Em todos os filmes que retratam o Renascimento habituámo-nos a ver as mulheres da corte com vestidos rodados e os homens com fardas pomposas. Ficamos sempre com a impressão que, se estas imagens tivessem cheiro, seria a de um perfume com uma suave essência de lavanda. A verdade, no entanto, é completamente diferente: debaixo da complexa beleza desses vestidos e fardas reinava um mundo muito pouco encantado de maus cheiros. Porque, tanto dentro dos palácios como nas casas da plebe pobre, o banho era coisa que se queria sempre adiada.

Se hoje os dermatologistas nos pedem um travão na hora de ligar o chuveiro – que tomar banho a mais também danifica as defesas naturais da pele -, antigamente o contrário era o mais comum. O Império Romano, que havia caído em 476, ditou uma realidade que veio a enraizar-se nos hábitos culturais até ao século XVIII: ninguém tomava banho e mesmo a higiene básica era desvalorizada, porque esse era um costume romano. Um de muitos que os homens e mulheres da Idade Média quiseram erradicar.

A Igreja participou ativamente nesta mudança cultural: usou do seu poder perante o povo, que obedecia às regras lhes eram dadas como vindas do divino, para convencer toda a gente que o banho e o asseio eram luxos que abriam os portões ao mundo do pecado. Enquanto isso, os médicos afirmavam que o contacto com água quente deixava os órgãos mais frágeis e, portanto, mais vulneráveis às doenças. O melhor mesmo, diziam eles, era manter uma camada de sujidade na pele, que funcionava como barreira para os agentes patogénicos.

Durante muito tempo, a decência não estava em tomar um banho: estava antes em manter-se seco, principalmente durante o inverno porque nessa altura – dizia-se – o corpo estava mais exposto às doenças por causa do frio. O máximo que os adultos faziam era passar uma toalha húmida nas partes que ficavam expostas: todas as partes que ficavam debaixo da roupa não precisavam de grandes cuidados. Nem de pequenos, sequer.

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A monarquia seguia as mesmas regras: a falta de banho era transversal a todos os estratos na sociedade. Consta, por exemplo, que a rainha Isabel de Castela só tomou banho duas vezes na vida: no dia em que nasceu e no dia anterior ao casamento. Pode imaginar-se então o ambiente dentro dos castelos e palácios da realeza, com o cheiro hediondo emanado pela roupa e pelos cabelos e perucas cobertos de bichos amantes da sujidade.

E a falta de higiene não era exclusiva do foro íntimo: as ruas eram um retrato do que se passava nas casas de banho (que de banho não eram) das casas mais pobres aos castelos mais ricos. As pessoas defecavam na rua ou então, quando preferiam o recato do lar, atiravam a água onde tudo tinha acontecido para a rua através das janelas, gritando “água vai!”. O cheiro das ruas era de tal modo insuportável que as igrejas usavam incensos para mascarar o odor que vinha lá de fora.

A partir do século XVII os hábitos começaram a alterar-se a um ritmo muito lento. Surgiram os banhos anuais, tanto para o povo como para os monarcas, que permitiam às famílias entrar em grandes tinas com água quente: primeiro o chefe de família, depois os restantes homens por ordem de idades, a seguir as mulheres e por fim as crianças, que se contentavam com água fria e suja. Por norma este banho acontecia em maio. Por isso é que os casamentos aconteciam normalmente em junho: o cheiro ainda era suportável e as noivas estavam autorizadas a andar com ramos de flores para disfarçar o cheiro.

Mesmo depois de surgirem os primeiros perfumes, usados nos corpos já malcheirosos para tentar (sem grande sucesso) disfarçar o fedor, as mulheres tinham regras mais apertadas a seguir: não podiam lavar os genitais, porque isso podia conduzir à infertilidade. E também não podiam tomar banho enquanto estavam menstruadas. No entanto, elas foram quase sempre as protagonistas dos primeiros anúncios a produtos de higiene.

Veja alguns desses anúncios na fotogaleria. E aproveite para encontrar alguns quadros que mostram como era garantida (ou não) a limpeza pessoal antes e durante a Idade Média.