Eis o “onze” (ou melhor, dois “onzes”) de ausentes que o Observador escolheu depois de muito queimar as pestanas. Aqui, contam todos: os não convocados pelos respetivos selecionadores, os lesionados (de longa data ou em cima da hora) e até aqueles que nem para o Euro se apuraram, como os holandeses. Discutível? Não colocava este ou aquele? Pode ser. Mas admita lá: são duas equipas e tanto. Até nos matraquilhos…

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Malditas lesões. E malditos vídeos pornográficos. E maldito doping

Que vidinha boa. A França de Didier Deschamps, como organizadora do Euro que é, enquanto os restantes países andavam a suar as estopinhas pelo apuramento, estava inserida no Grupo I de apuramento, o de Portugal, mas os jogos com a seleção portuguesa, Albânia, Dinamarca, Sérvia e Arménia eram para os franceses “a feijões”. Sabiam de antemão que estariam “em casa” no verão. E os franceses são mesmo um dos favoritos a vencer o Europeu. Não só pelo apoio que terão do público gaulês, não só porque conquistaram os últimos dois torneios (Euro 84 e Mundial 98) que organizaram, mas também porque têm soluções de sobra (e boas) nos convocados, para deitar a mão à Henri Delaunay, uma taça que lhes escapa desde 2000.

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Um meio campo com N’Golo Kanté, Blaise Matuidi e Paul Pogba não é só atlético – como se cada um deles tivesse três pulmões em vez de dois –, não é só tão bom a atacar como na hora de defender, não tem só qualidade de passe e remate de sobra: é um meio campo que mete medo ao bicho-papão.

E ter Antoine Griezmann (e Anthony Martial, porque não referi-lo) na frente é sinónimo de velocidade de ponta e golos na ponta das botas.

Mas a França também é, muito provavelmente, a seleção mais azarada no Euro. Entre jogadores que ingeriram substâncias que não deviam (e foram descobertos antes do Euro), jogadores que chantagearam outros jogadores fora dos relvados, e lesionados uns atrás dos outros, perdeu meia seleção para o Euro. Sobretudo na defesa.

Os titulares do costume no centro, Raphael Varane e Mamadou Sakho, não o vão ser. O primeiro, do Real Madrid, talvez o mais promissor (já mais certeza que promissor, diga-se) defesa central do futebol europeu, lesionou-se antes da final da Liga dos Campeões. Sakho, do Liverpool, que faz a meia esquerda – ocupando-se Varane da direita –, falhou um controlo anti-doping, a 17 de março, no empate (1-1) com o Manchester United para os oitavos-de-final da Liga Europa, e foi suspenso pela UEFA.

Restez calme! Afinal, restavam Kurt Zouma do Chelsea ou Aymeric Laporte do Athletic Bilbao no banco – que são novinhos no B.I., mas têm maturidade (e qualidade) a rodos para se impor na defesa gaulesa, sem se dar pelas ausências dos mais “velhos”. O problema é que, também eles, se lesionaram. Então, quem resta? Daqueles centrais franceses que são bons, realmente bons, só resta Laurent Koscielny, titular do Arsenal. Eliaquim Mangala é mais suplente que titular do Manchester City, mas deve ser ele a parelha de Koscielny. Convocados foram também Adil Rami, do Sevilha, que já quase não se recordava da última vez (junho de 2013) que foi convocado, e Samuel Umtiti, um estreante chegado do Lyon, mas que depois do verão até pode acabar no Barcelona.

Mas a principal ausência nos bleus não é nenhum dos lesionados — nem o suspenso Sakho. A principal ausência é a do melhor jogador francês (outros dirão que esse jogador é Pogba; entre um e outro venha o diabo e escolha) da atualidade: Karim Benzema.

Mathieu Valbuena e Karim Benzema. Tão amigos que eles eram... (Créditos: Adam Pretty/Getty Images)

Mathieu Valbuena e Karim Benzema. Tão amigos que eles eram… (Créditos: Adam Pretty/Getty Images)

Benzema estreou-se pela seleção gaulesa em 2007, quando ainda era jogador do Lyon, mas desde outubro de 2015, por altura de um particular contra a Arménia, que o camisola “10” (no Real é o “9”, mas o peso do número que carrega em França diz tudo: é o magicien que resolve jogos, como o foram Platini ou Zidane) não é convocado. Depois do jogo, a 13 de outubro, o ponta-de-lança de origem argelina foi detido e interrogado pela polícia francesa, indiciado pelo crime de extorsão ao colega de seleção Mathieu Valbuena.

Alegadamente, Benzema terá exigido dinheiro a Valbuena para não exibir um vídeo de cariz sexual no qual o baixinho do Lyon participou. Esse vídeo terá sido gravado em meados de junho de 2015 e chegou às mãos de Benzema por via de amigos do francês. Amigos não muito aconselháveis. Nem um nem outro, Benzema e Valbuena, enquanto o processo segue nos tribunais, voltou a ser chamado por Deschamps à seleção.

Karim Benzema, depois de conhecida a convocatória, acusou o selecionador francês de ceder “à pressão de um partido racista [Frente Nacional]” ao não o convocar. “Legalmente, sou inocente até provarem que sou culpado. Deviam ter esperado que o sistema judicial tomasse as suas decisões”, disse à Marca o melhor marcador em atividade entre franceses, com 27 golos.

Ah, é verdade, Frank Ribery, outro titular de caras, lesionou-se no Bayern (ultimamente, o extremo quase aparenta ser feito de cristal fino; se lhe tocarem, quebra) e também não vai a França. Ou talvez vá — isso é lá com ele. Mas não para os relvados do Euro.

Se até a Espanha N.º 3 vencia o Euro, como não há de vencer a N.º 1?

Vicente del Bosque é um homem de sorte. Aos 65 anos de idade, e provavelmente na sua derradeira competição internacional antes da merecida reforma, já conquistou duas Ligas dos Campeões, um Mundial e um Europeu — fora todas as ligas, taças e tacinhas que venceu pelo Real em Espanha. Mas Don Vicente (como é tratado em Espanha) é também um homem de sorte, porque tem dores de cabeça a mais. É um contrassenso? Não. As dores de cabeça que o selecionador espanhol tem, queriam tê-las muitos selecionadores também.

A qualidade em Espanha, com Vicente del Bosque, abunda, e os não-convocados (muitos por opção, alguns por lesão) faziam um “onze” tão bom quanto o que será titular no Euro.

Há selecionadores com uma tarefa mais complicada (na hora de anunciar os convocados para o Euro) do que Vicente Del Bosque (Créditos: David Ramos/Getty Images)

Há selecionadores com uma tarefa mais complicada (na hora de escolher os convocados para o Euro) do que Vicente Del Bosque (Créditos: David Ramos/Getty Images)

Não acredita? Ora vamos lá ao fact check. Em França, La Roja deverá entrar de início assim: Iker Casillas (ou David de Gea); Juanfran, Gerard Piqué, Sergio Ramos e Jordi Alba; Sergi Busquets, Koke, David Silva, Andrés Iniesta e Cesc Fàbregas; Álvaro Morata. Taticamente, é um 4-5-1, mas rapidamente se fará um 4-4-2 (com Fàbregas a segundo avançado, ao lado de Morata) ou 4-3-3 (ocupando Silva o flanco direito e Iniesta o esquerdo).

Entre não-convocados por Vicente del Bosque, poder-se-ia imaginar também um 4-5-1, por vezes com mais do que uma solução em cada posição. A baliza seria entregue a Adrián San Miguel, um dos guarda-redes mais seguros da Premier League, titular vai para três épocas no West Ham. Joel Robles, do Everton, Sergio Asenjo, do Villareal, ou Antonio Adán, do Bétis, também seriam alternativas de qualidade a Adrián.

Avance-se para a defesa, a quatro. Aí, a direita seria sempre de Dani Carvajal, do Real Madrid — e lesionado de última hora –, ou de Mário Gaspar, o lateral “voador” (e com uma bomboca sempre prontinha a sair da bota direita, que não é brincadeira) do Villareal. À esquerda, o flanco é de Juan Bernat, do Bayern, ou de Nacho Monreal, do Arsenal. O primeiro ataca melhor, o segundo defende mais e melhor. Ao centro, é escolher: Javi Martínez, também do Bayern, Raul Albiol, do Nápoles, Nacho do Real Madrid ou Iñigo Martínez, da Real Sociedad. Não por eles que o gato vai às filhós. Que é como quem diz, que a Espanha sofreria golos.

Vamos ao meio-campo? A posição de trinco tem duas alternativas acima da média: Gabi, capitão e pêndulo do Atlético de Madrid de Simeone, e Ignacio Camacho, também ele nado e criado no Vicente Calderón, mas desde há muito (surpreendentemente “há muito”) no Málaga. Entre médios mais criativos (mas nem por isso displicentes a defender), saltam três nomes à vista. Três nomes que dispensam apresentações demoradas: Isco, Saúl e Mata. Isto para não falar de Ander Herrera, do Manchester United. Não são matulões nem poços de força. Velozes? Q.b.. Mas são velocíssimos a pensar. E tratam a bola por “tu”; ela é mais feliz, mais redondinha, quando lhes toca as botas.

Por fim, o ataque. Jesús Navas, o extremo de olhos cor-de-mar do Manchester City, que mesmo aos 31 anos continua a ter cara de menino rabino, não é opção para Vincente del Bosque. Faz sentido: a Espanha mal utiliza extremos — e o selecionador tem Nolito e Pedro convocados para o que der e vier. Mas pontas-de-lança, Vicente usa. Só um de cada vez. Escolheu levar até França o veterano Aduriz, do Bilbao, e Morata, da Juventus. Só. Levou dois, excluiu três. E que três: Diego Costa, Fernando Torres e Paco Alcácer. Qualquer deles seria titular em 90% das seleções apuradas para o Euro.

São “mais que as mães” os apurados para o Euro, mas nem todos lá chegaram. Alguns surpreendentemente

O primeiro Europeu foi em 1960, precisamente em França. Venceu-o a União Soviética de Lev Yashin, o guarda-redes aranhiço e fã de Eusébio. Até 1976 só participavam quatro seleções no torneiro. Mas havia fase de apuramento, com quartos-de-final e tudo, sendo a fase final do Euro disputada pelas seleções que passassem esses quartos-de-final. Só a partir de 1980, em Itália, é que o número de países participantes aumentou para oito, passando a existir uma fase de grupos. Dois grupos, para ser preciso. Um novo alargamento só se viu em 1996 — um Euro agridoce para Portugal, “culpa” de um tal Karel Poborsky –, ano em que passaram a existir não dois grupos, mas quatro, num total de 16 seleções em prova.

No Euro 2016, o número de seleções vai aumentar de 16 para 24. São mais que as mães. Quer isto dizer que não é só o primeiro de cada grupo que se apura, não é só o segundo classificado que se apura, mas também os melhores terceiros classificados vão a jogo. A Turquia foi terceira no Grupo A e apurou-se, tal como a Ucrânia no Grupo C, a República da Irlanda no Grupo E, ou a Hungria no Grupo F e a Suécia no Grupo G. Estes últimos quatro, como não foram o melhor terceiro entre terceiros (essa foi a Turquia), tiveram que disputar um playoff contra a Eslovénia, Bósnia, Noruega e Dinamarca, respetivamente.

Ainda assim, havendo vagas para todos e mais um par de botas, houve seleções que são habitués em europeus (e mundiais) que não se apuraram. O caso mais gritante é o da Holanda. Acabou em 4.º lugar no Grupo A, atrás de República Checa, Islândia e Turquia. Com isso, Tim Krul, Gregory van der Wiel, Ron Vlaar, Daley Blind, Jetro Williems, Wesley Sneijder, Georgio Wijnaldum, Memphis Depay, Robin van Persie, Klaas-Jan Hultelaar e, sobretudo, Arjen Robben, não vão ao Euro. Quem fica a perder? Os holandeses. E todos nós.

A "nova" Laranja Mecânica venceu a Áustria (adversária de Portugal no Euro) por 2-0 no começo do mês. Dos habituais titulares, Danny Blind só "reciclou" Wijnaldum (Créditos: HANS PUNZ/AFP/Getty Images)

A “nova” Laranja Mecânica venceu a Áustria (adversária de Portugal no Euro) por 2-0 no começo do mês. Dos habituais titulares, Danny Blind só “reciclou” Wijnaldum (Créditos: HANS PUNZ/AFP/Getty Images)

A coisa correu-lhes tão mal ou tão pouco, que os trintões foram colocados de parte pelo novo selecionador, Danny Blind (substituiu Guus Hiddink, que foi despedido em junho de 2015 — já a qualificação estava comprometida ou perto disso), e é hoje tempo de renovar as hostes para o mundial que aí vem. O último “onze”, num particular de junho com a Áustria — que os holandeses venceram por 2-0 –, foi: Jeroen Zoe; Kenny Tete, Jeffrey Bruma, Virgil van Dijk e Patrick van Aanholt; Steven Berghuis, Georginio Wijnaldum e Riechedly Bazoer e Kevin Strootman; Quincy Promes e Vincent Janssen.

Qualquer semelhança com a laranja mecânica do apuramento é pura coincidência. Ou melhor, é Wijnaldum. Ou restantes saíram.

Mas há mais ausentes de seleções não-apuradas para o Euro. Ausentes de peso. Entre guarda-redes, destaca-se o campeão inglês pelo Leicester (e titular pela Dinamarca) Kasper Schmeichel. Mas também o esloveno (e finalista vencido da Champions pelo Atlético de Madrid) Jan Oblak é uma ausência notada. Laterais em falta, saltam logo à vista os da Sérvia: Branislav Ivanović e Aleksandar Kolarov. Dispensam apresentação a quem vê a Premier League, fim-de-semana após fim-de-semana. Um central em falta também é sérvio, Neven Subotic (mas este ora se retira da seleção, ora retorna a ela), para além, claro está, do dinamarquês do Fenerbahce Simon Kjaer.

A Sérvia volta a colocar (ou melhor, não colocar) um nome entre os ausentes em França: o ex-benfiquista Nemanja Matic é a maior ausência entre médios-defensivos. Quanto aos médios que atacam mais do que defendem, apontam-se dois: o geómetra da Roma e da Bósnia Miralem Pjanic, mas também o motorzinho dinamarquês do Tottenham, Christian Eriksen.

O ataque é a três — e são os três made in balcãs. O montenegrino Stevan Jovetic ocupa-se na meia esquerda, o sérvio Lazar Markovic da meia direita (ou da esquerda, ou do centro; ele é bom em qualquer parte), cabendo a outro sérvio, o goleador do Newscastle, Aleksandar Mitrovic, alinhar a mira para a baliza.

O “onze” não é mau, não senhor.