Os serviços de intelligence portugueses estão a tomar medidas “a nível interno” para “reforçar todos os procedimentos de segurança” e evitar que casos como aquele que envolveu o espião Carvalhão Gil se repitam. A informação foi confirmada esta quarta-feira pelo próprio Júlio Pereira, secretário-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), à margem da cerimónia de apresentação do novo site dos serviços secretos portugueses.

Desafiado a pronunciar-se sobre o caso, Júlio Pereira leu uma pequena nota adaptada do comunicado já disponível na nova página dos serviços de informações onde pode ler-se que, “após um período de averiguações internas, desencadeadas por terem sido detetados indícios de comprometimento de atividade operacional na área da contraespionagem, e do apoio prestado pela cooperação internacional”, foi possível recolher “elementos seguros sobre a realização de encontros clandestinos no estrangeiro entre um funcionário do Serviço de Informação e Segurança (SIS) e um outro de um serviço de informações estrangeiro”.

Na posse destes “elementos”, a SIRP decidiu então participar o caso ao Ministério Público por suspeitas de crime de “espionagem”, que acabou por dar seguimento ao processo em conjunto com os serviços secretos e Polícia Judiciária. Carvalhão Gil e o espião russo acabariam por ser detidos em flagrante delito, durante um encontro na cidade de Roma.

O processo encontra-se agora em segredo de justiça pelo que Júlio Pereira se escusou a fazer mais comentários sobre o caso.

‘Secretas’ estão de cara lavada na Internet. “Mais um passo no caminho para a transparência”

E esta não é a única novidade. A partir desta quarta-feira as ‘secretas’ passam a ter um novo site onde levantam ligeiramente o véu sobre a atividade que desempenham. A nova página, afirmou Júlio Pereira, será “mais um passo no caminho para a transparência” e um “veículo de informação importante” dos serviços de ‘informação’ com o exterior.

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O novo site do SIRP, que acolhe também as renovadas páginas do Serviço de Informações e Segurança (SIS) e do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), foi assumidamente pensado para que fosse de fácil leitura e para que explicasse, em concreto, as funções que os serviços desempenham. Existe, inclusivamente, um espaço dedicado às “Perguntas Frequentes” e outro dedicado ao “Recrutamento”, em que qualquer pessoa pode enviar uma candidatura espontânea, desde que se reveja no perfil.”És capaz de trabalhar longas horas, sob stress, em tarefas multifacetadas? És curioso por natureza e gostas de jogos desafiantes?”. Fica o desafio.

Terrorismo é uma ameaça crescente

Os serviços de inteligência decidiram fazer pela primeira vez uma “Revista do Ano”, usando algumas informações não confidenciais mas que ajudam a perceber quais são as maiores ameaças à segurança global e nacional. Crime organizado, branqueamento de capitais, crime informático, o crescimento de grupos extremistas e, sobretudo, o terrorismo são as maiores ameaças identificadas pelas ‘secretas’.

“O modus operandi dos atentados terroristas ocorridos em França, em novembro de 2015, bem como as notícias da presença na Europa de operacionais isolados ou de combatentes afetos ao chamado Estado Islâmico evidenciaram um novo limiar da ação terrorista nos países que compõem o espaço da União Europeia”, pode ler-se no relatório disponibilizado pelo SIRP.

Sobre o caso concreto de Portugal, os serviços de informações não deixam de notar que “à semelhança dos outros Estados europeus, Portugal também não se encontra imune aos efeitos da propaganda difundida em larga escala na Internet por organizações terroristas, em especial pelo grupo Estado Islâmico”.

A possibilidade de os jiadistas portugueses ou lusodescendentes que se juntaram ao Estado Islâmico na Síria e no Iraque regressarem ao território nacional também é assumida pelas ‘secretas’. “[Tal] não deixa de representar um sério risco para a segurança interna comum e nacional”, admitem os serviços.

Mais: o “facto de Portugal não se constituir como um alvo prioritário” do Estado Islâmico e de outros grupos terroristas não significa que não esteja no radar destas organizações, lembram. “A proximidade ao norte de África, a que acresce a existência de fortes interesses portugueses, justificam o acompanhamento deste fenómeno”, pode ler-se.

Nesse contexto, o SIS tem promovido, no quadro das melhores práticas internacionais, o reforço da segurança das infraestruturas críticas nacionais e de outros alvos preferenciais de ataques terroristas, estabelecendo para o efeito programas de cooperação no domínio da proteção dessas infraestruturas e pontos sensíveis com entidades públicas ou privadas, que têm a seu cargo a gestão desse tipo de infraestruturas.”

O crescimento de grupos extremistas também preocupa as ‘secretas’ portuguesas. Ainda que a atuação destes movimentos apenas tenha resultado “em pontuais ações ilegais ou violentas”, os serviços não deixam de alertar para a existência em território nacional “de estruturas ultranacionalistas, neofascistas e skinhead neonazi” e também de “grupos anarquistas e anticapitalistas autónomos”.

Na cerimónia de apresentação do novo site e da “Revista do Ano”, Júlio Pereira, que surgiu acompanhado por José Casimiro Morgado, diretor do SIED, e Adélio Neiva da Cruz, diretor do SIS, admitiu que esta tentativa de abertura à sociedade civil foi muito pensada. “Hesitámos porque não podíamos escrever muito”, sob pena de violar o “segredo de Estado”, “nem podíamos escrever pouco”, sob pena de tudo “parecer muito vazio”. Foi o “compromisso possível”, explicou o secretário-geral do SIRP.