Quero falar-lhe de um molusco que não o é na verdade. Apenas metaforicamente.

É alto. Talvez alto demais para quem ocupa a posição dez. Afinal, são quase sempre futebolistas mais baixos, na teoria “cerebrais” e menos disponíveis para defender – olhe-se Iniesta, por exemplo — quem ocupa esse pedaço de relvado. Paul Pogba é esguio, mas só de pernas — e que pernas longuíssimas tem ele! –, sendo em tudo mais atlético, no tronco, nos ombros, no rosto largo. Uma passada sua, são duas ou três noutro futebolista que o tente acompanhar na corrida. Sim, “tente”; quando Pogba acelera relvado fora, ninguém consegue travá-lo a menos que o derrube em falta.

Mas voltando à conversa da posição em campo. Pogba é hoje dez, contudo o médio da Juventus é mais do que isso. Ele faz a transição entre os momentos defensivo e ofensivo como um verdadeiro oito, defendendo como um seis. E aí, a defender, a recuperar bolas, Pogba é um “polvo”. O melhor exemplo para tudo isto que acabei de lhe descrever viu-se na primeira parte do França-Suíça, em Lille. A Suíça errou um passe, Pogba estava no sítio certo a fazer a marcação (à zona) e recuperou uma bola à saída da área francesa, logo começou a galgar para a frente, metros e mais metros, Behrami, Dzemaili e Xhaka, todos eles, observaram-no ir, mas, azar dos azares para Pogba, escorregou. E ficou estatelado no relvado, quase sentado. Perdeu a bola? Não. Bastou-lhe usar dos tentáculos. Perdão, das pernas. Ainda sentado, e com Xhaka prestes a recuperar dele a bola, Pogba esticou a perna direita (que do metro e noventa de Pogba, será certamente o “metro”) e puxou a “menina” de volta a si. Depois levantou-se, encostou o corpanzil ao de Xhaka e ao de Behrami (entretanto lá chegado), protegeu a bola, até que caiu de novo. Mas aí não foi por ter escorregado, mas por ter sido abalroado pelos dois suíços, desesperados pela impossibilidade (física) de roubarem a bola a um polvo. Perdão, a Pogba.

É dele, Pogba, que rezará esta crónica. Minto: rezará dele e rezará da barra suíça. Até porque o que de melhor se viu no França-Suíça desta noite saiu-lhe das botas e foi na direção da tal barra. Tudo o mais foi um aborrecimento pegado. Até ao fim.

A Suíça só teve verdadeiramente uma ocasião para fazer golo. E foi Breel Embolo que o evitou. Sim, é o ponta-de-lança suíço. Confuso? Xherdan Shaqiri foi bater (8′) um canto à direita com a canhota, e quando assim é a bola vai sempre puxada, puxadinha à baliza. E foi: passou o primeiro poste, ninguém a cortou (nem Lloris a tirou de lá a punhos), chegou ao segundo, onde Sagna, ao invés de a tirar da área, a tocou na direção da própria baliza. Instantes antes, Embolo foi mais rápido que a bola e a própria sombra, quando esta passou por ele já o jogador do Basileia estava em queda no relvado, ficou de costas para a baliza, e a bola tocada por Sagna bateu-lhe em cheio (ele nem deu conta, mas bateu) e voltou para trás. Há dias de azar, Breel…

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Depois, começou o “jogo” de Pogba, que andou hora e meia a divertir-se com remates à barra. A primeira vez que o fez (atirar à barra, entenda-se) teve a distinta colaboração de Yann Sommer, o guarda-redes da Suíça que esta noite (estranhamente) esteve disparatado na hora de usar as luvas. O remate (12′) de Pogba, de fora da área mas em zona frontal, foi fraco. E nem com colocação ia. Mas Yann Sommer tinha uma “muralha” de defesas suíços à sua frente, não viu a bola partir, e quando esta se aproximou dele só teve tempo para a socar. Socou mal. Para trás, para a própria barra. Foi azarado, mas também teve sorte: a barra evitou males maiores e a França só teve direito a um canto.

Aos 17′, Pogba voltou a ter pontaria a mais. Mas se o primeiro remate foi fraco e com pouca colocação, este foi precisamente o oposto. Cabaye passou-lhe a bola no centro do meio-campo. Atenção: no “centro”, dentro do circulo onde o jogo começa e recomeça sempre. Longe da baliza, portanto. Pogba tinha opções de passe, à direita e à esquerda, longas ou mais curtas, mas quis avançar para baliza. E avançou. Deu um toque na bola, depois outro, com a sua passada larga foi-se chegando à área, mas foi ainda de fora desta (talvez a dois ou três metros) que rematou. De pé esquerdo, que nem é o melhor. Sommer seguiu a bola com os olhos, rodando a cabeça, mas das pernas e dos braços nem sinal de movimento. E viu-a embater em cheio na quina entre a barra e o poste, quase no ângulo superior esquerdo da baliza. Era um golo de antologia de Pogba. Sim, era. Não foi.

Pogba começou o Euro mal. Acabou substituído no jogo contra a Roménia, não entrando de início no seguinte, diante da Albânia. Não entrou de início, mas quando foi chamado ao jogo (por altura do intervalo, quando a França não atava nem desatava o empate a zero), mostrou um ar da sua graça. Hoje, de volta ao “onze”, não desapontou e foi o melhor entre franceses num jogo em que a França já estava apurada para os oitavos-de-final e nunca pisou verdadeiramente no acelerador. Kingsley Coman pisou, mas essa é uma história para o outro dia; o rapazinho do Bayern usa propulsores nas botas.

O outro que é bom entre franceses, Payet, o melhor do Euro 2016 até aqui para a UEFA, foi suplente e entrou perto do final contra a Suíça. Mas ainda a tempo de participar no “jogo” particular de Pogba. Na verdade, Payet perdeu: acertou uma vez na barra e Pogba duas. O acerto (ou desacerto, dependendo da perspetiva) de Payet conta-se assim: Sissoko correu que se fartou pela direita, deixou tudo e todos para trás, cruzou (76′) para a área, longo, e Payet surgiu a rematar de primeira no segundo poste com a parte interior da bota direita. Pliiiiinc! Foi o som que se escutou em Lille. Mas golos nem vê-los.

No final, e contas feitas, com este empate a França confirma que é primeira classificada do Grupo A, a Suíça segunda, e ambas as seleções estão nos “oitavos”. Os suíços, pelo que demonstraram hoje e até aqui, dificilmente vão chegar aos “quartos”. Os franceses, tendo Pogba, podem até passá-los e vencer o Euro. É que “tentáculos” são coisa que não lhe falta para se agarrar à taça Henri Delaunay.