A cozinha sempre foi uma espécie de segunda casa para Julie Deffense. Desde pequena que ajudava a mãe a cozinhar: ainda não tinha dez anos e já estava empoleirada em cima de um banco, a medir a farinha de bom grado. A isso seguiram-se as primeiras incursões culinárias, com uma Julie pré-adolescente a chegar a casa depois da escola para confecionar coberturas de bolos e adicioná-las a biscoitos salgados que comia à frente da televisão. “Não sei como é que os meus pais me deixavam fazer aquilo”, conta entre risos ao Observador.

Aos 42 anos, a norte-americana a viver em Portugal desde 1998 encontrou nos bolos de casamento a sua verdadeira vocação, isto depois de uma carreira dedicada à área da publicidade e de ser responsável por duas revistas. A veia criativa sempre esteve presente na vida da cake designer formada em Belas Artes e que agora lança mais um livro, A Bíblia dos Bolos de Casamento, depois do sucesso de Os Bolos de Julie e As Festas de Julie.

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O livro foi editado pela Top Books e custa 25,99€.

A nova obra destina-se a dois públicos diferentes: se por um lado reúne várias receitas e dicas para quem se quiser aventurar a fazer um bolo de casamento digno de uma capa de revista, por outro, promete ajudar (futuros) noivos a decidir o que querem ver e trincar quando chegar a sua vez. O livro que chegou às livrarias do país esta quinta-feira é, pois, o mote para uma conversa com Julie, que, antes da entrevista, preparou-nos um bolo que quase nos fez esquecer as perguntas.

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Uma das criações da norte-americana. Foto: Hugo Amaral/Observador

O estilo de Julie

Dona de um gosto clássico que facilmente encontramos nas suas peças de assinatura — seja pelas flores de açúcar muito realistas ou pela delicada renda comestível que desenha na cobertura dos bolos –, há cerca de seis anos que Julie se dedica por inteiro à arte de fazer bolos de casamento. A norte-americana recorda com facilidade os trabalhos que já lhe passaram pelas mãos, bem como o tempo despendido: é difícil de ignorar as três semanas dedicadas a fazer flores de açúcar para o bolo de sete camadas com pinturas à mão e apontamentos dourados que alguém um dia lhe pediu. “As pessoas já começaram a reparar que tenho um estilo. Nunca é o mesmo bolo, mas existe uma identidade.” E não, confecionar bonecas ou ratos Mickey não é com ela, até porque há coisas mais interessantes para lhe pedir, como azulejos ou bordados de açúcar.

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Não é só a noiva que tem direito a flores. Foto: Hugo Amaral/Observador

Conhecer os noivos para fazer o bolo

“Gosto de conhecer o casal pessoalmente para saber como são e quais são os seus gostos”, explica a cake designer que tem por hábito questionar, numa fase inicial, quantas pessoas vão ao casamento, quão grande será o bolo e se os noivos têm fotografias que possam partilhar com ela, cores ou inspirações. Julie também costuma pedir à noiva para ver discretamente o vestido, não vá o bolo ofuscá-lo (ou vice-versa) quando esta posar para a fotografia.

“Acho que o mais importante é encontrar um cake designer que encaixe no estilo dos noivos, porque é o trabalho dele fazer com que o bolo esteja em sintonia com a decoração da cerimónia, a localização, a altura do dia e até a altura do ano. Os noivos já têm tantas coisas com que se preocupar…”

Só este ano (como quem diz temporada de casamentos) Julie tem 15 cerimónias, sendo que pratica preços a partir dos 500 euros, ainda que o valor dependa sempre da complexidade dos bolos e do tempo que estes exigem.

Como confecionar um bolo

Julie não congela os bolos, pelo que a sua confeção tem de ser fresca, feita 24 a 48 horas (no máximo) antes da cerimónia. Primeiro faz os recheios e os cremes, porque aguentam-se durante mais tempo, e só depois o bolo em si. O mesmo não se pode dizer da decoração: “As flores podem ser feitas atempadamente. Às vezes levam uns dias, outras vezes levam semanas. Depende do trabalho que tenho entre mãos e da altura do ano, isto porque a humidade afeta as flores.”

“Monto tudo na véspera e na manhã do casamento fazem-se os últimos preparativos”, conta, revelando que a parte que menos gosta no processo é o transporte da peça de arte para o local da cerimónia, seja por receio que alguma coisa se desfaça, seja porque as expetativas dos noivos face ao que pediram costumam ser elevadas. “É muita pressão, nunca podemos ficar doentes.”

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A cake designer em ação. Foto: Hugo Amaral/Observador

O significado de um bolo de casamento

Para Julie Deffense, o bolo é, depois do vestido, o aspeto visual mais importante num casamento, pelo que faz parte do seu trabalho ter em conta o seu posicionamento na sala e até em relação aos noivos. “Parte do meu trabalho é criar uma ligação com o local da cerimónia.”

“Acho que os norte-americanos dão mais importância ao bolo de casamento e ao que este simboliza”, diz Julie, fazendo uma clara comparação com os portugueses. “Quando tenho clientes portugueses há sempre a conversa se o bolo deve ou não estar à vista de toda a gente. Ou seja, se fica na sala ou se só aparece no momento de cortar”, acrescenta, adiantando que essa é uma realidade para ela difícil de compreender. “Se passei dias ou meses a trabalhar num bolo, porquê escondê-lo?”, questiona.

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As flores podem levar semanas a fazer. Foto: Hugo Amaral/Observador

Não é só na moda que há tendências

Para a cake designer, os bolos seguem as tendências dos casamentos “porque tudo tem de se encaixar”. E apesar de preferir elementos mais tradicionais na decoração dos bolos, há novos formatos e ideias a ganharem cada vez mais terreno no mercado. Um exemplo são os naked cakes, despidos de cobertura e, por isso, um verdadeiro desafio para serem o mais originais possível, mas também os bolos negros e os apontamentos dourados.