A Revolução Cultural Chinesa, também conhecida por Grande Revolução Cultural Proletária, aconteceu a 16 de maio de 1966. Pequim celebrou o 50º aniversário de um dos eventos que mais marcou o país no século XX com silêncio, refere o The Guardian. Não existiram eventos oficiais para celebrar a data e os meios de comunicação, que na China são fortemente censurados, evitaram tocar no assunto. E, segundo o jornal britânico, até os académicos chineses foram proibidos de falar sobre o período sensível.

A revolução foi espoletada pelo então líder do Partido Comunista Chinês, Mao Tsé-Tung, que há meio século publicou um manifesto onde advertia que os inimigos do Partido Comunista chinês se tinham infiltrado no partido, com a intenção de restaurar o capitalismo. Segundo o texto, a crescente oposição que florescia no seio do partido conspirava para o substituir no poder por uma “ditadura da burguesia”.

Nos dez anos seguintes, até à morte de Mao em 1976, a Guarda Vermelha — composta por grupos de jovens quase adolescentes de várias camadas da sociedade chinesa (militares, camponeses, estudantes, elementos do partido, entre outros) levou a cabo uma campanha de terror com o objetivo de “purificar a ideologia do Partido Comunista chinês” e que deixou marcas profundas e traumáticas na sociedade chinesa, refere o China File.

Os jovens e adolescentes da Guarda Vermelha organizavam-se nos chamados comités revolucionários e atacavam violentamente aqueles que consideravam suspeitos de deslealdade política ao regime, à sua ideologia e à figura de Mao Tsé-Tung. Cinco décadas depois dos fatos, Yu Xiang Zhen, na altura uma estudante de 13 anos de idade e membro da Guarda Vermelha, conta o que sentia quando andava de braçadeira vermelha (um dos símbolos do grupo) num blogue, refere o jornal The Guardian.

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As memórias de dois jovens da ‘Guarda Vermelha’

Yu Xiang Zhen tem atualmente 64 anos e escreve sobre as suas memórias desse período como tentativa de evitar que a história se repita.

“Se os nossos descendentes não souberem a verdade, eles vão repetir os mesmos erros. Eu quero contar as minhas experiências reais para provar que a Revolução Cultural foi desumana”, começa por escrever na introdução do blogue a jornalista reformada. Yu Xiang Zhen conta em particular episódios que se passaram no verão de 1966 como forma de exorcizar os atos a que assistiu quando se radicalizou e se tornou um dos “pequenos generais” de Mao.

Um grupo de crianças chinesas em uniforme, em frente a uma imagem de Mao Tsé-Tung, com o “Livro Vermelho” na mão, em 1968

“Nós tornámo-nos Guardas Vermelhos porque partilhávamos a crença de que morreríamos para proteger o presidente Mao. Mesmo que isso pudesse ser perigoso, era o que tínhamos absolutamente que fazer. Tudo aquilo que me tinha sido ensinado dizia que o presidente Mao estava mais perto de nós do que nossas as mães e pais. E que sem o Presidente Mao, não teríamos nada”, relembrou a ex-jornalista ao jornal britânico.

O relato de Yu Xiang Zhen contém memórias do período em que passou ao serviço da Guarda Vermelha, algumas boas, outras más e muitas delas verdadeiramente terríveis. Memórias semelhantes à que Wang Jiyu, que também fez parte da Guarda Vermelha, contou ao El País. Em 1967, quando tinha 16 anos matou um rapaz da sua idade, ato pelo qual se desculpou publicamente (foi um dos poucos que o fez).

“Eu tornei-me membro da Guarda Vermelha, porque a maioria de nós, os filhos de altos cargos do regime, tínhamos recebido uma educação comunista e revolucionária que enfatizava a luta de classes. Fomos ensinados que tínhamos sido chamados a dirigir o país sob a liderança do presidente Mao e tínhamos que lhe obedecer. A maioria dos Guardas Vermelhos veio desse ambiente e partilhava uma educação e ideais semelhantes “, explicou em entrevista por telefone ao jornal espanhol.

Na sequência de uma briga que começou na escola, perseguiu um rapaz de uma fação rival que tinha atacado verbalmente um colega e agrediu-o com tanta violência que acabou por lhe provocar a morte. Entregou-se à polícia e chegou a estar preso nove meses. Foi libertado e desde então que sofre de pesadelos que lhe lembram o episódio. Continua arrependido do que fez e hoje em dia declara-se abertamente contra a Revolução Cultural e contra tudo o que ela significou.

Em 2008 publicou um artigo numa revista chinesa onde contou o episódio e pediu desculpa publicamente. Um pequeno passo num país que ainda não parece preparado para lidar com o peso da sua própria história. O Partido Comunista continua a restringir a discussão das consequências de uma revolução que causou um período de fome que vitimou milhares de chineses — ao qual se soma um número incalculável de vítimas de violência — na mesma época em que a produção agrícola quase entrou em colapso.

Antecipando o 50º aniversário da Revolução Cultural, um editorial do Global Times, um jornal do partido, alertou contra “pequenos grupos” que procuram criar “um mal-entendido totalmente caótico da revolução cultural e as discussões sobre o tema não devem afastar-se do pensamento estritamente decidido pelo partido”, refere o New York Times.