É como andar de bicicleta. A Espanha, até aqui, nos primeiros encontros do Euro (diante da República Checa e da Turquia) viveu sobretudo do que Iniesta tinha para dar – e é muito –, não deslumbrando. O tal “tiki-taka” que Vicente del Bosque herdou do Barça de Pep Guardiola (e da própria Roja de Aragonés, em 2008), não se viu, como também pouco ou nada se tinha visto no Mundial 2014. Esta noite, frente à Croácia em Bordéus, voltou. Mas só durante meia hora. Quando a Espanha queria para si a bola, “egoísta”, nenhum croata lhe sentia o gostinho de couro, viam-na circular, de pé para pé, entre defesas – até o guarda-redes David de Gea, lá atrás, dava um pé à festa –, médios, avançados, sempre às voltinhas, mas voltando atrás o “carrossel” se preciso fosse. Tudo feito a um toque só. E foi o quanto bastou para a Espanha se colocar cedo (9′) na frente do marcador.

O golo começou, como não podia deixar de ser, em David de Gea, o guarda-redes. Dele, a bola vai para Piqué, de Piqué para Iniesta, de Iniesta para Busquets, de Busquets para Fàbregas, e por aí fora, até ao ataque. É lá, no ataque, que Fàbregas tenta desmarcar Morata nas costas dos centrais croatas, mas o passe a rasgar é cortado por Vedran Corluka — que hoje usou durante a primeira parte um curioso “barrete” à jogador de polo aquático. Azar para ele, sorte da Espanha, a bola acabou na direita, em David Silva, o canhoto seguiu com ela para dentro, coladinha nos pés como só ele sabe colar, desmarcou Fàbregas (agora sim!) nas costas da tal defesa croata, o médio do Chelsea rematou de pronto, cruzado, a bola entraria na baliza devagar, devagarinho, mas Morata (pelo sim, pelo não) ainda foi desviá-la quase em cima da linha. 1-0 para a Espanha.

Ninguém quererá encontrar-se com esta Espanha na fase a eliminar. Ou melhor, ninguém quererá encontrar-se com o ataque que a Espanha mostrou no começo do jogo. Mas com a defesa espanhola, sim, quererá. Se a atacar a “bicicleta” deslizava pelo relvado como nunca, como sempre, na defesa o guiador guinava por todos os lados — e a voltinha acabaria num trambolhão daqueles.

BORDEAUX, FRANCE - JUNE 20:  Luka Modric of Croatia looks on during a training session ahead of their UEFA  Euro 2016 Group D match against Spain at Stade Chaban-Delmas on June 20, 2016 in Bordeaux, France.  (Photo by David Ramos/Getty Images)

Modric não deu uma perninha no Croácia-Espanha. O adutor da esquerda não deixou (Créditos: David Ramos/Getty Images)

A Croácia, que hoje nem teve o melhor dos seus melhores, o “cruyffezinho” Luka Modric, por causa de uma maldita lesão no adutor da perna esquerda, quase – acentue-se o “quase” — empatava aos 12′. Sérgio Ramos tinha a bola controlada na defesa, tinha também Piqué a seu lado para passá-la, mas resolveu complicar o que era simples: “passou” a Marko Pjaca, depois de resvalar nele a bola sobrou para Nikola Kalinić, que atirou uma “pedrada” de fora da área. De Gea defendeu para canto.

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Então e o “trambolhão”? Calma. Piqué não fez por menos, e conseguiu (a meias com David De Gea) fazer do erro de Sérgio Ramos uma brincadeira de crianças. Foi pouco depois, aos 14′. Piqué, pensando estar no Barcelona, passou a bola para trás, para De Gea. O passe foi à queima, o “portero” quis parar a bola na sola da bota, qual Claudio Bravo, passá-la para Ramos depois, mas comprometeu, demorou “mississípis” a mais, Marko Pjaca roubou-lha de “carrinho”, o ressalto foi parar aos pés de Rakitic, que com De Gea fora da baliza (e ainda de fora da área) inventou um “chapéu” de abas largas, larguíssimas. Teve azar, Rakitic. Acertou na barra, e a bola, mesmo descendo, não desceu para dentro da baliza.

Quando a Croácia empatou, em cima do intervalo (45′), já tinha saído o “tiki-taka” do relvado do Matmut Atlantique e ido ver, quiçá, como paravam as modas nos oitavos-de-final. Mas vamos lá ao golo. E que golo foi. Ivan Perisic, na esquerda, tinha Juanfran a morder-lhe os calcanhares, correu em direção à linha de fundo, não cruzou de canhota, voltou para trás, fez o que quis do lateral do Atlético de Madrid, ganhou espaço suficiente para construir um T2 no Cacém e cruzou por fim, com o pé direito e para o primeiro poste. Lá, Kalinić foi mais veloz do que Piqué (que surpresa… not!) a “atacar” a bola, desviando-a com o que tinha “mais à mão”: o calcanhar direito. Não é para qualquer um. E não foi para mais ninguém na primeira parte, que acabou logo ali.

Se a Espanha voltou do intervalo foi só para mostrar aos franceses quão belo e raiado é o seu equipamento de “visitante”. Correr, correr, só os croatas corriam.

Está familiarizado com a expressão “ficar a apanhar bonés”, não está? Foi o que aconteceu a David De Gea aos 57′. Srna, o defesa direito da Croácia, ultrapassou Alba, o que defende à esquerda da Espanha, cruzou para a área desde a linha de fundo, De Gea saltou, mas não agarrou (ou sequer socou) a bola. Esta acabou, ainda dentro da área, em Tin Jedvaj, que é central mas foi lá à frente tentar a sorte. O remate esbarrou no guarda-redes espanhol, mas o perigo croata não se ficou aqui: o ressalto foi ter com Ivan Perisic, que estava de costas para a baliza e só poderia rematar acrobaticamente, de “bicicleta”. Foi o que fez, mas o remate saiu dois palmos ao lado do poste direito de Espanha.

Este encontro teve duas grandes penalidades. Uma foi assinalada, outra não. A da Croácia não foi. Marko Pjaca entrou na área espanhola pela direita, tinha Ramos e Piqué à frente, trocou as voltas aos dois (que surpesa… not!), ultrapassou Ramos e caiu, tocado pelo central espanhol. Um penálti (66′) que o árbitro holandês Björn Kuipers deixou por marcar. Pouco depois, aos 71′, marcou mesmo, só que do outro lado. Iniesta cruzou a bola para a área desde a esquerda, David Silva ganhou a frente a Šime Vrsaljko, corriam os dois para ela, e o espanhol caiu depois de sentir o lateral croata nas suas costas. Penálti? Talvez não. Na marcação da grande penalidade, Sérgio Ramos atirou com potência (quase de “bico”) para o centro da baliza, Danijel Subasic não caiu para nenhum dos lados, deu um passo em frente e defendeu. A pergunta é: com Iniesta, Silva ou Fàbregas em campo, por que carga de água vai Ramos marcar? Perguntem a Vicente del Bosque.

Então e o “trambolhão”? Calma, que é agora. Modric lá estava, sentadinho como no começo, como em todo o jogo. Só se levantou – devagar, porque a lesão não lhe permite euforias nem pulos – quando a Croácia fez o 2-1, aos 87′. E a defesa espanhola, essa que meteu água o jogo todo, haveria de meter uns quantos jerricãs mais. Os croatas recuperaram a bola à entrada da sua defesa, saíram em contra-ataque a mil à hora, Kovacic desmarcou Kalinić, e foi de cabeça erguida (mas sempre “a abrir”) que este viu outro “ic”, Perisic, mais esquerda. Depois de recebida a bola, Perisic entrou na área e rematou de pronto pelo buraco da agulha, entre David De Gea e o poste esquerdo da Espanha. O guarda-redes do Manchester United fica mal na fotografia. Ele, Piqué, Ramos…

Contas feitas, a Croácia é primeira classificada do Grupo D e a Espanha segunda. O que é que isto nos interessa? Ora essa, “interessa” pois. É da maneira que Portugal, caso vença a Hungria — e o respetivo grupo –, evita automaticamente, até à final de Paris, os grandes “tubarões” do Euro 2016: Alemanha, Itália, Espanha, França e Inglaterra.