A direção do PS está a ponderar limpar os cadernos eleitorais do partido já a partir de setembro. A informação foi avançada por Hugo Pires, secretário-geral do PS, ao Observador e apanhou alguns dirigentes socialistas de surpresa. Ainda assim, nenhum dos que foram contactados pelo Observador torce o nariz à ideia.

Nunca pensei verdadeiramente sobre o assunto, mas não me parece uma má solução“, concede António Mendes, irmão da secretária-geral-adjunta do PS, Ana Catarina Mendes, e presidente da Federação do PS Setúbal. Em declarações ao Observador, o dirigente socialista lembra que o “último processo de refiliação aconteceu em 2002” e que, daí para cá, “houve alguns militantes que morreram” ou que “perderam interesse” em ser militantes.

António Gameiro, presidente da distrital de Santarém, também não esconde a surpresa. “No caso do distrito de Santarém, os militantes que constam nos cadernos eleitorais são aqueles que existem, os que pagam as quotas. Somos uma Federação média, que cresceu de forma vagarosa mas sustentada. Temos uma máquina muito bem preparada”, diz o socialista ao Observador.

O presidente da Federação ribatejana lembra que a última refiliação em Santarém aconteceu “há três ou quatro anos”, pelo que não vê necessidade de o repetir em setembro. Ainda assim, Gameiro não deixa de admitir que o processo de refiliação “pode ser importante para o PS nacional“.

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Tiago Barbosa Ribeiro, presidente da concelhia do PS/Porto, uma das maiores estruturas do PS, é perentório: “Por princípio, sou favorável a todas as medidas que conduzam ao reforço da transparência na vida interna dos partidos“. No entanto, o deputado socialista admite que “não tem informação sobre o processo”, e acrescenta: “Julgo que ainda ninguém tem“.

Apesar da aparente abertura para aceitar a solução, os planos da direção nacional do PS apanharam alguns dirigentes socialistas de surpresa. Miguel Alves, presidente da distrital de Viana do Castelo, admitiu não “saber nada” sobre o processo e preferiu não fazer qualquer comentário. Marcos Perestrello, líder da Federação da Área Urbana de Lisboa do Partido Socialista (FAUL), uma das mais importantes, escusou-se a comentar de todo a questão.

A necessidade de avançar ou não para limpeza dos cadernos eleitorais socialista foi levantada durante as eleições para a distrital do PS/Coimbra. Os opositores de Pedro Coimbra, reeleito no sábado depois de uma guerra política que teve de tudo — fraudes, falsificações e investigações judiciais –, exigiam uma limpeza dos cadernos eleitorais em Coimbra e acusavam a direção nacional de assistir impávida e serena a um “simulacro eleitoral”.

Desafiado pelo Observador a comentar a questão, Hugo Pires acabou por explicar que a direção socialista só não decidiu avançar já com o processo porque estava a ponderar fazê-lo a nível nacional, a partir de setembro, em todo o país. O Largo do Rato não queria que o processo de refiliação parecesse “uma coisa direcionada” a Coimbra. “O que está a ser pensado é fazer-se uma refiliação nacional a partir de setembro. O partido tem de fazer uma refiliação que já não se faz há muitos anos.”

Ora, Manuel Arnaut, o challenger que decidiu suspender a candidatura a presidente da Federação socialista em Coimbra por não acreditar na “transparência e legalidade” do processo, não tem dúvidas: a limpeza dos cadernos eleitorais deve avançar o mais rápido possível. “É por isso que bato desde sempre. Pela transparência e pela liberdade do PS“, diz ao Observador.

Um ex-dirigente segurista, que prefere não ser identificado, admite que esta “pode ser uma boa ideia”. “Se os cadernos nacionais estão desatualizados mesmo — com o Ministério da Administração Interna em cima do processo –, o que dizer dos cadernos eleitorais dos partidos? Há muita gente que morreu… Agora, é um processo complicado. Convém ser feito longe dos atos eleitorais, de forma clara, com muita informação e de forma a garantir que toda as pessoas são devidamente informadas.”

António Galamba, também ele segurista e um crítico assumido da atual direção, admite que a limpeza dos cadernos eleitorais pode ser uma boa solução, dependendo da “metodologia que vai ser utilizada”. O antigo responsável pela organização interna do PS nos tempos de António José Seguro acredita que o processo de refiliação vai provar que o número de militantes em condições de poderem votar são bem menos do que o se pensa. “Os números estão a descer. [Com a refiliação] serão ainda piores. Não me recordo disto acontecer quando o PS fez parte do Governo. É uma novidade e é invulgar”, atira o ex-deputado socialista.

De acordo com dados disponibilizados pelo próprio partido ao Diário Económico no início de 2016, o PS tem neste momento 150 mil militantes registados. No entanto, a direção nacional do partido estimava que 87 mil desses militantes tivessem quotas em atraso entre dois e seis anos, o que parece confirmar, em parte, a versão de António Galamba.

O desfasamento entre o número real de militantes e o número de pessoas que constam nos cadernos eleitorais do partido é um problema recorrente. E parece ser inflacionado durante os ciclos do partido no poder — tal como acontece no PSD, de resto. Durante os dois Governos de António Guterres, o número de militantes cresceu para 124 mil até 2000 e, depois, caiu para 80 mil em 2005, depois da limpeza dos cadernos eleitorais em 2002. O número de filiados atingiria os 115 mil em 2010, perto do fim da liderança de José Sócrates.

Nas eleições federativas realizadas em setembro de 2014 votaram no continente apenas cerca de 27 mil militantes. O número voltaria a disparar durante as primárias que opuseram António José Seguro a António Costa. Mas, desta vez, com uma diferença considerável: estas eleições contavam também com simpatizantes. Participaram nessas primárias 178,3 mil votantes, dos quais mais de 120 mil votaram no atual primeiro-ministro.

No sábado, nas eleições que reelegeram António Costa e de acordo com dados oficiais do PS, votaram mais de 31 mil militantes socialistas. Desses, quase 30 mil votaram no atual líder socialista.