O discurso de Fernando Santos sempre foi ambicioso. Para a frente é que é caminho, só queremos a final, para quê ir se não for para ganhar? Depois, vem a realidade. Entrar aos tremeliques, com nervos na ponta da franja, com joelhos que abanam ou mentes que se questionam. Ainda há aquela do cenário favorável e umas substituições e atitudes que não combinam com o discurso. O que é isto, então, de só saber empatar e ainda assim ter um discurso no pináculo da confiança? É Portugal, senhoras e senhores.

E não é caso virgem. Em 1982, a Itália de Enzo Bearzot, um homem natural de Aiello del Friuli, fez a mesma coisa. A squadra azzurra tinha craques como Dino Zoff, Claudio Gentile, Marco Tardelli e, claro, Paolo Rossi e ambicionava o trono mundial disputado em Espanha. Bom, isto é era a Itália, certo? Para a frente é que é caminho, queremos é a final, blá blá blá. O grupo não impunha assim tanto respeito. Bom, havia a Polónia de Boniek, Lato e de Smolarek, que colocaria ao filho e também jogador (encontrou Portugal no Mundial-2002) o nome Euzebiusz Smolarek, em homenagem ao Pantera Negra. Camarões e Perú completavam o Grupo 1.

Rrrrrrrrrola a bola, no Estádio Balíados, em Vigo. Zero-zero vs. Polónia, balde de água fria. Faltam dois jogos, a coisa ainda se pode dar. A Itália jogaria sempre nos Balaídos nesta fase de grupos. E lá voltou para jogar com o Perú. Bruno Conti marcou primeiro, mas Rúben Díaz empatou. Os 25 mil adeptos nas bancadas continuavam sem ver o que esta Itália tinha para dar. Dois jogos, dois empates. Onde está a famosa Itália, que havia ganho o Campeonato do Mundo em 1934 e 1938? Nem vê-la.

A última partida era com os africanos, que tinham na frente um tal de Roger Milla, que ficaria famoso por uma dança especial no Itália-90, curiosamente. À mesma hora jogava-se o Polónia-Perú, decidia-se portanto quem mandava no grupo. Até aos 55′ minutos esteve tudo pacífico, até que os polacos, que haviam empatado 0-0 os outros dois jogos, se lembraram que havia balizas. Foi um regabofe: cinco golos entre os 55′ e os 76′. O Perú ainda reduziu por Guillermo La Rosa: 5-1. Um chocolate polaco, daqueles que ficam na memória. Nesse período de tsunami de golos, a Itália também marcou, aos 60′, para depois sofrer um minuto depois. Conclusão: 1-1 vs. Camarões. Graziani e M’Bida fizeram os golos.

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BARCELONA, SPAIN - JUNE 29: Argentinian goalkeeper Ubaldo Fillol and captain Daniel Passarella prevent Italian striker Paolo Rossi from scoring 29 June 1982 in Barcelona during the World Cup second round soccer match between Italy and Argentina. Italy beat Argentina 2-1 despite a goal by Passarella. AFP PHOTO (Photo credit should read STAFF/AFP/Getty Images)

Paolo Rossi vs. Argentina (STAFF/AFP/Getty Images)

A Itália só passou o grupo porque marcou mais um golo do que os Camarões, que também assinaram três empates (0-0, 0-0, 1-1). A Polónia, que descobriu a pólvora ou o caminho mais fácil para a baliza alheia, acabou em primeiro do grupo com quatro pontos. A vitória, nesta altura, só valia dois pontos.

As coisas abanaram no coração da seleção italiana. Tanta expectativa e aquilo não andava, não dava com a tecla. O super-avançado Rossi estava a passar ao lado do Espanha-82. O selecionador italiano decidiu que os jogadores deixariam de dar entrevistas e proibiu-os de lerem jornais. Isso mesmo, um blackout à antiga. A ideia era não serem contaminados pelo pessimismo e maus ventos do seu próprio país, normalmente implacável com os seus futebolistas.

Na segunda fase deste Mundial, que previa outra fase de grupos, a cantiga já foi outra. E os rivais nem o faziam supor. É que calharam com a Argentina de Diego Maradona, Mario Kempes e Passarella. O treinador era César Luis Menotti, alguém que achava mais obrigatório ter uma ideia do que vencer um Mundial — foi por isso que Pep Guardiola foi ter com ele antes de arrancar a sua carreira de treinador. A equipa que completava o grupo era “somente” o Brasil de Zico, Sócrates e Falcão. Se aquela fase de grupos tinha sido a ferros, o que pensar do que vinha aí…

A baliza deixou de medir dois metros e ficou do tamanho normal, por isso Tardelli e Cabrini deram um empurrão à seleção ao minuto 67′, marcando os dois golos frente aos argentinos. Daniel Passarella, futuro selecionador do país, reduziu para a Argentina. Missão cumprida, “estamos vivos”. Depois foi a vez de os italianos folgarem e ficarem a ver no sofá o sempre quentinho e especial Brasil-Argentina, em Barcelona. Esteve 3-0 até aos 89′ para o Brasil (Zico, Serginho e Júnior), altura em que Díaz reduziu para os homens que falam espanhol num tom mais pausado e sedutor. Maradona viu o vermelho direto aos 85′. Ou seja, haveria uma espécie de final entre italianos e brasileiros para definir quem passava à semi-final.

A partida que permitiria o acesso à final no Santiago Bernabéu, foi disputada no Camp Nou, a casa e o teatro de outro tipo de sonhos do Barcelona. A Itália voltava a defrontar um velho conhecido: a Polónia de Boniek. Rossi já estava num ritmo à Mario Cipollini, que é como quem diz em sprint para a meta. O avançado da Juventus bisou e resolveu (2-0).

Na outra meia-final, a Alemanha Ocidental despachou a França de Michel Platini, futura campeã europeia em 1984, em penáltis. Six e Bossis falhariam e assinariam a sentença dos gauleses em Espanha. A Polónia venceria o jogo de terceiros e quartos vs. França por 3-2.

A final foi perante 90 mil pessoas, no mítico e divino Bernabéu, onde o Madrid celebrou tantas e tantas Taças dos Campeões Europeus. A Itália já estava em “modo voo”, como se mete nos telefones hoje em dia, para andar nas nuvens. Já ninguém lhes roubaria a eternidade e o levantar do caneco. Paolo Rossi (57′), Marco Tardelli (69′) e Alessandro Altobelli (81′) ditariam o desfecho do Campeonato do Mundo jogado aqui ao lado, em Espanha. Paul Breitner ainda reduziria, mas seria sempre insuficiente para fazer stop ao furacão transalpino. Ponto final, a Itália era campeã do mundo pela terceira vez na sua história. Entre 1930 e 1982 três Mundiais é dose. É de gigante. E Paolo Rossi foi o senhor gigante da seleção gigante, com seis golos e o título de melhor marcador.

Resta saber se Fernando Santos sabe esta história e se a vai contar aos seus jogadores. Ou então resta saber se vai imitar Enzo Bearzot, proibindo os jogadores de falarem e lerem jornais. Como vai ser daqui para a frente? Será Ronaldo o Paolo Rossi do século XXI? Sábado à noite, pelas 20 horas, vamos saber tudo vs. Croácia… Ou, pelo menos, mais um episódio desta história lusitana em terras gaulesas.