A detenção do empresário russo Alexander Tolstikov, presidente da Sociedade Anónima Desportiva (SAD) da União de Leiria, e de um dos seus assessores, o cidadão moldavo Serguey Runitsa, ocorreu há cerca de um mês, na sequência da “Operação Matrisoka”, que investiga crimes de fraude fiscal, associação criminosa, branqueamento de capitais, corrupção e falsificação de documentos. A operação, no entanto, tem sido alvo de fortes críticas de parte da imprensa russa, que acusa a justiça portuguesa de não ter apresentado provas dos crimes de que é acusado, de não respeitar “a presunção da inocência” e de utilizar o mito da “máfia russa” com intuitos pouco claros.
O pontapé de saída foi dado pelo jornal Sovietsky Sport com o artigo “Mas existiu mesmo uma matrioska?”. Iúlia Iakovleva, correspondente do jornal, escreveu: “segundo as informações dos media portugueses, parte das perguntas do tribunal dizia respeito à origem dos meios que o clube queria depositar num banco em Leiria. A instituição não aceitou o dinheiro alegando desconhecer a sua proveniência. Porém, o presidente da SAD [União de Leiria], Alexandre Tolstikov, numa conversa com a correspondente do Sovietsky Sport, refuta essa informação”.
A jornalista coloca em causa o trabalho da Europol na investigação e tenta desmontar as acusações feitas por esse órgão europeu: “Primeiro, fala-se de uma tal ‘célula de um grupo mafioso ativo desde 2008’. Ou seja, ele já era conhecido há 8 anos, mas até 2016 não foi feita sequer uma detenção? Ou pelo menos uma busca?”.
O artigo relata ainda como a Europol descrevia o funcionamento do grupo e cita vários clubes adquiridos dessa forma:
Se o Leiria aparenta não ser o primeiro caso, quais são os restantes clubes? Pelo menos que sejam revelados os nomes dos países. É claro que, se não for realizada uma operação conjunta em todos os países simultaneamente, as pessoas interessadas fugirão para um lugar onde não possam ser apanhadas logo após semelhante declaração oficial vaga”, lê-se no texto.
“Terceiro, afirma-se que é quase impossível encontrar os beneficiários reais, porque eles estão escondidos por detrás de uma cadeia de empresas fictícias registadas em offshores. Então, qual é a essência da investigação? Na mesma declaração, a Europol comunica continua a ser desconhecida (e dificilmente será possível determinar) a origem do dinheiro com que foi comprado o clube. Significa que desconhecido é sinónimo de mãos da máfia?”, pergunta.
Por fim, a jornalista remata: “Quarto, segundo a Europol, foram detidos ‘três membros fulcrais’ da comunidade criminosa organizada. Mas como é que aconteceu que um dos ‘fulcrais’ foi libertado pelo tribunal português e foram-lhe retiradas algumas das acusações? Recordo que foi libertado, como é evidente, o cidadão português”.
“A polícia portuguesa comporta-se de forma surpreendentemente estática”
A detenção de Alexander Tolstikov também indignou o jornal Lenta.ru. A publicação escreveu: “O português foi libertado por decisão do tribunal, mas os russos, não obstante o pedido dos advogados, continuam na prisão. A polícia portuguesa comporta-se de forma surpreendentemente estática: durante um mês, nem um, nem outro acusado deste processo bastante ruidoso para Portugal foi interrogado, ao mesmo tempo que libertaram Violante”.
De acordo com o jornal, “a história com a detenção de Serguey Runitsa cheira até a absurdo, porque ele, dentro do clube, não participava na tomada de qualquer decisão executiva e não fazia parte da direção do Leiria”.
A polícia – sublinha-se no artigo não assinado – não tem uma prova de que o dinheiro investido no clube teve origem criminosa. A posição da acusação baseia-se apenas em suposições. O juiz português, que tomou a decisão da detenção, esqueceu-se da presunção da inocência, que, ao que parece, não vigora em Portugal e obrigou o advogado de Tolstikov a provar a limpeza da origem do dinheiro. O advogado apresentou todos os documentos, mas o tribunal não se apressou a analisá-los”, lê-se no artigo.
Quanto à acusação de criação de um grupo criminoso e de ligações com a máfia russa, o jornal considera que seria suficiente que “a polícia portuguesa contactasse com os colegas russos e perguntasse se Alexandre Tolstikov está sob investigação”. “Mas também aqui os portugueses escolheram uma tática passiva, tomando como prova um Mercedes caro em que viajava o empresário e um grande apartamento que, a propósito, ele alugava. Se se desconfiar a sério das ligações do russo com a máfia, será difícil compreender que uma pessoa tão importante não pôde adquirir uma habitação, mas aluga-la”, frisa a publicação.
Para o Lenta.ru importa compreender “a quem tanto mal fez um normal empresário russo que, em pouco mais de um ano, fez de um clube falido uma equipa que quase subia de divisão, apaixonou os adeptos locais e tornou-se um excelente palco de preparação de futebolistas russos?”. E responde: “Claro, muitos eram os que ficaram descontentes com a chegada do russo. As conversações iniciais sobre a aquisição do pacote de controlo duraram vários meses. A parte portuguesa não quis, durante muito tempo, entregar o leme da direção, mas acabou por aceitar. Todavia, ela não deu qualquer tipo de ajuda séria”.
O jornal considera ainda que este processo é parte de uma conjura mais ampla contra a Rússia.
Nos últimos tempos, tornou-se moda procurar o rasto russo em tudo e em toda a parte. Todos tomam doping, mas só os russos são apanhados. E aqui conclui-se que todo russo, tanto mais se tiver dinheiro, é automaticamente alvo de suspeitas de ligação à máfia.”
E conclui: “Parece que os portugueses nunca ouviram falar de negócios normais”.
Segundo lembra o jornal Express, estes artigos foram publicados pouco antes de Alexander Tolstikov ter declarado “greve de fome” na prisão. Fonte em Moscovo, contactada por telefone pela publicação, não descarta a possibilidade de se tratar de uma campanha para pressionar a justiça portuguesa a, pelo menos, libertar o russo e o moldavo detidos, bem como para obrigar as autoridades russas, principalmente a diplomacia, a serem mais ativas na defesa deles.