Quando subiu um degrau na seleção, Joachim Löw teve uma ideia antes de se lembrar de ir à caça dentro do nariz ou das calças. Via os espanhóis a jogarem à bola e encantava-se com o carrossel todo, o passe para ti e devolve para mim, as tabelas, o fintar jogadores através de meiinhos. Löw olhou para tudo aquilo, e bem de perto, quando perde a final do Europeu em 2008, e reparou como, mais do que serem muito bons, eles conseguiam fazê-lo por soltarem a bola rápido. Mesmo que não ganhassem nada com isso, davam o passe e recebiam a bola de volta, logo a seguir. Joachim adorava isso e quis pôr os alemães a passarem a bola mais rápido. “Toni, anda cá, preciso de falar contigo.”
Houve uma altura em que terá chamado Kroos. Várias, aliás. Ter-lhe-á dito para assumir, que era ele o escolhido, que tinha e tem no pé direito a bússola para dar a direção à bola e à equipa. Pelo passe, sempre através dele, para fazer a bola correr como ele não corre. Depressa. Löw quis que os alemães, em média, demorassem um segundo a fazer um passe e não três, como o faziam. No fundo, Löw percebeu que tinha ali um jogador como há muito poucos, um que mostra como alguém se pode dar bem no futebol, com a bola, correndo quase sempre menos que os outros. E Toni Kroos corre pouco contra os polacos.
Ele faz passes curtos, longos, toca e às vezes vai buscar. Faz mexer a equipa, embora ela se mexa pouco para ele. Porque isto de centrar a bola num jogador funciona quando os outros se movimentam à frente dele, apareçam a fazer diagonais, vão pedir a bola nos tais espaços entre as linhas dos adversários, que troquem de posições. Enquanto há muito Kroos (toca 68 vezes na bola, dá 58 passes e acerta 91%) até ao intervalo, há muito pouco Özil e Götze, que se desmarcam pouco, e há um deslocado Müller, que começa as jogadas à direita e só é avançado ao centro quando já lá estão demasiados polacos.
Por azar estão lá sempre Pazdan, o central que corta éne passes, e Krychowiak, trinco no Sevilha e camisola 10 na Polónia que em ambos os sítios é um polícia duro que raramente deixa alguém fugir-lhe. Os polacos encolhem-se, defendem com muitos e mantêm-se próximos à própria área, não arriscam nem tentam aproveitar a forma quase suicida como os alemães atacam. É tudo para deixar Kroos confortável e com pelo menos seis homens para receber a bola à sua frente, diria Löw se aqui estivesse ao lado. Mas cá de cima, no Stade de France, vê-se como Hector e Höwedes (os laterais) avançam até estarem em linha com os avançados e como Khedira, o médio que melhor defende, é o médio que mais ataca.
Às vezes ficam apenas os centrais e Kroos, que na escola devia chumbar em todos os testes de velocidade, lá atrás, perto da linha do meio campo, à espera que a Alemanha perca a bola. Mas na primeira parte, salvo uma jogada em que Hummels amolece e Lewandowski o rouba, não há sustos. Nem para os polacos, que apenas se preocupam uma vez, quando Müller faz o mesmo a Piszczek e dá um passe para a chegada de Kroos, que só consegue rematar em carrinho. Sai ao lado. “Toni, anda cá, precisamos de falar.”
Não me deixam descer ao balneário alemão, mas talvez Löw tenha falado com Kroos antes ou depois de dizer coisas à equipa. Porque ele volta ao campo e está diferente. Pede a bola mais à frente, arrisca nos passes, levanta-a mais vezes para tentar encontrar quem corra para a área, entre os defesas polacos. Pela relva descobre Götze, que remata às mãos de Fabianski no minuto seguinte a Milik fechar os olhos no mergulho que faz na área. Por isso não acerta na bola que Grosicki lhe cruza depois de a receber do calcanhar de Blaszczykowski. Os dois extremos polacos vão ao mesmo lado do campo e desequilibram os alemães.
O contrário é que continua a não se ver muitas vezes. Draxler mal toca na bola. Hector, o lateral esquerdo, arranca um par de vezes da linha para o centro, a pedir um passe longo, mas ninguém — leia-se, Kroos, que continua a ter muita bola — o vê. Götze é quem mais contraria a vontade em passar rápido a bola, conduz e dribla muito, nada consegue. É já com ele no banco que que Boateng, a engolir Lewandowski com cortes e antecipações, o deixa tocar à vontade na bola pela primeira vez perto da área para o avançado soltar Grosicki, na esquerda (69′). Este cruza rasteiro e Milik volta a ser pobre e mal-agradecido — falha na bola e o remate da marca de penálti não sai.
O que sai é, logo na jogada seguinte, um remate de Özil à entrada da área, que faz Fabianski voar. É estranho, mas os alemães nunca fazem perguntas no jogo, apenas respondem cada vez que os polacos os assustam. Nem um balázio de Kroos, que faz a barra sentir o ar cortado pela bola (66′), é perigoso por aí além. Özil continua a só querer a bola no pé, Mario Gomez entra para ficar à espera na área, Müller é mais vigiado do que um recluso a ser transferido entre prisões e na última vez que os alemães soltam alguém na área é Höwedes, o inesperado que está no fim de uma jogada com três passes rápidos, mas que recebe mal a bola. A atacar a Alemanha funciona, mas não engata, e a defender às vezes encrava e assusta-se.
Porque à frente está uma Polónia que é organizada e atinada a defender, não arrisca o desarme quando não deve e sabe guardar-se para se aventurar no ataque nas alturas certas. E aí faz como Joachim Löw queria ver os alemães a fazerem: passa a bola rápido, corre pouco com ela e tem sempre um ou dois a desmarcarem-se no espaço à frente de quem a tem. Depois também tem Lewandoswski, Grosicki e Milik, que não acertou na bola nas duas melhores oportunidades para haver golos neste jogo.
Não conseguindo bloquear Kroos, os polacos controlaram quem estava à frente dele e, quanto a isto, não há nada que Toni possa fazer. Lamento, Joachim Löw. Por muito que ele acabe o jogo com 108 passes feitos e que a bola goste bastante dele (toca-lhe 129 vezes, mais do que todos os outros), os outros alemães têm que fazer, mostrar, desmarcar e oferecer mais. Talvez o selecionador tenha que conversar com todos. Um candidato tem que dar mais.