Mais um festival gastronómico?
Longe disso, emérito/a leitor/a. O Sangue na Guelra não é mais um festival gastronómico. E não o é em tudo: no conceito, no espírito, no formato e até no tipo de gente de gabarito que gravita à sua volta, sejam chefs, jornalistas ou gastrónomos mundialmente reconhecidos, como Andrea Petrini ou Enrico Vignoli. Chamar-lhe festival será, até, um pouco redutor. Porque o Sangue — como lhe chamam carinhosamente os seus criadores Ana Músico e Paulo Barata — também é uma mostra de tendências ou uma plataforma experimental que desafia à criatividade e inovação enquanto se promovem os produtos nacionais. O manifesto explica (ainda) melhor.

Comecemos pelo início, então. O que tem o conceito de especial?
Enquanto a maioria dos festivais e eventos deste género tentam trazer os homens (ou mulheres) mais importantes de cada cozinha, o Sangue na Guelra traz os seus respetivos braços direitos. Não literalmente, contudo — isso seria apenas mórbido. Como braços direitos entendam-se os sous chefs, os números dois, os jovens profissionais que, na maioria dos casos, acabam por ser os responsáveis pelo (bom) funcionamento diário dos restaurantes onde trabalham e que também são, não raras vezes, talentos emergentes da cozinha internacional à espera de uma oportunidade para brilhar em nome próprio.

Disse cozinha internacional?
Disse. O Sangue na Guelra tem trazido, desde a sua primeira edição, em 2013, profissionais de alguns dos melhores restaurantes do mundo. Alguns exemplos: Yoji Tokuyoshi, que à época trabalhava no reputadíssimo Osteria Francescana de Massimo Bottura, e entretanto abriu um restaurante com o seu nome em Milão (que já tem uma estrela Michelin), Nacho Baucells e Hernán Luchetti do El Celler de Can Roca, eleito o melhor restaurante do mundo na última edição do World’s 50 Best Restaurants, o mexicano Oswaldo Oliva, ex-sous-chef do Mugaritz (três estrelas Michelin e 6º da lista World’s 50 Best) ou o carioca Rafa Costa e Silva, do Lasai (16º melhor restaurante da América Latina, também segundo a World’s 50 Best). Chega-lhe?

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Chega pois. E cozinham todos ao mesmo tempo?
Todos todos, não. E essa é outra das suas singularidades. O evento não acontece ao jantar, mas sim aos jantares. Este ano há três, sempre com três chefs e um pasteleiro convidados. Cabe a cada um dos chefs preparar dois pratos principais e dois snacks de finger food. Sempre com uma base de peixe e marisco nacional — “este ano vai haver pela primeira vez sardinha e enguia”, revelam os organizadores –, até porque o Sangue na Guelra começou por ser um evento-satélite do Peixe em Lisboa.

Já não é?
Não, este ano, pela primeira vez, o festival ganhou asas (ou barbatanas, pensando melhor) e autonomizou-se.

É essa a grande novidade desta edição?
Por favor, não estamos aqui a brincar aos festivais. A grande novidade é outra, muito mais substancial: uma noite extra, a terceira, com um elenco totalmente feminino. São três chefs mulheres: Antonia Klugmann (do L´Argine a Vencò), Chloé Charles (do Fulgurances) e a estrela Ana Ros (do Hiša Franko) a quem a Saveur deixou enormes elogios neste artigo e que faz parte do leque de chefs seleccionados para a segunda temporada de Chef’s Table, da Netflix. No capítulo da pastelaria será igualmente uma mulher, a jovem Maria João Malheiro — que já trabalhou com Alain Passard e Hans Neuner –, a assegurar a alegria das mesas.

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A ilustradora portuguesa Ana Gil desenhou as três participantes na noite Girls n’ Guts. Esta é a eslovena Ana Ros. (foto: © Divulgação)

Porquê um dia só de mulheres?
Segundo Ana Músico, precisamente “porque este é um mundo de homens, em que as raparigas nunca aparecem.” A intenção é dar-lhes o destaque merecido, mostrar que também há grandes chefs mulheres capazes de fazer tão boa ou melhor figura que os restantes convidados.

Quem são eles, já agora?
Ora então, na primeira noite são os seguintes: o espanhol Alberto Montes, do Atrio (duas estrelas Michelin), em Cáceres, chef que, curiosamente, esteve na edição do ano passado como cliente e este ano regressa de jaleca vestida, James Lowe, do londrino Lyle’s (uma estrela Michelin) e o australiano Alisdair Brooke Taylor, do In De Wulf (uma estrela Michelin). Da pastelaria tratará Diogo Lopes, do Penha Longa, jovem que já trabalhou com Heston Blumental ou Marcus Wareing.

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O chef espanhol Alberto Montes do Atrio, em Cáceres, foi cliente do festival na última edição. Desta feita, é um dos convidados. (foto: © Divulgação)

E na segunda noite?
O nível continua elevado. Os responsáveis são o português João Viegas, braço direito de Leonel Pereira na cozinha do algarvio São Gabriel (uma estrela Michelin), e vencedor da última edição do concurso Chefe Cozinheiro do Ano, Mathieu Rostaing Tayard, do Café Sillon, em Lyon, e o italiano Ricardo Camanini, do Lido 84, chef de que o mítico Alain Ducasse disse ter cozinhado o prato da sua vida. O chef de pastelaria será Telmo Moutinho, que desempenha esse papel no Alma de Henrique Sá Pessoa. Em ambas as noites será possível ainda ver em ação, a ajudar na cozinha, nomes nacionais que também já participaram no festival como Leandro Carreira (atualmente no Climpson’s Arch, de Londres) ou o ex-Noma e Areias do Seixo Leonardo Pereira.

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João Viegas, jovem chef do São Gabriel, irá apresentar um menu “muito sulista”, garantem os organizadores do festival. (foto: © Paulo Barata)

Onde vão acontecer estes jantares?
Tal como em anos anteriores, os dois primeiros jantares acontecem na 1300 Taberna, na LX Factory (a propósito, Nuno Barros, o chef anfitrião, também irá cozinhar). A noite extra, a chamada Girls n’Guts, acontece no Cais da Pedra, em Santa Apolónia.

Não costuma também haver um simpósio associado?
Costuma. E vai acontecer, mas apenas lá mais para a frente no ano, este ano os criadores preferiram concentrar-se nos jantares e restantes ocorrências.

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Os dois primeiros jantares do evento voltam a acontecer na 1300 Taberna. O terceiro acontece no Cais da Pedra. (foto: © Paulo Barata)

Que restantes ocorrências?
Primeiro, vai ser apresentada uma linha de pratos SNG (Sangue Na Guelra), nascida de um concurso lançado aos alunos do curso de Design da Escola Superior de Educação de Lisboa. Os pratos seleccionados pelo júri não só serão utilizados ao longo de todo o evento como serão postos à venda no respetivo site e página de Facebook. Além disso, na noite inaugural o mestre japonês Tomoaki Kanazawa irá voltar a fazer das suas. Que, é como quem diz, uma apresentação dedicada a um tema, no mínimo, invulgar. Desta vez, versará sobre maturação calculada do peixe. E promete, ou não tivesse Tomo afirmado recentemente a esse propósito que “peixe fresco não tem sabor”.

Bonito. A quem devo tudo isto?
Bom, em primeiro lugar aos mentores e organizadores do festival, a incansável dupla-casal Ana Músico e Paulo Barata, ela a fundadora da agência de comunicação Amuse Bouche e ele um dos melhores fotojornalistas nacionais. Depois, ao patrocinador oficial, a Luso com Gás, que estas coisas não saem baratas. Da mesma forma, também não se pode esquecer quem fornece a matéria-prima: a Nutrifresco, de Pedro Bastos, talvez o maior especialista nacional no que vem do mar e importantíssimo para assegurar a mensagem de sustentabilidade que o festival também tenta passar, a Makro, que tem feito uma aposta recente para chegar ao mercado da alta cozinha, ou a Algaplus, uma empresa de Ílhavo especializada na produção de algas.

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Pedro Bastos, da Nutrifresco, envia aos cozinheiros a lista dos peixes de época, estes devolvem-na com as suas escolhas e a partir daí começa a fazer-se a festa.
(foto: © Paulo Barata)

O quê? Sangue na Guelra 2016 (www.sanguenaguelra.pt)
Onde? Na 1300 Taberna, na LX Factory (dias 22 e 23) e no Cais da Pedra, em Santa Apolónia (dia 24)
Quando? De 22 a 24 de maio, sempre a partir das 19h30
Quanto? O preço de cada jantar, em qualquer uma das noites, é de 150€ por pessoa, com tudo incluído: menu de 7 amuse-bouches e entradas, 6 pratos principais, 1 pre-sobremesa e 1 sobremesa, vinhos, água e café.
Reservas? reservas@sanguenaguelra.com | 21 131 9014