até agora ninguém tinha mantido embriões humanos em laboratório durante mais do que nove dias. A maior parte é alvo de estudo durante, no máximo, uma semana. As leis impostas em determinados países têm por base algumas questões éticas: pressupõe-se que, a partir dos 14 dias de existência, os aglomerados de células começam “o processo de escultura da forma humana” e “garantem a sua individualidade”.

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O que significa isto? Depois de o espermatozoide fecundar o óvulo, inicia-se um processo de mitose (divisão de cada célula em duas iguais) que vai originar a mórula (um conjunto de células agregadas com o aspeto de uma amora). “Imagine que temos um ser com dezasseis células [a mórula]. Se pudéssemos pegar nessas células e implantar cada uma delas em úteros diferentes, elas podiam dar origem a seres diferentes”, explica Ana Carvalho. Isto é possível porque as células totipotentes são as únicas com capacidade para originar um organismo completo, uma vez que se podem transformar em qualquer célula tanto do próprio embrião, como dos órgãos auxiliares que se formam durante a gravidez (como a placenta, por exemplo).

Ora, a partir dos catorze dias a mórula transforma-se num blastócito (um esfera de células, oca por dentro, onde o embrião se começa a formar). A partir dessa fase da embriogénese, o embrião ganha individualidade porque já se torna impossível que o aglomerado de células se possa dividir para dar origem a gémeos. Chegados a este ponto, as células já não são totipotentes, mas antes pluripotentes (cada conjunto de células pluripotentes vão dar origem às várias células especializadas desse grupo). As células pluripotentes são responsáveis, por exemplo, por dar origem aos primeiros tecidos do novo ser (ectoderma, mesoderma e endoderma).

As questões éticas

Mas há algumas questões éticas em cima da mesa. “Há um consenso generalizado mais ou menos instituído que pede à comunidade científica que evite usar embriões humanos sempre que isso for possível”, conta Ana Silva Carvalho. Isto porque alguns grupos seguem uma política de proteção que coloca os embriões em pé de igualdade com qualquer pessoa totalmente formada. “Como os cientistas sabem que essas experiências podem ferir a sensibilidade de algumas pessoas, tentam sempre usar métodos alternativos”, prossegue a diretora do Instituto de Bioética da Universidade Católica do Porto.

Os embriões utilizados em laboratório estão, normalmente, criopreservados e podem ter duas fontes. Por um lado, podem ter resultado de processos de procriação medicamente assistida: é comum que, durante esses processos, se formem mais embriões do que os necessários para garantir a gravidez de uma paciente. Por outro, podem ser embriões que “perderam o projeto parental”, ou seja, os casos em que a paciente desistiu de engravidar por algum motivo.

Em Portugal, há cerca de 10 mil embriões criopreservados. Ao fim de algum tempo eles têm de ser descongelados e mortos. Nesses casos, conta Ana Silva Carvalho, os grupos mais sensíveis à utilização de embriões humanos em laboratório ficam mais abertos à possibilidade de os zigotos serem doados para a Ciência, sendo destruídos depois de serem alvo de estudos.