O líder parlamentar do PS, Carlos César, tem “reservas” sobre a lei da gestação de substituição, apesar de ter votado favoravelmente o diploma da autoria do Bloco de Esquerda no passado dia 13 de maio. Com o Presidente da República a vetar e a a devolver o decreto de lei à Assembleia, partidos mostram-se agora disponíveis para voltar a olhar para o texto e fazer alterações pontuais — desde que se mantenha a “substância” da lei.

“Votamos favoravelmente o projeto em causa, não obstante as reservas suscitadas pelo mesmo e que deixamos indiciadas na presente declaração de voto. Em primeiro lugar, cremos que o próprio circunstancialismo da votação expõe algumas das fragilidades do processo legislativo que hoje tramita na Assembleia da República”, lê-se na declaração de voto assinada pelos deputados do PS Carlos César e Filipe Neto Brandão, que votaram a favor do projeto de lei mas quiseram apresentar na altura uma declaração para mostrar as suas reservas.

Para os deputados socialistas, as maiores fragilidades do diploma dizem respeito à necessidade de regulamentação posterior, na medida em que o texto da lei não responde a questões centrais de natureza contratual — “que deviam ser, desde já, dirimidas pela lei” –, como é o caso do que fazer perante a recusa da gestante de substituição de entregar a criança. “Ao decidir remeter para outro momento ou foro a decisão sobre essa e [quase] todas as questões que um contrato desta natureza pode suscitar, o legislador parlamentar demite-se de responsabilidades que lhe incumbem, correndo o risco de se poder ver acusado de pusilanimidade legislativa”, dizem os dois deputados do PS na declaração de voto entregue na altura da votação, há quase um mês.

Carlos César e Filipe Neto Brandão criticavam na altura também a forma como o projeto de lei foi levado a votos no plenário, lembrando que o BE decidiu, a poucos minutos da votação começar, retirar uma alínea do artigo principal que dizia que a gestante de substituição tinha um período de “48 horas após o parto” para se declarar como mãe da criança nascida. O artigo caiu para poder merecer o voto favorável de um maior número de deputados do PSD e permitir assim a sua aprovação. Os socialistas criticam a artimanha argumentando que isso fez com que a versão definitiva do diploma só chegasse às mãos dos deputados “minutos antes da votação”.

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Partidos disponíveis para clarificar a lei

Falando aos jornalistas esta quarta-feira na Assembleia da República, Carlos César mostrou-se “naturalmente” disponível para voltar a analisar o diploma em função das dúvidas levantadas pelo Presidente. “O trabalho agora é responder ao entendimento do Presidente da República e tentar melhorar o diploma”, disse.

Ao Observador, a deputada do PS responsável pela pasta da saúde Maria Antónia Almeida Santos já tinha admitido a disponibilidade do PS para voltar a olhar para o diploma e proceder a alterações pontuais, se o Presidente da República optasse pelo veto, como se especulava. “Estamos disponíveis para melhorar as falhas mas está fora de questão desvirtuar o espírito da lei”, reafirmou esta quarta-feira a deputada ao Diário de Notícias.

Também o deputado do Bloco de Esquerda, Moisés Ferreira, promotor do projeto, admitiu ao Observador a legitimidade das dúvidas levantadas pelo Presidente, sublinhando que “todas elas já foram pensadas e discutidas no grupo de trabalho da PMA [Procriação Medicamente Assistida]”, onde foram feitas audições a várias entidades do setor. Segundo o deputado, o que ficou decidido no grupo de trabalho foi que essas questões de natureza contratual ficariam de fora do texto da lei, — que foi redigido de forma mais lata para ser aprovado — e seriam tratadas em sede de regulamentação. O projeto de lei dava ao Governo um prazo máximo de 120 dias para aprovar a respetiva regulamentação, depois de promulgada a lei.

O objetivo, segundo o deputado bloquista, era que a lei desse os “instrumentos” para as respostas serem alcançadas, mas só na “relação contratual”, que é feita caso a caso, se devia depois regulamentar todas as questões associadas à maternidade de substituição.

Mas perante o chumbo do Presidente, o BE mostra-se flexível. “Continuamos disponíveis a poder melhorar a redação final da lei, sempre com o objetivo de não se alterar a substância da mesma”, sublinhou esta quarta-feira o deputado, citado pela agência Lusa. Segundo Moisés Ferreira, a lei “foi construída e debatida para responder a situações muito concretas, de mulheres sem útero ou que o tenham perdido na sequência de uma doença ou de uma lesão, que não conseguem engravidar, mas que devem ter o direito a serem mães biológicas se assim o desejarem. A substância da lei deve manter-se esta”. Ou seja, alterações pontuais sim, mas sem desvirtuar o sentido da lei. Para o deputado do BE importa assegurar que o veto de Marcelo Rebelo de Sousa não “sirva de pretexto para adiar uma resposta a um problema que existe na sociedade e uma resposta que deve ser urgente”.

Esquerda volta a precisar de pelo menos 10 deputados do PSD

Depois do veto do Presidente, os deputados podem voltar a analisar o diploma e sujeitá-lo novamente a votação, com ou sem alterações. Recorde-se que o diploma da gestação de substituição foi aprovado no último dia 13 com os votos a favor do BE, PS (à exceção de dois deputados), PEV, PAN e ainda 24 deputados do PSD, incluindo Pedro Passos Coelho. Ou seja, se a esquerda não mudar o sentido de voto (e se dois deputados do PS continuarem a votar contra), o BE voltará a precisar de pelo menos dez deputados sociais-democratas para aprovar o texto.

Do lado do PSD, cuja contagem de cabeças foi fundamental para a aprovação do diploma, mantém-se a prerrogativa da liberdade de voto na bancada, com o líder parlamentar a defender que os partidos devem agora “atender” às recomendações do Presidente da República, “ponderar” e voltar a “tomar decisões”. “O PSD rege-se nestas matérias pela consciência individual dos deputados, foi assim em relação ao projeto de lei e também será assim em relação às eventuais alterações”, disse esta quarta-feira Luís Montenegro aos jornalistas no Parlamento.

PCP e CDS a mantêm a posição contra. O líder parlamentar comunista, João Oliveira, lembrou esta quarta-feira que as dúvidas dos comunistas vão “para lá” dos aspetos do Conselho Nacional de Ética para os quais Marcelo alertou, e o CDS, pela voz da deputada Isabel Galriça Neto, voltou a dizer que “mantém as reservas” e que neste âmbito “não há lugar para experimentalismos”.

Assim sendo, para a lei da gestação de substituição ser reconfirmada na Assembleia da República, o Bloco de Esquerda vai ter de voltar a contar com pelo menos dez deputados sociais-democratas para conseguir a maioria necessária à aprovação.