Quem ia ao Marquês de Pombal à espera de encontrar um cenário tão dantesco como aquele que se viu no glorioso dia de junho de 1994 em que nem um carro se mexeu na Ponte 25 de Abril, provavelmente saiu desiludido. Esta terça-feira, naquela que é a praça mais movimentada de Lisboa, o buzinão começou tímido, lá se endireitou para coisa que se ouvisse e morreu passados dez minutos da hora marcada. Não foi muito, mas o objetivo de quem promoveu o protesto foi cumprido: pôr as obras do eixo central, entre o Marquês de Pombal e Entrecampos, nas bocas do mundo.

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Não era tarefa difícil, tendo em conta o aparato mediático que se via no local. Vários automobilistas, aliás, conscientes de que as televisões estavam em direto, aproveitaram para acrescentar algumas mensagens verbais às buzinadelas. Um deles chegou mesmo a desejar que Fernando Medina, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, fosse para um sítio muito desagradável, mas não ficou sem resposta. “Vá você, seu filho da puta”, disse-lhe alguém.

Antes mesmo do início do buzinão já havia alguns ciclistas à espera no Marquês de Pombal. Passado um bocado, e enquanto na rotunda se ouviam os apitos dos carros, ficou completo um pelotão de cerca de 40 defensores das bicicletas. Improvisando à pressa um cartaz em cima de um selim, Filipe Beja veio a este contra-buzinão lembrar que “todos somos peões”.

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Uma das reivindicações dos moradores das avenidas Fontes Pereira de Melo e da República prende-se com o estacionamento automóvel, que diminui significativamente com as obras que estão a ser feitas pela Câmara Municipal de Lisboa. É sobretudo contra isso que os promotores do buzinão se indignam. “Têm de ter cuidado com os residentes”, disse Luís Rivera, um dos organizadores, ao Observador. Sublinhando que “todas as obras são necessárias” e que “todas as cidades têm de evoluir”, este arquiteto é de opinião, no entanto, que a requalificação deste eixo não foi suficientemente debatida. “A câmara tem de fazer obras pensadas, sobretudo tem de ponderar muito bem todas as implicações”.

Um exemplo? Há semanas, Luís Rivera foi a uma sessão de esclarecimento da autarquia sobre estas obras e questionou diretamente o vereador do Urbanismo sobre a redução de estacionamento. “Onde é que eu ponho os miúdos pequenos para ir estacionar o carro? Deixo a minha mãe doente, de 87 anos, à porta de casa enquanto vou procurar um lugar?”, perguntou na altura. Ao relembrar o episódio esta terça, rematou: “São estes pequenos pormenores que é preciso ter em consideração”.

Não se julgue, porém, que os ciclistas estão radiantes com esta solução. Apesar de apoiarem a intervenção e sublinharem a necessidade de diminuir o trânsito automóvel na cidade em favor de outros meios de transportes, os líderes da Mubi (Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta) e da Federação Portuguesa de Cicloturismo (FPCUB) não gostaram de ver a câmara a recuar, quando trocou as duas ciclovias do projeto inicial (uma em cada lado das avenidas) por apenas uma, bidirecional — garantindo assim que se salvam 156 lugares condenados a desaparecer.

Filipe Beja, que pertence à FPCUB, considera inexplicável que “a câmara vá atrás do argumento que tem de compensar o estacionamento” que deixa de existir. Não compreende porque é que a ciclovia passou a ser bidirecional em nome dos automóveis e não compreende porque é que a autarquia continua “a empenhar-se em baixar os preços dos parques de estacionamento” da zona para os moradores, quando isso se trata de um “direito que não é universal”. “Isto sim, é universal”, disse, apontando para o cartaz “Todos somos peões”.

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Foi o único cartaz visível na manifestação e na contra-manifestação (Fotografia: André Marques/Observador)

Por seu lado, Luís Rivera lembra que aquilo que se pretende na gestão da cidade “é que às pessoas que vivem na cidade lhes sejam dadas melhores condições e não piores”, algo que acusa a câmara de não fazer. “Vejo isto a degradar-se de ano a ano”.

Para o vereador do CDS, o único presente no protesto e o único que sempre se manifestou contra a realização destas obras, o buzinão foi “um sucesso”, apesar de ter sido bastante curto. “A ideia era que durante dez minutos, um quarto de hora, houvesse barulho”, afirmou João Gonçalves Pereira, acrescentando que não esteve envolvido na organização do protesto e sublinhando a importância da presença de tanta comunicação social, que vai “obrigar a câmara a falar disto”.

O CDS vai apresentar esta quarta-feira uma moção a pedir ao executivo de Fernando Medina que defina um novo calendário para as obras na cidade. É que o trânsito pode ficar “caótico”, diz João Gonçalves Pereira, lembrando que os trabalhos na Segunda Circular e em Sete Rios estão prestes a começar — ao mesmo tempo que já decorrem obras neste eixo e no Cais do Sodré.