É estranho, o nome não aparece em lado nenhum. Relvado, banco de suplentes ou bancada, nem vê-lo. Em 64 jogos não falha um, está sempre em campo, parece imune a lesões, escolhas, momentos de forma, a tudo e mais alguma coisa. Habitua-se a jogar e a equipa acomoda-se a ele, aos pés que calçam lã e que amparam a bola, sem que a cabeça que os comanda precisa de olhar para baixo. Apenas se sabe que João Mário não joga em cima da hora, já os jogadores andam no relvado, a aquecerem os músculos. A estranheza dá apetite à curiosidade, é preciso saber porquê. Toca a perguntar.

Quando o telemóvel vibra e um assessor do Sporting nos escreve que a culpa é de “problemas físicos”, já se joga a mil no relvado. Uma das equipas acelera, não há ataque em que não os dois laterais ataquem mais do que defendem, em que uma bola perdida é alarme para pressionar muito lá em cima. Passa a bola rápido, é intensa e aproveita o campo molhado pela chuva para tornar o jogo rápido, incomportável para quem tem de passar a vida a defender. Essa equipa é a de Jorge Jesus e nessa equipa está Gelson Martins, no lado direito que costuma ser de João Mário.

Isso, além de toda a forma como o Sporting joga, faz sofrer quem vem de Setúbal. Por alguma razão, durante a semana, quem treina mostra a quem joga vários vídeos e relatórios sobre o(s) próximo(s) adversário(s). A ideia é que não hajam surpresas e que os jogadores saibam quem vão defrontar e quais são os truques dos contrários. Dois jogadores nunca se portam de igual forma se jogarem na mesma posição e isto é um berbicacho quando se está à espera de um médio mascarado de extremo e aparece um extremo que corre, finta e acelera e corre ainda mais.

Para o Vitória, pior do que Ruca e Tiago Valente, que defendem mais à esquerda, não conseguirem lidar com Gelson, é os leões irem à boleia da tração que o extremo dá à direita. A equipa joga muito rápido, tanto que até quando falha passes ou desmarcações já está em cima dos adversários, a cercá-los. O guarda-redes Ricardo fica protagonista desde cedo porque Slimani remata duas bolas, uma rasteira (3’) e outra com efeito (18’), pelo ar, que o submetem ao exame de elasticidade. Antes, Bruno César fá-lo passar (2’) no teste dos reflexos. O cerco aperta-se e Ruca, num canto, até corta uma bola em cima da linha. Falta pouco para Gelson dar um esticão na equipa.

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Dá-o depois de os sadinos darem metros de espaço a William, que tem a bola na linha do meio campo e vê a pista para soltar um passe rasteiro em Slimani. O argelino larga-a logo para Bryan Ruiz, que está um metro ao lado e percebe a dica de Gelson, que dispara um sprint em diagonal, da direita. O passe chega-lhe rasteiro e o guarda-redes atira-se aos pés, a pedir o que o português, um chapéu. Pica a bola e marca (25’), a abrir, não dá a pausa que João Mário costuma dar à equipa. Os leões continuam acelerados e são rápidos a dar uso à bola que Paulo Tavares perde a meio campo. William corre, a bola passada corre mais que ele e Téo faz o que não costuma, é rápido a atuar. Chuta logo e com força, é o segundo golo.

Sporting's players celebrate a goal during the Portuguese league football match Sporting CP vs Vitoria FC at Alvalade stadium in Lisbon on May 7, 2016. / AFP / JOSE MANUEL RIBEIRO (Photo credit should read JOSE MANUEL RIBEIRO/AFP/Getty Images)

Foto: JOSE MANUEL RIBEIRO/AFP/Getty Images

Do outro lado, Rui Patrício não se lembra de sofrer. Apenas de vez em quando vê Arnold em correrias, atrás de bolas que a equipa lança com um passe para o espaço, para o fazer esforçar-se em vão porque escolhe sempre o lado de Ruben Semedo, o mais rápido dos centrais do Sporting. De inofensivos os sadinos passam a inexistentes na segunda parte, a equipa só tem tempo para defender, para adiar o que Gelson prova ser inevitável (55’).

Lá está de novo o extremo verdadeiro, a correr pela esquerda para acabar com outra jogada bonita, em que Bryan passa a Slimani e o argelino toca em Adrien, que cola-se a ele para continuar com a bola e a soltar à esquerda depois de uma finta bonita. O remate de Gelson é com força e bate no poste antes de entrar. O Vitória fica estendido e quase vira inanimado com o segundo amarelo que tira Vasco Costa de campo. Já não é preciso acelerar, deixa de haver urgência de fazer tudo a correr, Gelson Martins acalma-se e tenta ser mais como João Mário.

É também com calma que vários leões, na área, se desmarcam para a pequena área, arrastam defesas e deixam Bryan Ruiz sozinho na marca de penálti. O livre de Bruno César que parece um canto mais curto coloca-lhe a bola no pé esquerdo e o costa-riquenho remata-a sem a deixar tocar na relva. O golaço (72’) antecede o golo à espertalhão (92’), quando prevê que a barreira vá saltar e remata a bola rasteira no livre à entrada da área que fecha a mão cheia no resultado. O Sporting fecha a época em Alvalade com os mesmos golos (74) com que o Sporting de Bölöni, Jardel e João Pinto é campeão em 2001/02.

“Esta é a melhor equipa do campeonato e porque nem sempre os melhores ganham. Mereciam ter a cereja em cima do bolo. Quem joga e faz uma época destas, que está a discutir o título até ao fim, merece. Não esperava, nos primeiros oito meses, ter tirado um crónico vencedor da luta. Só tenho que dar os parabéns aos jogadores e à massa associativa. Não vou sofrer muito pelo Marítimo” — Jorge Jesus

Este ano podem não chegar, porque os leões seguem tão fortes quanto o Benfica, que também só sabe ganhar e vai jogar no domingo em casa do Marítimo. Só um empate fará o Sporting sorrir, mas, seja qual for o rival, um deles só vai festejar na última jornada. Os leões esticam a luta do título até à última porque têm uma equipa “muito difícil de parar”, como diz Jorge Jesus, por estar “com uma velocidade e dinâmica” destas. E teve-as por ter tido Gelson Martins a puxar em vez de ter João Mário a pausar. O mal de um foi o bem de outro, e da equipa. Mas houve um mal que não chegou por bem — Adrien Silva viu um cartão amarelo aos 14′ e não jogará em Braga.