Antigo ministro da presidência espanhol e ex-líder do PSOE no País Basco, Ramon Jauregui Atondo considera que a Catalunha é o problema mais delicado da política espanhola, apesar de o país se encontrar sem Governo. Com eleições marcadas, gostaria que o PSOE conseguisse maioria absoluta e que o Podemos não é solução para substituir o Governo de Rajoy, já que “não tem projeto para o país”. Considera ainda que é necessário uma esquerda reformista na Europa, de forma a conseguir manter o Estado Social.

Em Lisboa para presidir à Eurolat — assembleia parlamentar que junta eurodeputados e deputados dos parlamentos da América do Sul –, o eurodeputado Ramon Jauregui Atondo diz estar “preocupado” com as situações nalguns países dessa região, nomeadamente na Venezuela, onde defende que qualquer solução tem de ser “pacífica e democrática”. Sobre o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, pensa que as negociações ainda vão durar até ao final de 2017 e que há países como França que se opõem a este entendimento entre os dois blocos comerciais. Leia a entrevista, que foi realizada na terça-feira, antes de serem conhecidas as recomendações da Comissão Europeia para Portugal e Espanha.

Esta é uma altura marcante para realizar esta reunião?

A ideia de celebrar a Eurolat em Portugal significa um encontro. Acredito que Lisboa e Portugal são um ponto de convergência mais forte que as próprias instituições europeias, porque estamos a falar de uma cidade e de um país que tem muito boa imagem na América Latina, não só no Brasil. Não é por acaso que numa das ruas mais importantes de Lisboa haja uma estátua enorme de Simon Bolívar. Portugal apreende bem a ideia de uma ligação simbólica entre os dois lados e a vontade de encontro. É uma altura simbólica para a realização deste encontro.

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Em Portugal tem-se acompanhado muito de perto a situação no Brasil. Qual é a sua perspetiva sobre o processo de impeachment? Como é que afeta a imagem do Brasil?

A instabilidade política é a pior forma de enfrentar a situação económica atual do Brasil. O Brasil está obrigado a fazer muitas coisas a nível de política económica, e um clima como o que estão a viver torna muito difícil que as consigam fazer. Já estamos a assistir às primeiras manifestações contra Temer. É provável que haja uma estratégia destabilizadora contra ele e toda a gente acredita que vai haver eleições antecipadas. Há razões para estarmos muito preocupados.

Qual é o papel da União Europeia e dos 28 nesta crise no Brasil?

A União Europeia recomenda um acordo institucional que dê estabilidade ao país, mas não pode dizer muito mais. Mesmo na declaração na Eurolat não podemos ir muito além. Recebi um papel de toda a bancada brasileira a pedir-me que considere que o processo de impeachment não é válido porque não houve qualquer delito.

Que é um golpe?

Sim, mas nós não podemos incluir isso nas conclusões da Eurolat. Isso fazia com que se tornasse impossível um entendimento com os vários países. Há uma sensação que é importante que o Brasil reconheça a sua situação política porque é um país demasiado importante para estar a viver esta instabilidade.

Falando do Brasil, é impossível não falar na situação da Venezuela. Portugal também tem um interesse especial nesse país porque há uma grande comunidade de portugueses na Venezuela, mas Espanha também mantém uma relação muito forte com a Venezuela. Qual é a sua perspetiva sobre esta situação?

Eu estou muito preocupado e pessimista com a situação na Venezuela. A barreira que separa os dois lados é cada vez maior e é mais difícil fazer pontes entre o Governo e a oposição. A nossa posição na União Europeia é que o diálogo entre duas fações legítimas, de um lado há a legitimidade democrática do Presidente venezuelano e, do outro lado, há a legitimidade de uma parte do povo venezuelano. Não há outra saída para além de um acordo institucional para que possam encontrar soluções e perceba quais são as necessidades dos venezuelanos. Tudo o que se está a fazer só tem aberto mais a fenda entre os dois lados. Se o acordo entre eles para a gestão do país não funcionar, tem de haver novas eleições. A saída tem de ser sempre pacífica e democrática.

Acha que Zapatero, antigo primeiro-ministro espanhol que está na Venezuela, vai ajudar neste processo?

É isso que ele está a tentar, ele tem uma grande capacidade de diálogo com o Governo de Maduro e com a oposição. Falei com ele há minutos e está a trabalhar com a oposição. Penso que a tarefa é procurar o tal acordo que crie respeito entre as duas partes.

Numa altura em que se fala muito sobre o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, esta instabilidade na América do Sul vem prejudicar as negociações?

A Venezuela está no Mercosul mas não participa no acordo.

Mas o Brasil está…

A negociação com o Mercosul vai demorar, no mínimo, ano e meio a dois anos. Têm de ser criadas entre 10 a 15 comissões técnicas negociadoras e as negociações não vão acabar antes de dezembro de 2017. Esperamos que qualquer que seja o Governo do Brasil, e como há tanta força para que este acordo avance porque é um acordo que vai ajudar o Brasil e outros países, o processo vai continuar. Não vai ser um acordo fácil, porque há muitos países europeus que estão contra, nomeadamente França.

E quais são as motivações para essa oposição?

A concorrência com a América do Sul pela carne e pelos cereais.

Nestes encontros o tema dos direitos humanos é muito debatido. Pensa que o acordo com a Turquia sobre os refugiados, mas também os problemas com os regimes na Hungria e na Polónia estão a enfraquecer a posição da União Europeia na defesa dos direitos humanos?

A União Europeia perdeu legitimidade e credibilidade para ser a plataforma de defesa dos direitos humanos. Temos sido um farol da civilização em termos de direitos humanos, queremos dar o exemplo e isso já não acontece. Quando vamos agora tentar falar com outros países sobre direitos humanos, a retórica é: “E vocês? O que estão a fazer com os imigrantes?”. Creio que esta perda é muito grave para a Europa e parece-me que a situação só vai piorar. A única forma de nos mantermos o tal farol era se conseguíssemos absorver e integrar quem foge da guerra. Mas as nossas opiniões públicas são muito diferentes e isto é uma falha da democracia europeia. Penso que a única solução é uma polícia de fronteiras europeia, uma nova convenção de Dublin e passarmos a aceitar imigrantes de modo a termos nos próximos cinco anos, cerca de 2 a 3 milhões de pessoas na Europa. Se não o fizermos, é um fracasso da União e vai prejudicar a Europa federal.

Como é que o acolhimento de refugiados está a ser encarado em Espanha?

A resposta está a ser má. Em Espanha há disponibilidade política para receber as pessoas com as regiões autónomas e com as câmaras municipais a mostrarem-se disponíveis para acolher, mas as pessoas não chegam. Se o sistema europeu de reinstalação de quotas não funciona, é impossível haver qualquer acolhimento.

Espanha também está a passar por uma situação política delicada e foi impossível fazer um acordo para o Governo. Em Portugal, foi possível fazer um acordo à esquerda. O que aconteceu em Espanha?

Acho que houve três fatores que tornaram as eleições espanholas muito diferentes das de Portugal. A divisão dos assentos parlamentares foi muito complicada. Em segundo lugar, há dois partidos políticos à esquerda e à direita que rivalizam com os grandes partidos. São partidos potentes, não têm os 20 lugares do Bloco de Esquerda. O Podemos tem como missão tirar o lugar do PSOE à esquerda e o Ciudadanos quer tirar o PP do poder à direita. E, por último, Espanha precisa de grandes reformas no sistema eleitoral e regeneração política. Isto tornou muito difícil obter um acordo. É um fracasso político? É, mas consegue explicar-se por estes fatores. Às vezes é preciso uma derrota para tornar possível o que antes não foi. A convocação de novas eleições vai fazer com que a formação de um Governo seja uma certeza.

Acha que haverá Governo depois das eleições de 26 de junho?

Sim.

E será um Governo só com o PSOE ou será preciso algum acordo?

Eu gostava que fosse um Governo do PSOE.

Acredito…

Mas sabe, não tenho muita certeza sobre o que se vai passar para conseguir ter um Governo.

Mas acha que o PSOE está coeso para estas eleições?

O PSOE fez um esforço para encontrar uma solução e outros não fizeram isso. Rajoy não fez nada, Podemos não quis apoiar. O PSOE e o Ciudadanos tentaram um acordo e isso colocou-nos numa posição mais respeitada pelos eleitores. Mas as sondagens mostram que está tudo muito estanque. O Governo de Rajoy merece sair, mas não acho que o Podemos possa protagonizar essa mudança. O Podemos não tem capacidade de Governo e não tem projeto de país. Espero que o PSOE tenha maioria para formar um Governo, mas ainda é cedo para saber.

Portugal e Espanha estão em risco de ser sancionados pela Comissão Europeia. O que acha que vai acontecer?

Acho que vai haver uma sanção simbólica e uma advertência séria. Não acredito que chegue a sanção económica. Mas o procedimento contra nós pode acontecer porque há uma pressão muito forte da direita europeia para que isso aconteça.

Este episódio das sanções pode marcar as eleições em Espanha? Há uma componente ideológica nesta questão?

Do ponto de vista macroecónomico, precisamos de mais flexibilidade no Pacto de Estabilidade. Seria inteligente que permitissem a estes países, que sofreram tanto na crise, que mantivessem uma certa margem no défice sempre que isso esteja acompanhado com propostas de reformas. A combinação da flexibilidade nos números e o rigor nas reformas, especialmente na fiscalidade e pensões. A esquerda tem de ser reformista para conseguir manter o Estado Social.

Acha que a questão da Catalunha está resolvida?

Penso que é muito complexo. O projeto independentista, de forma unilateral, é impossível. Vão espalhar-se ao comprido. Um novo acordo sobre a maneira de estar da Catalunha em Espanha é necessário e, por isso, defendo uma reforma federal do nosso território e até da Constituição para melhorar o acordo entre Espanha e a Catalunha. Faz falta mais política para resolver um problema grave e que, na minha opinião, é o ponto mais delicado da política espanhola neste momento.

É do País Basco. Esta região quereria um acordo similar?

O País Basco está mais tranquilo. Tivemos 40 anos de terrorismo e agora estamos a respirar. Ao mesmo tempo, temos um sistema económico que permite que o País Basco esteja cómodo com Espanha. Assim, não temos tensão nem problemas graves de confronto com Espanha, mas há nacionalistas. E se esse acordo acontecer com a Catalunha, também tem de acontecer com o País Basco. Espanha só pode construir-se com este tipo de acordo que vale para duas ou três gerações. Depois de 35 anos de Constituição espanhola e das autonomias, que foi um período muito bom para Espanha. Hoje faz falta uma nova adaptação.