Não estavam na coleção da Carrie Bradshaw, nem de Imelda Marcos, e nunca caberiam no pézito da Cinderela (pelo menos na sua conservadora versão Walt Disney). Mas certamente que no futuro haverá uma qualquer heroína à espera de calçar uns Guava como quem, num pequeno golpe de magia, transforma o banal em belo.

Guava, com os seus icónicos saltos arquitectónicos

Guava, com os seus icónicos saltos modernistas e futuristas seriam certamente do agrado de Almada Negreiros (foto: © Divulgação)

Arquitetónicos e barrocos, os sapatos Guava [goiaba, em inglês] querem ser mais do que uma peça de moda, passageira, efémera, querem ser uma pequena obra de arte, intemporal, que incorpora cultura e complexidade. Aqui não é o território da fast fashion, mas também não é o território do luxo leviano e fútil. Dai também a escolha do nome: goiaba, um fruto exótico, invulgar e ainda assim elegante. Saídos da imaginação e do traço de Inês Caleiro, 32 anos, e totalmente feitos em Portugal os Guava venceram no início deste ano o Dream Award num dos principais festivais de design do mundo: o Fashion Crowd Challenge, em Xangai. A sua participação no filme Porta 21 de João Marco, valeu-lhe também uma nomeação para o prémio de Melhor Guarda Roupa no London Film Festival. E assim começou 2016 para esta marca 100% portuguesa, cujos clientes são 100% internacionais e que começou a sua história a ouvir muitos “nãos”.

Contra a ditadura da banalidade

Inês Caleiro nunca se deixou convencer pelo banal nem pelo impulso destrutivo que os portugueses têm face à novidade. Não percebia porque é que na faculdade onde estudou, o IADE, se estimulava mais o medo de se ser copiado do que a discussão e a troca. No fim do curso de Design Gráfico , rumou a Londres para uma pós graduação em busca de mais e melhores conhecimentos. Terminou com o prémio de melhor aluna e um estágio na prestigiada marca de sapatos Jimmy Choo. A grande lição: “o designer tem que estar na rua, viajar, não pode ter medo de se mostrar ao mundo e ficar fechado no ateliê com medo que o copiem”, afirma a designer em entrevista ao Observador.

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Inês Caleiro, pós- graduada em Londres como designer de joias converteu-se em arquiteta de sapatos

Inês sonhou-se como designer de joias e não de sapatos. Por isso, depois do estágio na Jimmy Choo acabar, regressou à criação de joalharia de autor e assim se manteve durante uns anos em Londres até que surgiu a oportunidade de fazer um estágio em Washington numa empresa portuguesa de mobiliário de luxo, a Boca do Lobo. Aí teve oportunidade de trabalhar não só em design mas também no desenvolvimento da marca. Foi nessa altura que decidiu começar a desenhar sapatos, usando os vários inputs artísticos e culturais que tinha acumulado, e que se traduzem nas linhas modernistas, geométricas, com uma forte influencia da arquitetura que têm os Guava. Sem pensar muito nos problemas técnicos que a execução das suas peças iria criar desenhou uma coleção inteira e regressou a Portugal determinada a criar uma marca de sapatos que era era também um manifesto contra o conservadorismo do design português.

Os Guava venceram o Dream award no Fashion Crowd Challenge, no início deste ano

Os sapatos arquitetónicos de Inês Caleiro venceram o Dream Award no Fashion Crowd Challenge, no início deste ano.

“Fui para o norte apresentar o projeto às fábricas, mas mesmo tendo o apoio da Apicap ( Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado) só consegui que uma fábrica aceitasse…fazer uma amostra”, recorda. “Andei muito, bati a muitas portas, ouvi muitos nãos, porque não havia tecnologia disponível para fazer este tipo de calçado artístico. Foi preciso utilizar técnicas de impressão 3D, e encontrar novas ferramentas tecnológicas sobretudo por causa dos saltos facetados, que são a parte mais icónica dos sapatos”. Agora passados 5 anos, quando todas essas dificuldades parecem estar ultrapassadas, Inês sente que venceu esta guerra: “a Guava acabou por ser uma novidade para que a industria portuguesa do calçado despertasse para peças mais contemporâneas, mais irreverentes e com uma forte aposta no design”.

As malas são a nova aposta da marca. replicam as linhas geométricas e facetadas dos sapatos

As malas são o novo objeto criativo da marca e replicam as linhas geométricas e facetadas dos sapatos. (foto: © Divulgação)

Se é verdade que a industria do calçado portuguesa é um dos nossos principais casos de sucesso, onde a tecnologia e o design conseguiram unir-se e criar uma dinâmica poderosa fazendo com que os sapatos made in Portugal estejam a ultrapassar mercados tradicionais como o italiano, também é verdade que isso só foi possível devido a uma atitude de maior abertura ao novo contra aquilo que Inês chama” impulso destrutivo da novidade e o fechamento cultural de Portugal”. As lutas para impor a sua marca e os muitos anos que já leva a viver no estrangeiro (atualmente vive em Oslo, na Noruega), a sua vontade de ser “uma cidadã do mundo” levam-na a refletir sobre “o frustrante fechamento dos portugueses ao que é novo” e a “constante necessidade de reconhecimento vinda de fora. Só somos aceites cá quando fora de Portugal alguém diz que somos bons.”

Os Guava têm pequenos apontamentos metálicos com banho de ouro ou prata

Os Guava têm pequenos apontamentos metálicos com banho de ouro ou prata.

Sem medo de mostrar o seu trabalho, sem medo que a considerem pretensiosa, sem medo de dar nas vistas. Estes são os lemas de Inês Caleiro e é para mulheres como ela que são feitos os Guava. A forma modernista e arty dos sapatos farão com que muitas mulheres “que têm medo de dar nas vistas” lhes torçam o nariz. Talvez por isso as coleções estão a ser integralmente vendidas para o estrangeiro. Desde as galerias Lafayette em Paris, passando pelo Dubai, a Noruega, os Estados Unidos, a Arábia Saudita. Mas também estão no site Guava shoes a partir do qual são vendidos para todo o mundo.

Nome: Guava
Data: 2011
Pontos de venda: Site da marca Guava
Preços: Entre os 280 e os 300 euros

100% português é uma rubrica dedicada a marcas nacionais que achamos que tem de conhecer.