Na sua carreira como investidor imobiliário, Donald Trump habituou-se a “brincar com a dívida” — “sou o rei da dívida, adoro-a, adoro brincar com ela“. E, neste fim de semana, o provável candidato Republicano à sucessão de Barack Obama na Casa Branca indicou que não vê diferenças entre essa dívida empresarial e a dívida federal norte-americana e admitiu que, se vencer as eleições, pode tentar uma renegociação da dívida dos EUA. Algo que levaria, dizem os especialistas, a um caos absoluto na economia mundial.

É um facto reconhecido que os EUA estão muito endividados. Existe, até, um relógio online que contabiliza em tempo real a acumulação de dívida. Contudo, apesar desse endividamento elevado, a dívida federal dos EUA é considerada o investimento mais seguro do mundo, sendo o pilar basilar dos investimentos de muitos empresas, bancos e nações. Por essa razão, os juros implícitos mantêm-se baixos.

Perante este cenário, Donald Trump — que recentemente se declarou um “fã de juros baixos” — diz que os EUA devem aproveitar as taxas baixas e emitir mais dívida.

Eu pediria mais dinheiro emprestado, sabendo que se a economia caísse poderia fazer-se uma renegociação. Por outro lado, se a economia estivesse bem, estaria tudo bem. Portanto, é impossível perder.”

O provável candidato presidencial admite, assim, que os EUA podem emitir ainda mais dívida e, se houver dificuldades, deve pedir aos credores que aceitem renegociar os termos e aceitar menos que emprestaram inicialmente — isto é, um default. Os EUA seguiriam, portanto, o caminho de países como a Argentina e, com as devidas diferenças, a Grécia.

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Gerir as finanças de um empreendimento é o mesmo que gerir as finanças dos EUA?

A lógica de Trump pode considerar-se defensável de um ponto de vista da gestão empresarial, sobretudo nos EUA onde as falências empresariais são comuns e facilmente geríveis em termos judiciários. Mas utilizar a mesma lógica na dívida nacional levaria, dizem os especialistas, ao caos.

As repercussões de uma renegociação da dívida nos EUA seriam vastas, precisamente porque os Treasuries são vistos como um ativo sem risco e qualquer indicação noutro sentido poderia fazer descarrilar o sistema financeiro. Matthew Yglesias, num artigo de opinião no Vox, lembra que “se a dívida sem risco do governo federal dos EUA se revela, afinal, arriscada isso fará com que todos os outros ativos financeiros mundiais se tornem ainda mais arriscados”.

A taxa de juro cobrada da dívida estatal e regional, nos empréstimos empresariais e no crédito à habitação iria disparar. O investimento empresarial iria parar de forma abrupta. As poupanças iriam evaporar-se e a liquidez [financeira] iria congelar, com toda a gente a agarrar-se ao dinheiro até perceber que consequências haveria.”

É por esta razão, além do facto de os EUA poderem imprimir todos os dólares que quiserem através da Reserva Federal, que Matthew Yglesias conclui que “Donald Trump não faz ideia do que está a falar“. O escritor, formado em Harvard, diz que “pode aceitar-se que um investidor imobiliário possa assumir que o que funciona no mundo empresarial funcionaria, também, na política económica, mas não é assim. E Trump não se incomodou a verificar ou tentar compreender o tema junto de alguém”.