A Associação de Lesados do Banif considera que os investidores que, há três anos, puseram 35 milhões de euros em obrigações da Rentiglobo estão em risco de nunca recuperarem o dinheiro. A empresa pertence ao universo Rentipar, dona do Banif.

As obrigações foram colocadas sobretudo junto de clientes do Banif, segundo a Associação de Defesa dos Lesados do Banif (Alboa), que terá agido nesta operação como intermediário financeiro. A emissão foi feita em 2013 com uma taxa de remuneração bruta de 6%, já o Estado português era o acionista maioritário do Banif, e tem como maturidade 2016.

Perante o resgate ao Banif, e quando está prestes a terminar o prazo para o reembolso, a Rentiglobo apresentou uma proposta de reestruturação dessa emissão de dívida, tendo marcado uma assembleia extraordinária de obrigacionistas para terça-feira, num hotel em Lisboa, segundo informação disponível no Portal da Justiça.

Nessa reunião, a Rentiglobo vai fazer uma proposta de alteração das condições desses títulos, que passa por dividir os 35 milhões de euros de obrigações atualmente existentes em três tranches.

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À primeira tranche corresponderão obrigações ordinárias no valor de sete milhões de euros, a segunda é constituída por 14 milhões de euros de obrigações convertíveis e a terceira por 14 milhões de euros de obrigações participantes.

No caso da primeira parcela, a proposta passa por os sete milhões de euros serem reembolsados até 2026, estendendo a maturidade em 10 anos, à taxa de juro anual de 2,5%.

Estas obrigações terão como avalistas a Rentipar Indústria, proprietária da Rentiglobo, e a Soil, ‘holding’ da família Roque que é acionista maioritária da seguradora Açoreana, com 52,31%. O restante capital da seguradora, que antes pertencia ao Banif, é agora da empresa pública Oitante.

A proposta diz ainda que quando se concretizar a venda da Açoreana, o que está acordado ser feito ao fundo norte-americano Apollo, que “a Soil obriga-se a depositar junto do agente 20% dos fundos eventualmente obtidos com tal alienação, montante este que ficará depositado em caução para garantia do pagamento de juros e reembolso do capital das obrigações”.

Também a Rentiglobo diz que vai colocar como caução “quaisquer montantes por si recebidos a título de distribuição de dividendos pela EMT [Empresa Madeirense de Tabacos]”. A Rentiglobo detém 49,78% da tabaqueira madeirense, cuja participação se compromete a não alienar.

Quanto às outras duas tranches, nas obrigações convertíveis a proposta é que não sejam remuneradas, sendo que “a maturidade ocorrerá na data em que foram aprovadas contas anuais da emitente [Rentiglobo] das quais resulte que o capital próprio é superior a 20.000.000,00 [20 milhões de euros]”. Estas obrigações são convertíveis, podendo quem as detenha transformá-las em ações, tornando-se acionista da Rentiglobo.

Por fim, as obrigações participantes também não serão remuneradas e, quanto ao reembolso, a proposta é que aconteça apenas “após o reembolso e /ou extinção de todas as obrigações convertíveis e se o capital social da Rentiglobo, após o reembolso dessas obrigações, ficar acima de 10 milhões de euros”. Estas obrigações ficam ainda subordinadas, sendo as últimas a serem pagas em caso de falência do emitente.

Para Pedro Henriques, da direção da Alboa e investidor nestas obrigações, o que a Rentiglobo está a fazer é “pôr a cenoura à frente do burro”, ao acenar com o pagamento da primeira tranche de sete milhões de euros, enquanto a proposta para as outras duas parcelas é “de quem não deseja efetivamente pagar”.

Pedro Henriques critica que o pagamento das obrigações convertíveis seja condicionado à passagem do capital social para 20 milhões de euros, referindo que atualmente é de cerca de 10 milhões de euros, o que implica um “muito bom desempenho” de uma empresa cujo principal ativo é a tabaqueira madeirense.

A Alboa tem estado a reunir vários obrigacionistas destes títulos para terem uma presença forte na assembleia extraordinária e possam, pelo menos, renegociar algumas das condições da proposta de reestruturação, nomeadamente retirar a cláusula dos 20 milhões de euros de capital social ou que um representante dos obrigacionistas faça parte da administração da empresa para terem a certeza de que a gestão se preocupa em fazer dinheiro para pagar a estes credores.

A associação defende ainda que eventuais mais-valias da venda da Açoreana deveriam ser usadas imediatamente para pagar aos detentores de títulos de dívida.

As obrigações da Rentiglobo foram vendidas ao valor nominal de 1.000 euros cada, mas só eram vendidas em pacotes de 100, pelo que cada investidor colocou pelo menos 100 mil euros. A Rentiglobo SGPS está sediada na zona franca da Madeira e é uma ‘sub-holding’ da Rentipar Indústria.

Também a Rentipar, que era acionista direta do Banif, não tem condições de pagar os 60 milhões de euros de obrigações emitidas em 2011 com prazo até 2013 e que então, já por problemas financeiros, foi estendido para 2016.

Pedro Henriques diz que só agora os investidores perceberam que estas “empresas viviam todas do balão Banif, que agora que rebentou”.