As fotografias que denunciam a escravatura em escolas corânicas vão ser mostradas na Guiné-Bissau aos pais que nelas inscrevem os filhos, sem saber o que os espera.

“Agora que há provas, temos que as saber usar”, referiu o fotojornalista Mário Cruz, da Agência Lusa, premiado este ano pelo World Press Photo e pela Estação Imagem com uma reportagem sobre crianças “talibés” no Senegal, publicada em vários meios de comunicação internacionais.

“Até agora não existiam provas e percebi que essa ausência tinha contribuído para a subversão desta realidade”, sublinhou, numa altura em que as autoridades senegalesas continuam sem saber quantas escolas de ensino do Corão (livro sagrado islâmico) maltratam crianças.

Uma exposição de 15 das fotografias foi inaugurada na quinta-feira em Bissau e vai ficar em permanência na Casa dos Direitos, enquanto uma réplica em formato itinerante vai percorrer o território guineense para denunciar a realidade em que muitos pais ainda não acreditam.

“O Mário conseguiu penetrar no fundo destas situações e trazer à luz do dia esta realidade nua e crua que afeta muitas crianças africanas”, referiu Laudolino Medina, presidente da Associação dos Amigos da Criança (AMIC) da Guiné-Bissau.

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Levantamentos recentes revelaram que “cerca de 30 por cento de 6700 crianças ‘talibés’ que mendigam em Dacar, capital senegalesa, são guineenses e isto deve requerer a nossa intervenção”, sublinhou.

As imagens “foram amplamente divulgadas” no mundo depois de receberem o primeiro prémio na categoria de assuntos contemporâneos do World Press Photo, mas a população diretamente implicada “não teria outra forma de as ver” se não fosse pela exposição, realçou Mário Cruz.

É por isso que o fotojornalista se junta ao presidente da AMIC para na terça-feira levarem a exposição itinerante para Gabu, primeira paragem num esforço de sensibilizar a população.

É na principal cidade do leste da Guiné-Bissau, onde prevalece a tradição muçulmana de enviar os filhos para as escolas corânicas, que as fotografias vão servir para demonstrar que as famílias estão a ser enganadas.

“As organizações guineenses que trabalham neste domínio têm aqui um ótimo instrumento”, referiu Fátima Proença, presidente da Associação para a Cooperação Entre os Povos (ACEP), que também colaborou na iniciativa.

As fotos podem encorajar as famílias a enfrentar os angariadores a soldo de “marabus” (mestres corânicos), que vivem do dinheiro e géneros que milhares de crianças pedem nas ruas, e que “fazem promessas face a situações de fragilidade”.

Prometem felicidade para os filhos de quem só conhece pobreza, mas Mário Cruz fotografou as correntes e chicotes que encontram, dos cinco aos 15 anos, em prisões de onde só saem para mendigar.