José Manuel Varunca de Sousa. O nome completo do homem é capaz de não lhe dizer grande coisa, mas se for resumido a Zé Varunca talvez se acendam umas quantas luzes. No estômago, principalmente. A história de como este embaixador não-oficial da comida alentejana se envolveu na restauração começa pela respetiva mãe, Maria Josefina Varunca, cozinheira do Águias D’Ouro, café-restaurante histórico de Estremoz (com direito a entrada própria na Wikipedia e tudo) e dona de um receituário típico de qualidade atestada e variedade assinalável.

Foram as receitas, por um lado, e a influência familiar, por outro, que levaram Zé a abrir a sua primeira casa, também em Estremoz, no início dos anos 80. Não fez senão bem: o primeiro Zé Varunca ganhou fama sem demora e tornou-se, também ele, destino incontornável daquela cidade alentejana. E a história poderia acabar aqui, que já teria um final feliz. Mas não: a procissão ainda vai no adro e a refeição no couvert.

ZE VARUNCA TP

O novo Zé Varunca abriu na segunda-feira, 9 de maio.
(foto: © Tiago Pais / Observador)

Passada uma década de barriga cheia e sucesso constante, começou a crescer em Zé Varunca a vontade de dar a conhecer a sua comida não só além-Tejo como além além-Tejo. Vendeu a casa em Estremoz, e passou a colaborar com a Região de Turismo de Évora. Mas o grande salto ainda estava por dar. Deu-o em 2002, quando decidiu mudar-se de armas e bagagens, queijos e enchidos, encharcadas e sericaias para a Parede. Dois anos depois, abriria uma segunda casa, em Oeiras, e em 2007 transporia, finalmente, as fronteiras de Lisboa, com a abertura do Zé Varunca da Rua de São José, nos arrabaldes da Avenida da Liberdade.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Mas no verão passado, sem que nada o fizesse crer, o Zé Varunca lisboeta fechou portas. “Foi por causa do estado do imóvel. Tínhamos, por vezes, uns problemas de cheiros quando a maré estava baixa que fazia com que os clientes entrassem e saíssem logo a seguir”, justifica João Sousa, filho de Zé. Nessa altura, conta, aproveitaram para fazer um ajustamento no negócio. E fecharam também a casa da Parede. “Decidimos concentrar-nos em dois restaurantes, Oeiras e Lisboa”, afirma João. Alto lá, Lisboa? Sim, nunca passou pela cabeça da família abandonar a capital. “Sempre tivemos a ideia de abrir no Bairro Alto”, conta o mesmo responsável. Essa ideia concretizou-se a 9 de maio: a data de nascimento do Zé Varunca da Travessa das Mercês, entre a Rua da Rosa e a Luz Soriano.

ZE VARUNCA TP2

Os recortes de jornais não são parcos em elogios à casa.
(foto: © Tiago Pais / Observador)

Os clientes do antigo restaurante da Rua de São José não vão demorar a sentir-se em casa. Os recortes de jornais e revistas a elogiar pratos como a sopa de tomate, as migas no cacete com entrecosto ou a açorda à alentejana continuam a decorar uma das paredes. E também não faltam os pratos e os copos pintados à mão com o nome do restaurante, o antigo letreiro por cima da porta ou a típica janela alentejana sem vista. Mudaram apenas os tons dominantes. “Decidimos misturar as cores que caracterizavam cada um dos nossos restaurantes”, explica João.

O que não mudou, nem sequer superficialmente, foi a cozinha. Muito menos a matéria-prima. “Continuamos a ir a Estremoz buscar todos os produtos, o queijo, os enchidos, o pão, etc.”, assegura João, que tem a mãe, Maria Teresa, na cozinha, para assegurar que as receitas de Maria Josefina Varunca continuam a ser seguidas a preceito. As entradinhas — assim mesmo, com diminutivo — típicas continuam a chegar à mesa em pequenos recipientes de barro. Os casadinhos (fritos de batata e paio ou salpicão) ou os papa ratos (massa de farinheira fresca frita) merecem atenção, tal como a pasta de enchidos para barrar no pão quente.

ZE VARUNCA TP20

Uma seleção das entradas da casa. Destaque para os casadinhos, ao fundo à direita, e os papa ratos, ao centro. (foto: © Tiago Pais / Observador)

Mas convém não abusar, sob pena de não se conseguir prosseguir, devidamente, a contenda. É que as doses são generosas e as sobremesas convidam. Convém no entanto, explicar o seguinte: o sistema de ementa diária que existia na anterior encarnação do Zé Varunca deixou de existir. Agora há dois pratos do dia — um de carne e um de peixe — disponíveis para o menu de almoço (8,50€ com pão, bebida e café), e uma ementa fixa com boa parte dos clássicos da casa: açordas, migas, burras, pezinhos de coentrada, entre outros. Faltam, contudo, algumas receitas que granjearam adeptos fiéis, casos do cozido de grão ou até do arroz de pato, servido, precisamente, num pato de loiça. “Vão aparecer enquanto prato do dia”, garante João. Sempre a dias fixos? “Não, a cada noite é que decidimos o que vamos fazer no dia seguinte”.

Nas sobremesas seguiu-se o velho princípio que aconselha a não mexer em equipa vencedora. E só caras familiares: sericaia, com e sem ameixa, encharcada, pão de rala, pudim de água ou até o teculameco, uma receita à base de amêndoa, ovos, canela em pó, margarina e açúcar. E sim, o doce da casa (amêndoa, canela, ovos, açúcar, pão e leite) continua a chegar à mesa num penico, uma ideia antiga de Zé.

ZE VARUNCA TP15

O pão de rala, uma das opções da (extensa) lista de sobremesas.
(foto: © Tiago Pais / Observador)

A singularidade na apresentação estende-se ao café, que surge num pequeno tabuleiro de madeira com divisórias para os adoçantes, e à conta, apresentada dentro de um cartucho de espingarda. Afinal, tradição é tradição e vice-versa.

O que não era tradição mas vai passar a ser é a transformação da casa numa espécie de wine e gin bar às sextas e sábados à noite. “A cozinha fecha às 23h mas ficamos aberto até às 02h com os vinhos e os gins do Tiago Cabaço que é nosso amigo de longa data”, revela João.

E o velho Zé, onde é que anda? Palavra ao filho: “Vai rodando as casas, para ver como está tudo, mas sou eu aqui e o meu irmão Ruben, em Oeiras, que tomamos conta.” Se o vir por lá dê-lhe um abraço e as boas-vindas. Lisboa já tinha saudades.

Nome: Zé Varunca
Morada: Travessa das Mercês, 16.
Telefone: 21 015 1279.
Horário: De segunda a sábado, das 12h às 15h e das 19h às 23h. Às sextas e sábados a cozinha fecha às 23h mas o restaurante fica aberto até às 02h
Preço Médio: 10€ (almoço) | 20€ (jantar)
Reservas: Aceitam, por telefone ou email (reservaslisboa@zevarunca.com)
Site: www.zevarunca.com | facebook.com/restaurantezevarunca