Os miúdos de Hélio Sousa estão na final do Campeonato da Europa de sub17 contra a Espanha. Há 13 anos a cantiga foi exatamente a mesma. Os rapazes de António Violante arregaçaram as mangas, apertaram as botas e fizeram história em casa, em Viseu. Em 2003, Portugal venceu pela quinta vez a competição daquele escalão, é a segunda melhor seleção europeia, só atrás de Espanha, que já venceu oito vezes. Ou seja, isto é pessoal, senhoras e senhores.

João Coimbra foi um dos guerreiros dessa seleção das quinas. Ao telefone com o Observador, o então médio do Benfica lembra-se bem da final, de quem jogava, de quem marcava, dos craques, de quem dinamizava no balneário e da razão pela qual aqueles miúdos portugueses levaram o caneco para casa. Sobre os eventuais sucessores na glória, Coimbra diz-se maravilhado com a união do grupo. “Não sofreram um único golo e isso é uma bela demonstração.”

Puxemos a fita atrás, para acertar o passo, como antigamente se fazia com as canetas nas cassetes. João Coimbra era uma das referências do Benfica, sempre foi. As pernas arqueadas denunciavam que era jogador — pelo menos era o que se dizia então –, o toque de bola era de outro campeonato. A fase final desse campeonato nacional de juvenis, em 2003, juntaria Benfica, FC Porto, Sporting e Sp. Braga. O mesmo é dizer que por ali andavam muitos dos jogadores que iriam atrás do sonho de Viseu.

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João Coimbra, médio centro da seleção portuguesa (FPF)

“Nesse ano começámos bem a fase final, fomos ganhar ao Porto 2-0, mas depois perdemos em casa com eles, também 2-0, o que nos tirou o título. Não foi nada de jeito. Depois à seleção fomos eu, Tiago [Gomes] e [Manuel] Curto. O Manuel [Fernandes] ainda não podia ir, porque ainda não era considerado português. Só depois é que a Federação Portuguesa de Futebol fez para ele se naturalizar e já foi ao Mundial a seguir”, começa a lembrar ao Observador.

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O treinador daquela seleção sub17, que chegaria à final, no Fontelo, era António Violante. O discurso sempre foi comedido, embora houvesse uma motivação extra. “Nós tínhamos uma responsabilidade um pouco acrescida, porque o Europeu era em nossa casa. Mas nunca foi um discurso de ‘temos de ganhar!’. Foi um discurso a pensar jogo a jogo. Depois, claramente, as expectativas foram aumentando. Nas meias-finais até tivemos um jogo complicado contra a Inglaterra, no qual fomos a penáltis. O [Carlos] Saleiro empatou nos descontos… Na final, aí sim, já estávamos mentalizados que tínhamos de ganhar. A nossa responsabilidade e motivação eram maiores ainda. Felizmente as coisas correram bem, com o Fontelo cheio. Foi espetáculo!”, diz, com um sorriso que se imagina de orelha a orelha.

Mas alto e para o baile outra vez. Como foi o percurso desta seleção? Foi limpinho, limpinho. Começou com vitória por 3-2 contra a Dinamarca, com golos de João Pedro, Paulo Ricardo e Manuel Curto. Depois veio a Áustria, que caiu por 1-0, com mais um golo de Curto — nesta seleção jogava, por exemplo, Christian Fuchs, o lateral esquerdo do Leicester, que acabou de se sagrar campeão inglês. A seguir veio a seleção magiar: Portugal bateu os húngaros (2-0) com golos de Bruno Gama e Vieirinha. E para abrilhantar o caminho, com cicatrizes pelo meio, foi o tal conto de fadas que Coimbra já mencionou.

No dia 14 de maio, com o Estádio do Fontelo bem composto, ingleses e portugueses lutavam por um lugar na final. A Inglaterra marcou primeiro, por Dean Bowditch, aos 8′. Vieirinha empatou dois minutos depois. James Milner, uma das referências do Liverpool atualmente, fez o 2-1 aos 21′ e assim ficaria durante muuuuuito tempo. Quando tudo parecia estar traçado, com o triste fado dos portugueses que ficava por transformar em glória mágica, as coisas mudaram a segundos do fim. Com os ponteiros a ameaçar o final do duelo, Carlos Saleiro meteu mais uma bola na baliza inglesa, levando a decisão para os penáltis. Os acertos de Paulo Machado, Vieirinha e Saleiro bastariam para Portugal chegar à final.

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João Coimbra na final vs. Espanha (FPF)

“Tínhamos um grande espírito de grupo, muita brincadeira, muita união quando estávamos lá dentro. Depois, tínhamos Paulo Machado, que acabou por se tornar num grande jogador (já o era na altura), o próprio Saleiro e Moutinho, que apareceu depois. Havia [Miguel] Veloso e [Mário] Felgueiras, que também fez um grande Europeu. Tínhamos o Tiago [Gomes]… Tínhamos muito bons jogadores. Era um grande grupo. Essa associação é que levou a que conseguíssemos vencer a competição.”

O duelo da final colocaria meninos pela frente como Antonio Adán, José Manuel Jurado, David Silva e Sisi. “O [Cesc] Fàbregas não foi nesse, mas depois jogou contra nós no Mundial a seguir. (…) O Jurado era um craque! Era de quem se falava mais, mais do que o [David] Silva. Eles tinham dois extremos rápidos, jogavam já nesse estilo de Espanha.”

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A festa depois da final (FPF)

Mas do lado lusitano também havia artistas. Para João Coimbra o número um era um rapaz que será lateral direito no Euro-2016, em França. “O craque era, sem dúvida, o Vieirinha! Quem o conhece bem dessa altura lembra-se, era um jogador espetacular. Mesmo na fase final do Mundial que se seguiu, acaba por fazer um golo antes do meio-campo, naquele 5-5 contra os Camarões, que só está à altura de quem é craque. Era muito completo, jogava com pé direito e esquerdo, era muito forte no um contra um. Quando precisávamos dele, ele desequilibrava bem. Quem o vê a defesa direito agora talvez não perceba como era, mas era um fora de série. Eu falo por mim, eu adorava o estilo de jogador dele”, diz, ressalvando: “Mas acho que a equipa valia mais pelo todo”.

O grupo era unido, diz Coimbra. E há sempre aqueles jogadores que agitam as coisas, que são os perigosos, que deixam todos em xeque, à mercê de uma partida. Quem eram, afinal, esses senhores? “O Márcio Sousa e o Curto, tínhamos alguns que levavam algumas brincadeiras. Aquilo era engraçado, porque as equipas estavam todas no mesmo hotel, em Viseu. Lembro-me, por exemplo, de termos ganho à Inglaterra e de estarmos à porta do hotel, nessa noite. Os ingleses depois chegaram e ficaram connosco a brincar e a cantar. O espírito era esse, houve fair-play.”

Vamos ao que interessa, então: quem era o onze da final? “Eh, pá, deixa-me ver se não me engano. Felgueiras, João Dias, Veloso, Paulo Ricardo, Tiago Gomes, Paulo Machado, Eu e Márcio Sousa, na direita Vieirinha, na esquerda o João Pedro e na frente o Saleiro, que estava motivado.” Prova superada. Não surpreende, até porque este rapaz acumulou três anos da licenciatura de Medicina. Mas o futebol continua a ser a prioridade para este médio de 29 anos. Coimbra voltou há pouco tempo da Índia e nem quer ouvir falar em pendurar as botas.

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Imagem retirada do Facebook de Márcio Sousa (à direita); ao lado estão Miguel Veloso e João Moutinho

A final é fácil de recordar para o ex-médio do Benfica, que chegou a partilhar balneário com o ídolo de infância, Rui Costa — “assustava um pouco (no bom sentido)”, admite. “Acho que todos nos lembramos bem desse dia, é memorável, está na nossa história. Relembrar aquele estádio cheio…” Faz uma pausa.

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A festa no relvado (FPF)

E continua: “Começámos a ganhar com um golo do Márcio [Sousa]; a Espanha empatou na segunda parte [golo de David Silva, atualmente no Manchester City]. Depois, num livre meio-cruzamento-meio-remate, o Márcio fez o dois-um. Lembro-me da festa com todos, o melhor foi mesmo no estádio, com o erguer da taça e cantar o hino. Estavam lá as nossas famílias.” E a festa, ficou por aí? Ora essa: “À noite fomos para a Day After [risos], uma discoteca lá em Viseu, onde tínhamos tudo pago. Nas televisões da discoteca só focavam o nosso feito”, lembra.

Esta geração de 86 teve sortes diferentes. João Moutinho, por exemplo, era suplente e em pouco tempo chegaria à equipa principal do Sporting. Depois, há muitos outros casos de sucesso dos quais resultaram carreiras internacionais: Miguel Veloso (Dinamo Kiev atualmente), Paulo Machado (Dinamo Zagreb) e Vieirinha (Wolfsburgo) — Tiago Gomes subiu agora de divisão com o Metz; Hélder Barbosa está no AEK da Grécia, João Pedro está no Apollon Limassol do Chipre e, finalmente, Bruno Gama joga nos ucranianos do Dnipro. Alguns deles passaram e ainda estão na Primeira Liga, como Mário Felgueiras (Paços de Ferreira), João Dias (ex-Boavista) e João Coimbra (passou por Benfica, Nacional, Estoril e Gil Vicente). Finalmente, há casos que ainda são difíceis de engolir: Márcio Sousa, por exemplo, era um craque, merecia até a alcunha “Maradona”, mas nunca subiu da Segunda Divisão. Joga no Farense. Ver aqui o plantel da seleção em 2003.

E os miúdos de 2016, que tal? “Vi o primeiro jogo com Azerbaijão (5-0) e agora com a Holanda nas meias-finais. Sem dúvida alguma que têm demonstrado terem uma grande seleção e jogadores de grande futuro. Eu realço a coesão da equipa. Não sofrerem um único golo no Europeu é uma bela demonstração.” Portugal chegou à final depois de ultrapassar Azerbaijão (5-0), Bélgica (0-0), Escócia (2-0), Áustria (5-0) e Holanda (2-0).

Alguma dica para a final deste sábado (17 horas)? “Em 2003, os espanhóis eram apelidados de ‘equipa maravilha’, só falavam eles e acabámos por ganhar… com dois golos do Márcio”, ri-se. Agora é esperar para ver o que José Gomes, João Filipe e companhia conseguem fazer contra a Espanha de Abel Ruiz (quatro golos), Brahim Díaz (camisola 10) e Oriol Busquets, o irmão do trinco do Barcelona.

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Miguel Veloso, na altura defesa central, a levantar a taça de campeões da Europa (FPF)