Poois!… Hoje temos a nossa primeira aula…, disse Marcello Caetano naquele outono de 1966, perante uma turma de elite, embora ele não tivesse como adivinhar que entre aqueles jovens estava parte da “nata” da futura sociedade portuguesa democrática. Um Presidente da República, uma ministra da Saúde, um ministro das Finanças, dois padres (um progressista e um conservador), um intelectual influente, um músico, um realizador de cinema… e muitos mais. A saber: Marcelo Rebelo de Sousa, Leonor Beleza, Jorge Braga de Macedo, Vítor Melícias e João Seabra, José Pacheco Pereira (que no ano seguinte passava para Filosofia), Rao Kyao, ou Luís Filipe Rocha. Os ex-caloiros vão celebrar este ano os 50 anos do curso com um jantar na biblioteca da faculdade, no próximo dia 17 de junho.

Será uma oportunidade para os antigos alunos recordarem essa lição inaugural, em que Caetano expôs a história da universidade e do curso, como era tradição, e depois se alargou em comentários machistas que aqueles que os ouviram não esqueceram. Observando o anfiteatro e notando o número elevado de raparigas que ocupavam as primeiras filas, o catedrático chocou não só Leonor Beleza como outras jovens presentes, ao dar a entender que o curso de Direito era mais próprio para homens. A faculdade para as meninas era a de Letras, mesmo ali ao lado, onde elas podem frequentar cursos de Línguas, mais convenientes para mulheres. Luís Pinheiro de Almeida, um dos ex-alunos e um dos organizadores do jantar, recorda-se de Caetano fazer outra referência às mulheres, numa aula prática — enquanto procurava que os estudantes aterrados lhe fizessem perguntas colocando dúvidas. “As meninas que são tão curiosas, não têm perguntas, pois pois, vêm para aqui em vez de ficarem em casa a coser meias…”, lembra o jornalista ao Observador.

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O primeiro jantar da turma foi realizado em 1981 no Seminário da Luz, onde o padre Vítor Melícias residia

Outros estudantes que começaram a carreira académica nesse dia foram Vítor Dias, ex-líder parlamentar do PCP, João Soares, ex-ministro da Cultura e ex-presidente da câmara de Lisboa. Os jornalistas Luís Pinheiro de Almeida, prémio pró-autor da SPA em 2016, e João Amaral, ex-administrador de “O Independente” e da Leya, ou o já falecido Cáceres Monteiro, de O Jornal, ou diretor da Visão (que depois também passaria para Letras). Também Carlos Beja, deputado do PS, ou o advogado José António Barreiros entraram para a Faculdade de Direito nesse ano. Segundo Pinheiro de Almeida, a turma já realizou cinco jantares: em 1981, 1984, 1992 e 1996. Marcelo Rebelo de Sousa foi sempre um entusiasta e esteve em todos eles.

Durante o jantar, será homenageado João de Castro Mendes, uma referência para os alunos desta licenciatura, mas que parecia ter pouca empatia com Marcelo Rebelo de Sousa, com quem o futuro catedrático teve sempre alguma dificuldade em obter as suas altas notas. Deu-lhe 14 valores a Direito Romano, naquela que terá sido a pior oral do melhor aluno da turma. O professor Castro Mendes chegou mesmo a ser tema em cartas trocadas entre Baltazar Rebelo de Sousa e Marcello Caetano, onde se focava a dificuldade de Marcelo Nuno conseguir com ele as boas notas a que estava habituado. No entanto, foi mesmo por sugestão de Marcelo Rebelo de Sousa que estará presente no janta Luís Filipe Castro Mendes, sobrinho do homenageado, que vai descerrar uma lápide ao professor na faculdade.

Haverá uma concentração com Porto de honra, fotografia de grupo no anfiteatro do primeiro ano nos lugares de há 50 anos, com Marcelo sentado no lugar que ocupava enquanto estudante. Pedro Romano Martinez, director da Faculdade, fará uma intervenção de boas-vindas. O jantar deverá custar 40 euros por participante, um valor que já inclui o pagamento à segurança extra na faculdade, dada a presença confirmada do Presidente da República.

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