Carlos do Carmo está nervoso. “Estou ansioso com tudo isto”, diz-nos. Não temos grande autoridade na matéria mas questionamo-lo: é apenas mais um concerto, certo? Será especial, por várias razões, mas apenas mais um. Ou não? “Ah, não estou nervoso com isso.” Claro que não. Quando falamos com o fadista estamos a pouco mais de dez minutos do início do Hungria – Portugal, último e decisivo jogo da fase de grupos do Euro 2016. “Isto não começou bem, vamos ver como é que continua.”

Vamos a isso, e vamos também aos fados. Cinco deles, cinco que vão estar no anfiteatro ao ar livre da Fundação Gulbenkian, em Lisboa, quando Carlos do Carmo atuar no sábado à noite, com a orquestra da casa e com Ivan Lins. É uma noite de festa, de celebração, construída a meias com o músico e compositor brasileiro. Festejam-se os cinco anos de Fado Património da Humanidade; celebram-se os arranjos de Bernardo Sassetti, “para sempre especiais”, diz o fadista; e reconhece-se o valor da cumplicidade, criativa e não só:

Escolhemos [as canções] os dois [Carlos do Carmo e Ivan Lins] a uns bons quilómetros de distância. Mas quando juntámos escolhas verificámos que ambos optámos pelos que queríamos fazer neste concerto, sem discussão. São quatro décadas de amizade. É muito tempo. Amizade mesmo, nada disto é superficial.”

“Gaivota”

Um fado que foi escrito pelo Alan e pelo Alexandre O’Neill para a Amália, há muitos anos. E eu no final dos anos 50 gravei-o com orquestra e foi um grande êxito também. Liga-me a este fado, além do mais, uma ternura particular. O meu saudoso amigo José Cardoso Pires ligava três vezes por semana, de manhã, para a Maria Judite, para confirmar os versos da Gaivota, sempre a mesma pergunta. Isto é tão terno que só isto basta para o destacar.

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“Fado do Campo Grande”

É um grande fado do António Vitorino d’Almeida e do Ary dos Santos. É a primeira vez que o Vitorino d’Almeida entra no fado e quando o faz é pela porta grande, ninguém pode sequer questionar isso.

“Fado Ultramar”

“Música do Ivan Lins e letra do José Mário Branco. É um fado muito bonito, de que gosto muito, mas é muito mais que isso. É uma espécie de ajuste de contas com a vida e com a história. Tem um valor difícil de igualar, ao juntar tudo isto numa só canção, num só fado.”

“Homem na Cidade”

“É um fado que não poderia deixar de estar neste palco. É a respiração da liberdade no fado. Cantado em 1976, é quando a liberdade no fado se apresenta na sua plenitude.”

“Lisboa Menina e Moça”

“Porque sim. E é uma ótima razão.” Há uma coisa que o fado tem que é uma benesse para nós: nunca cantamos duas vezes da mesma maneira, nunca. Quando canto temas destes, e faço-o há muitos muitos anos, ando sempre ali à volta. O tema está feito, está construído. Não me pertencem, são das pessoas. Eu faço um percurso sempre diferente. Não há rotina, não há cansaço.”

Agradecemos a Carlos do Carmo. Ele responde-nos com um “ora essa” e uma pequena grande angústia: “Bom, agora vamos lá ver isto”. E isto era, recordamos, o futebol. No final ficou 3-3, um fado menos mau.

Concerto sábado, 25 de junho, às 21h30, no anfiteatro ao ar livre da Fundação Gulbenkian, em Lisboa. Bilhetes a 20 euros.