Com a votação da destituição definitiva da Presidência do Brasil prevista para agosto, Dilma Rousseff movimenta-se para lutar pelo seu mandato e voltar à liderança do Palácio do Planalto. Como forma de persuadir senadores indecisos ou mudar a intenção de voto de parlamentares, a Presidente afastada começou a sinalizar a ideia da realização de novas eleições, a partir de um plebiscito popular. A ideia vem ganhando força nos últimos dias, através de entrevistas e discursos em atos públicos. Falou nisso pelo menos quatro vezes:

O pacto que vinha desde a Constituição de 1988 foi rompido e não acredito que se recomponha esse pacto dentro do gabinete. Acredito que a população seja consultada”, Dilma Rousseff, em entrevista à TV Brasil a 9 de junho.

“Eu não tenho nenhum problema em perguntar o que o povo quer. Em qualquer caso, a única forma de interromper o mandato de um presidente é por meio de um plebiscito”, Dilma Rousseff, em entrevista a meios de comunicação internacionais, a 14 de junho.

Acho que esse toma lá dá cá já deu o que tinha que dar e não é só por uma questão ética, é sobretudo porque o padrão, o modelo, se esgotou. Ele não dá conta do Brasil”, Dilma Rousseff, num discurso realizado durante uma audiência pública em João Pessoa, a 15 de junho.

Não é uma questão relativa ao meu mandato, nem relativa a voltar. Não é porque eu volto que as condições são complexas. Acho que há, cada vez mais, a consciência de que o pacto que governou o Brasil desde 1988, a partir da Constituição cidadã, foi rompido e dilacerado. Então, vamos ter que necessariamente reconstruir os processos democráticos no Brasil”, Dilma Rousseff, num evento da Universidade Federal de Pernambuco, em Recife, a 17 de junho.

Há, no entanto, uma condição para que Dilma Rousseff apoie a realização do plebiscito: os senadores devem votar contra o impeachment, na sessão prevista para agosto. A estratégia é vista com bons olhos por um grupo de parlamentares, que já defendiam a proposta ainda em abril e que atualmente se posicionam como indecisos em relação ao afastamento definitivo de Dilma. Tanto os defensores da Presidente afastada como do Presidente interino, Michel Temer, disputam o apoio deste grupo, que pode ser decisivo no resultado final do processo.

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Plebiscito ou referendo?

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O plebiscito e o referendo são formas de consulta popular exercidas através do voto direto e secreto sobre um tema de interesse nacional. A Constituição brasileira, no entanto, faz uma diferença entre os dois termos.

Segundo explica o Tribunal Superior Eleitoral do país, “o plebiscito é convocado previamente à criação do ato legislativo ou administrativo que trate do assunto em pauta, e o referendo é convocado posteriormente, cabendo ao povo ratificar ou rejeitar a proposta”.

Ou seja, no Brasil, um plebiscito realiza-se antes da promulgação de uma lei, enquanto um referendo é convocado após a lei já estar aprovada.

Na votação a 12 de maio, que definiu o afastamento temporário de Dilma, 55 de 81 senadores votaram a favor da abertura do processo de impeachment. Na votação de agosto, serão necessários 54 votos favoráveis para que Michel Temer passe de Presidente interino para Presidente de facto. De acordo com estimativas do jornal Estadão, 37 senadores já declararam que vão votar a favor da impugnação do mandato de Dilma, enquanto 18 senadores votarão contra. Entre as duas posições, há 26 senadores de diferentes partidos, que não manifestaram publicamente o seu voto ou que se encontram indecisos.

A realização de novas eleições fora do ciclo político num sistema presidencialista, como o brasileiro, está prevista apenas em situações muito específicas e exige um forte apoio da Câmara dos Deputados e do Senado, algo que poderia ganhar força com a aprovação popular da ideia a partir de um plebiscito. A proposta, contudo, enfrenta desafios constitucionais e jurídicos sobre o seu formato. Realizar novas eleições será uma estratégia válida para que Dilma salve o seu mandato?

O que diz a Constituição brasileira?

Brazilian President Dilma Rousseff and her vice President Michel Temer attend the launching ceremony of the Logistics Investment Program (LIP), at the Planalto Palace in Brasilia, on June 9, 2015. Brazil announced a $64-billion infrastructure spending package on Tuesday, hoping to revive its flagging economy with investment in highways, railroads, ports and airports. AFP PHOTO/EVARISTO SA (Photo credit should read EVARISTO SA/AFP/Getty Images)

Dilma Rousseff e Michel Temer, em 2015.

Em termos práticos, a única maneira possível de haver eleições antecipadas no Brasil para Presidente seria através da renúncia de Dilma Rousseff e Michel Temer antes de dezembro deste ano.

A Constituição brasileira prevê a realização de novas eleições a cada quatro anos, sendo a próxima votação apenas em outubro de 2018. Com o sistema presidencialista, o congresso do país não dispõe de mecanismos como moções de censura e de confiança ou moções de rejeição para derrubar um Governo. O impeachment é, portanto, a única via para destituir um presidente.

Caso a destituição de Dilma seja aprovada pelo Senado em agosto, Michel Temer assume de maneira definitiva a Presidência até ao fim do mandato, em dezembro de 2018. No caso hipotético de que Temer não possa assumir a Presidência do Brasil, por destituição ou renúncia, o próximo na linha sucessória é o presidente da Câmara dos Deputados, atualmente exercida de maneira interina por Waldir Maranhão, até que seja votada a cassação do presidente afastado, Eduardo Cunha. Seguem-se, por ordem, o presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, e o presidente do Supremo Tribunal Federal, atualmente Ricardo Lewandowski.

No caso de os presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado ou do Supremo Tribunal Federal assumirem a Presidência antes da metade do mandato — ou seja, até dezembro de 2016 –, serão realizadas novas eleições diretas. Se o país ficar sem presidente nos dois últimos anos de mandato, a votação para a escolha de um novo presidente é indireta. O Congresso vota em 30 dias a escolha de um novo representante, que deverá completar o mandato de quem o antecedeu até às próximas eleições.

E por que fazer um plebiscito e não realizar logo uma emenda constitucional?

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O Senado brasileiro é formado por 81 parlamentares.

Para que se realizem novas eleições fora do prazo estabelecido pela lei, é necessário realizar uma emenda constitucional, aprovada por três quintos da Câmara dos Deputados (308 de 514) e três quintos do Senado (49 de 81). Como os defensores de Dilma Rousseff — ou a ideia de novas eleições — não têm maioria em nenhuma das duas câmaras legislativas, o diploma dificilmente seguiria adiante.

Um plebiscito para consultar a população, no entanto, tem um caminho mais fácil no Congresso. Para a proposta de consulta popular ser aprovada, é necessário ser apresentada por no mínimo um terço dos senadores ou deputados e aprovada pelas duas câmaras por maioria simples, ou seja, metade mais um dos deputados e senadores presentes na sessão de votação. É de salientar que o resultado de um plebiscito não é vinculativo. Após o resultado da consulta, os parlamentares teriam de votar igualmente numa emenda constitucional para mudar a data das eleições. A diferença seria a pressão popular, que poderia “forçar” os congressistas a seguir a decisão dos brasileiros, após a vitória da proposta em plebiscito.

Um Presidente não pode convocar diretamente um plebiscito, mas os deputados ou senadores do seu partido podem fazê-lo, motivo pelo qual o apoio público de Dilma Rousseff à ideia é um sinal positivo para que avencem negociações entre os partidos favoráveis a ideia.

A ideia atual do plebiscito deixa, contudo, algumas questões em aberto:

  • O que seria exatamente perguntado aos brasileiros?
  • Quando seriam realizadas as novas eleições?
  • O novo Presidente eleito terminaria o mandato iniciado por Dilma Rousseff, até dezembro de 2018, ou iniciaria um novo ciclo político de quatro anos? Ou ainda, estaria no cargo durante seis anos para coincidir com as eleições presidenciais de 2022?

O que pensam os apoiantes do plebiscito

Segundo relata o Nexo Jornal, alguns senadores reuniram-se com Dilma Rousseff, a 8 de junho, no Palácio do Alvorada, para apresentar a proposta de realização de um plebiscito em outubro de 2016, na mesma data das eleições municipais, para consultar a população brasileira sobre a ideia de realizar novas eleições. Segundo o senador João Capiberibe (PSB), presente na reunião, seis a oito senadores indecisos votariam contra o impeachment, se Dilma se comprometesse a apoiar a ideia.

Havia a expectativa que o afastamento de Dilma acalmaria a crise política, mas ocorreu o contrário. Com as últimas revelações da investigação [de corrupção no âmbito da Operação Lava Jato], a crise política se agravou ainda mais e a crise económica não dá sinais que vá arrefecer”, afirmou Capiberibe à publicação.

Já o senador Roberto Requião (PMDB), fez contas mais otimistas. No Twitter, afirmou que reuniu na sua casa, a 8 de junho, 30 senadores que apoiam a realização de eleições antecipadas.

Numa sessão parlamentar no Senado, a 9 de junho, Requião assegurou: “O encurtamento ou não do mandato da presidente Dilma deve ser decidido pelas urnas, pelo povo brasileiro. A soberania popular será o árbitro supremo, e não o Congresso, [atualmente] lamentavelmente sob suspeita”.

Já o senador Cristovam Buarque (PPS) tem defendido publicamente a tese de “nem Dilma, nem Temer” desde o início do processo de destituição da Presidente afastada.

Certamente, essa manifestação vai provocar uma simpatia entre aqueles que acreditam que a saída [da crise política] está numa eleição em outubro [quando ocorrem as eleições municipais], para que um Presidente eleito complete o mandato dela. Então eu creio que haverá uma simpatia desses votos que defendem eleição antecipada”, afirmou à BBC Brasil.

Outros senadores publicamente abertos à ideia são Randolfe Rodrigues (Rede), Lídice da Mata (PSB), Paulo Paim (PT) e Elmano Férrer (PTB).

E como veem a ideia os apoiantes de Dilma?

Movimentos sociais ligados ao Governo Dilma Rousseff mostram-se contrários à ideia da realização de eleições antecipadas, mas cogitam mudar de ideia caso o impeachment seja travado, segundo sondagem do Nexo Jornal.

É o caso de Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Para Guilherme, as novas eleições aparecem como “possibilidade razoável”, desde que haja unidade, com “vários movimentos”. “O que essa crise nos mostra é que o sistema político faliu”, afirmou ao site Rede Brasil Atual.

Adilson Araújo, presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), é outro defensor de um plebiscito a pedir eleições diretas. “É uma batalha difícil, mas não há outro caminho que não seja reivindicar que o povo possa efetivamente decidir. Se o poder emana do povo e a Constituição garante, esse é o caminho”, disse à publicação.

Members of the Landless Workers Movement (MTST) take part in a demonstration in Sao Paulo, Brazil on March 24, 2016. An MTST demonstration to defend a program of reforms, the demilitarization of the police and democracy took place Thursday in Sao Paulo. AFP PHOTO / Miguel SCHINCARIOL / AFP / Miguel Schincariol (Photo credit should read MIGUEL SCHINCARIOL/AFP/Getty Images)

Protesto organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto a 24 de março contra o impeachment de Dilma Rousseff.

Já João Cayres, secretário geral da CUT de São Paulo, acredita que novas eleições seriam a solução se fossem generalizadas a todo o Congresso, e não apenas para Presidente. “Não podemos ficar nesse lenga-lenga de que Presidente eleito é técnico de futebol, que vai trocando a cada temporada. A gente deveria é convocar uma Assembleia Nacional Constituinte, fazer uma reforma política, porque com esse Congresso não vai mudar nada”, assegurou ao Nexo Jornal.

No PT, o discurso é de que a prioridade é “salvar” o governo de Dilma Rousseff e logo se discute a proposta. Em entrevista ao jornal Estadão, o deputado e vice-presidente nacional do PT, José Guimarães, disse que a realização de uma consulta popular sobre novas eleições poderia ser a saída da crise política e económica. “O governo provisório não reúne condições para tirar o País da crise, não diz a que veio, (o ministro da Fazenda) Henrique Meirelles só fica fazendo firula [floreados]. Então, consultar a população pode ser uma saída. Não podemos nos recusar a discutir qualquer saída”, defendeu.

Para o líder do PT no Senado, Humberto Costa, uma consulta pública sobre novas eleições pode ser benéfica para todos, apesar de não haver unanimidade dentro do partido. “Acho a atitude da presidente muito positiva. Se a população rejeitar as novas eleições no plebiscito, isso fortalece a continuidade do mandato de Dilma. Agora, se a proposta de novas eleições vencerem, elas vão legitimar o novo presidente da República”, sentenciou, citado pela revista IstoÉ.

Por sua vez, o líder do PT na Câmara dos Deputados, Afonso Florence, disse que não trabalha com esta hipótese. “”Há mecanismos constitucionais para isso, não vou dizer que não vai acontecer, agora essa não é a lógica da liderança do PT na Câmara. Minha política é de que ela volte e exerça o seu mandato até o fim”, garantiu ao jornal Estadão.

Lula da Silva ainda não se manifestou publicamente sobre o assunto.

E qual é a visão dos opositores de Dilma Rousseff?

Brazil's PMDB party lawmakers unanimously vote for leaving the government coalition, at the PMDB's headquarters in Brasilia, on March 29, 2016. Brazilian President Dilma Rousseff's ruling coalition collapsed Tuesday when her main partner the PMDB went into opposition, leaving the embattled president increasingly helpless in her fight against impeachment. AFP PHOTO/EVARISTO SA / AFP / EVARISTO SA (Photo credit should read EVARISTO SA/AFP/Getty Images)

Deputados do PMDB são contrários à ideia da realização de novas eleições.

O líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira, acredita que a proposta de novas eleições deveria ter sido feita antes do afastamento temporário de Dilma Rousseff, quando “até poderia ser considerada, mas agora só ia gerar mais instabilidade no País”.

Passou da hora. Quando a presidente perdeu as condições para governar, nós chegamos a falar sobre isso na busca por uma saída, mas ela nunca propôs essa discussão. Agora teve o impeachment e o processo já está praticamente concluído. Esse movimento não tem justificativa, só vai gerar ainda mais instabilidade para o País, porque seria outro trauma, outra incerteza. Concordo que a eleição legitima o processo, mas você de repente fazer a mudança nesse momento, aí sim a palavra que tanto empregam seria aplicada: seria um golpe”, acredita, citado pelo jornal Estadão.

Para o líder do PMDB na Câmara dos Deputados, Baleia Rossi, uma consulta popular sobre novas eleições é um “factoide criado pelo PT para tumultuar” o processo de impeachment e prejudicar o governo do presidente em exercício Michel Temer. “Como ela diz isso? Ela não é mais presidente, não tem mais condições de fazer uma proposta como essa”, comentou à revista IstoÉ.

No PSDB, maior partido de apoio ao governo interino de Michel Temer, a proposta é “inconstitucional”. É como se refere ao assunto o governador de São Paulo, Geraldo Alckmim, um dos possíveis nomes do partido para concorrer às próximas eleições presidenciais. “Não tem previsão constitucional. A única hipótese de nova eleição é se ambos [presidente e vice] renunciarem ou se TSE [Tribunal Superior Eleitoral] impugnar a chapa. Caso contrário, no modelo presidencialista é previsto o impeachment e nesse caso assume o vice. Isso já ocorreu. Eu sou contra. Na realidade, isso não tem nem como passar no STF [Supremo Tribunal Federal], não tem amparo jurídico”, disse.

Marina Silva, porta-voz do partido Rede Sustentabilidade, outro nome dado como certo para a disputa ao Palácio do Planalto em 2018, defende a realização de novas eleições, mas a partir da cassação, no Tribunal Superior Eleitoral, da coligação PT-PMDB, por alegadas fraudes cometidas durante as eleições de 2014. “Eu não tenho nenhum problema em perguntar o que o povo quer”, afirmou, em entrevista ao canal Rede TV, a 6 de maio.

Michel Temer ainda não se manifestou publicamente sobre o assunto.

E os brasileiros?

Segundo uma sondagem realizada pelo instituto Vox Populi, entre os dias 7 e 9 de junho, 67% dos brasileiros acham que deveria haver uma nova eleição para Presidente ainda este ano. 29% discordam da ideia e 4% não sabem ou não responderam.

Segundo descreve a revista Carta Capita, que teve acesso aos dados da pesquisa, o maior apoio às novas eleições é registado entre os jovens, com apoio de 72% dos entrevistados. O percentagem alcança 70% entre quem ganha até dois salários mínimos.

Já na sondagem realizada pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT), em parceria com o Instituto MDA, 50,3% dos brasileiros são favoráveis à antecipação das eleições e 46,1%, contrários. As entrevistas foram realizadas de 2 a 5 de junho.